NOTÍCIA
O ensino superior privado, como se conhece hoje, teve no professor Hermes Ferreira Figueiredo, falecido nesta segunda 26, aos 83 anos, um dos seus baluartes. Criou a Universidade Cruzeiro do Sul a partir de um curso de admissão em 1965, na zona leste de São Paulo
Publicado em 26/04/2021
Hermes Ferreira Figueiredo atuou no Semesp por 28 anos, sendo que de 2005 a 2021 como presidente – período mais rico em realizações dessa entidade de 42 anos. Em suas gestões houve a profissionalização com uma direção executiva. Ele delegava decisões, mas com seu modo manso e delicado, cobrava ações combinadas. Com a eleição da educadora Lúcia Teixeira para sua sucessão este ano, inovou também ao ser sucedido pela primeira mulher como presidente do Semesp.
Natural de Mirassol, em São Paulo, Hermes Ferreira Figueiredo nasceu em 18 de março de 1938 e eterniza uma trajetória invejável na educação. Licenciado e bacharel em história pela Universidade de São Paulo (USP), ao lado do professor Gilberto Padovese (1937- 2011), fundou, em 1965, o Colégio Cruzeiro do Sul, que deu origem à Universidade Cruzeiro do Sul, reconhecida em 1993.
Em 1965, criou um curso de admissão na longínqua São Miguel Paulista, um bairro no extremo leste da capital paulista, e já no final de 1972 teve autorização para criar os cursos superiores de administração de empresas e ciências contábeis, que começaram no ano seguinte.
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Ávido leitor de biografias, tinha em Irineu Evangelista de Sousa sua maior admiração, exatamente pelo caráter inovador do gaúcho de Arroio Grande, conhecido como Barão de Mauá. Hermes Figueiredo se orgulhava do retrato do Barão de Mauá que tinha em sua sala na Universidade Cruzeiro do Sul.
No período de sua gestão no Semesp consolidaram-se – com o apoio de toda diretoria – iniciativas como o Fnesp (Fórum Nacional do Ensino Superior), o qual transformou-se em internacional, o Conic (Congresso Nacional de Iniciação Científica), a Universidade Corporativa, as Redes de Cooperação, setor de inovação, Mapa do Ensino Superior, a revista Ensino Superior, O Museu do Empreendedor do Ensino Superior (Meesup), a missão para o exterior, além da profissionalização por completa de toda a equipe gestora.
Esse é o Semesp que o professor Hermes Ferreira Figueiredo entregou para a gestão hoje comandada por Lúcia Teixeira. “Penso que a profissionalização que instituímos no Semesp vai, em muito, facilitar um colega que venha me suceder”, disse numa entrevista para o livro a Origem das Estrelas, lançado em 2020 e que conta a saga da Universidade Cruzeiro do Sul.
Em 2019, assumiu a presidência da MetaRed Brasil, braço de uma rede global de tecnologia colaborativa que promove conexões entre as universidades ibero-americanas, públicas e privadas, com objetivo de estimular a colaboração entre as instituições, facilitando o intercâmbio de boas práticas e histórias de sucesso, além de promover o fortalecimento de alianças e colaboração entre elas.
Hermes Ferreira Figueiredo também foi membro do Conselho de Administração da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES). Dentre as várias homenagens que recebeu, destaca-se o título de Cidadão Paulistano, outorgado pela Câmara Municipal de São Paulo. Foi membro do Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta (TV Cultura), de São Paulo.
De 1979 a 1993, quem representava a Faculdade Cruzeiro do Sul no Semesp era o sócio Wilson João Zampieri, até que Gabriel Mário Rodrigues, fundador da Anhembi Morumbi, o convidou para compor a chapa que veio a ser vitoriosa para concorrer ao Semesp, como vice-presidente. Durante esse período foi muito atuante como membro da comissão de trabalhista e do Fórum de Conciliação dos Conflitos Coletivos, lembra José Roberto Covac, advogado especialista em direito educacional há 32 anos, diretor jurídico do Semesp e amigo.
Ruy Guérios, diretor do Semesp e CEO do Eniac, centro universitário da cidade de Guarulhos, na Grande São Paulo, disse sobre Hermes Figueiredo:
“um dos principais atributos desse líder é a sua força de trabalho, incansável, que sempre nos motivou. Sua liderança democrática fez com que eu cada vez mais quisesse contribuir para a melhoria da qualidade da nossa área e da educação no Brasil. Fui sempre muito bem acolhido e o professor Hermes nos tratou muito bem, dando espaço para debatermos e sempre liderou o Semesp para cuidar de todo o setor, incluindo especialmente as escolas menores nas demandas junto ao MEC e aos órgãos que administram o ensino superior. Agradeço a oportunidade de ter trabalhado e aprendido muito com ele”.
Nas palavras da presidente Lúcia Teixeira, “o Semesp e a educação brasileira estão de luto com a partida do querido amigo, mestre e grande líder educacional brasileiro, professor Hermes Figueiredo. Seu exemplo de vida, de perseverança e firmeza de caráter nos deixa a certeza de que continua sua iluminada missão no astral superior, ao lado de outros grandes educadores”. Lembra, também, “seu exemplo, elevados ideais, a energia que colocava em tudo o que fazia, a alegria, a sinceridade e o amor. Nossos agradecimentos, querido professor Hermes, pela vida dedicada ao ensino superior brasileiro e ao próximo”.
Lúcia Teixeira é presidente da Universidade Santa Cecília, de Santos, pede que “Deus conforte sua família e todos seus inúmeros amigos, irmãos de sonho. Grande companheiro, do latim “cum- panis”, aquele com quem se reparte a caminhada e o pão do conhecimento. Professor Hermes figura entre as grandes estrelas, a iluminar o caminho de tantos”, finaliza.
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O advogado e amigo José Roberto Covac, lembra que na gestão de Marta Suplicy, na prefeitura de São Paulo, o professor Hermes teve audiências com Fernando Haddad, então chefe de gabinete de João Sayad, secretário de Finanças da cidade, no período de 2001 a 2004. Foi propor a diminuição do ISS de 5% para 2%, pois o único segmento da educação que recolhia 5% era o superior. Não houve redução da alíquota, mas as IES poderiam optar em recolher 2%, desde que ingressassem num programa de bolsas para servidores municipais.
No processo de transformação em universidade, a Cruzeiro do Sul e a Unimonte estavam juntas, lembra Valdir Lanza, diretor do Semesp. “Tínhamos um novo membro do Conselho Nacional de Educação, gaúcho, político, polido e sisudo. Depois de meses ele me avisou que não marcaria visita, pois haviam muitos processos na frente. Fiquei arrasado. O professor Hermes ligou e disse que a comissão estaria em São Paulo, na Cruzeiro do Sul, em dois meses, e em seguida, iria à Unimonte. Fiquei intrigado semanas até que veio a confirmação. Chegou o grande dia, eis que surge o professor Hermes trazendo o conselheiro. Apresentação da comissão e o conselheiro passa então a relatar como seria o trâmite do processo. Parada para o café, o professor Hermes se dirigindo a nós, disse: “Professores, olha, já passei por muitas coisas, mas nunca imaginei que a esta altura da vida eu ia ser motorista de conselheiro.“ Risos geral.
Valdir Lanzas, fala sobre ele:
“Discreto, o professor Hermes foi um presidente avesso aos holofotes com sua postura impecável. Foi em sua gestão que o Semesp deixou de ser paulista, ganhou o Brasil e se internacionalizou. Sua principal qualidade foi a liberdade que concedeu às equipes que muitas startups gostariam de ter. Como mantenedor e empresário, é um dos mais talentosos casos de sucesso da educação brasileira. De São Paulo, conquistou o mundo com a sua Cruzeiro do Sul. Teve muita serenidade na condução do Semesp, principalmente nesses últimos anos de crise. Sua gestão deixa um grande legado de credibilidade ao Semesp, conquistado junto aos órgãos públicos e privados e com o segmento educacional do Brasil”.
Como presidente do Semesp, a exemplo do que fez no Grupo Cruzeiro do Sul, profissionalizou a entidade, deixando a cargo da diretoria a condução das diretrizes e políticas de atuação, bem como na participação de audiências necessárias na defesa do segmento particular da educação, ressalta Covac.
Covac também destaca que sob sua gestão, a Universidade Cruzeiro do Sul ampliou sua área de atuação na cidade de São Paulo, com a instalação de vários campi. Outras instituições de ensino superior e colégios foram adquiridos, como Centro Universitário do Distrito Federal – UDF, Universidade Cidade de São Paulo – Unicid, Universidade de Franca – Unifran, Centro Universitário de Caraguatatuba, Faculdade de São Sebastião, Centro Universitário de Itu e de Salto e Centro Universitário de João Pessoa, dando origem ao grupo Cruzeiro do Sul Educacional. Atualmente, é um dos maiores e mais relevantes grupos de educação do Brasil, com atuação em todos os níveis e modalidades de ensino.
Não é lugar comum enaltecer a simplicidade do professor Hermes Figueiredo. Silmara Garcia Leite entrou no Semesp como secretária em 2003 e hoje, gerente administrativa, diz: “Foi uma das pessoas mais importantes da minha vida profissional. Lembro uma vez que ele me disse o seguinte: quando eu confio numa pessoa, sinto honestidade nela, assino qualquer papel que ela colocar à minha frente, e deu uma risadinha. Nossa, isso me marcou muito. A partir daí e já faz um bom tempo, lia atentamente tudo que entregava a ele. A mesma sensação acontecia quando enviava um e-mail para ele informando algo ou pedindo uma autorização e ele logo respondia, “toca o barco”. Isso sempre me envaidecia, pois sentia que ele me passava uma missão e que acreditava que faria o melhor, mesmo sendo para ele uma coisa muito simples”.
O economista Rodrigo Capelato começou a trabalhar em 2006 no Semesp como assessor, pouco antes do professor Gabriel Mário Rodrigues se afastar para dirigir a ABMES. Ao assumir, Hermes Figueiredo quis fazer algumas transformações. “Ele me convidou para assumir provisoriamente a diretoria executiva. Foi muito cauteloso, se não desse certo eu ficaria só na assessoria econômica”. Capelato diz que foi aos poucos mostrando suas ideias e plano de trabalho, e aí se estabeleceu uma relação de confiança. “Ele tinha muita experiência, então era muito rápido nas decisões.”
Hermes Figueiredo tinha posições corajosas, mas sabia contornar os enfrentamentos que pudessem colocar em risco o projeto da instituição, afirma Capelato. “Ele era muito ético, disse para mim que jamais mostrou cartão da Cruzeiro do Sul quando representava o Semesp, e vice-versa”. Lembra também que ele inovou ao decidir que quem falava para a imprensa sobre questões jurídicas era a assessoria, e assim em todas as áreas. Tinha que estar alinhado, mas era o Semesp, e não o presidente do momento”. O diretor executivo lembra também que às vezes o professor Hermes defendia junto ao MEC posição que contrariava seus interesses como grande instituição, para insatisfação de alguns associados, mas não abria mão de externar suas convicções.
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