NOTÍCIA
Especialistas apontam técnicas para construir um ambiente encorajador e que promova um ensino participativo
Publicado em 07/04/2021
Por Marina Feferbaum e Jana Maria Brito*: Tem-se falado muito sobre diversidade no ensino. Seja para se adequar a leis, seja porque tem sido percebida como fator que acarreta bons indicadores de desempenho, temos tido mais abertura para considerá-la. Para além de todos esses fatores, quando se trata de um ensino participativo, há razões específicas para promovê-la em sala de aula?
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Sem dúvida houve uma evolução nesse debate, porém não era comum que fossemos ensinados(as) a lidar com as diferenças, mas sim a desconsiderá-las, tomando todos(as) como iguais e evitando conflitos. Trouxemos esse debate para o ensino quando foi necessário refletir sobre qual seria a melhor forma de desenvolver o indivíduo, considerando das suas características individuais.
No ensino participativo, deixar a postura passiva e ser protagonista da construção de seu aprendizado constitui por si só uma quebra de paradigma ao próprio aluno e uma enorme exposição de si.
Romper com a lógica da transferência de saber e das relações hierarquizadas — o docente sabe; os alunos, não —, tendo por pressuposto o/a estudante como centro do processo de aprendizagem, envolve vários fatores: a diversidade, sem dúvida, é um deles.
Considerar as experiências prévias e singularidades de cada pessoa na construção de conhecimento envolve lidar com diferenças de gênero, raça, personalidade, extrato social, formação cultural, etária, histórico de vida, dentre outras. Lidar com todos esses fatores pode ser altamente positivo; porém, tradicionalmente, temos a ideia de que uma turma homogênea ou nivelada torna as pessoas mais aptas a aprender ou avançar num determinado conteúdo.
Na prática, quando adotamos essa postura, invisibilizamos a diversidade, desconsiderando o que há de único em cada pessoa e suas contribuições, principalmente quando optamos por aulas exclusivamente expositivas e centradas no professor.
Quando, em sala de aula, reconhecemos e acolhemos essa multiplicidade de experiências e histórias de vida, elas podem se complementar e resultar numa aprendizagem mais completa e significativa. Assim, promover a diversidade envolve necessariamente reconhecê-la e valorizá-la. Somente a partir disso é possível criar um ambiente de troca entre os/as estudantes, onde possam aprender uns/umas com os/as outros(as) e vivenciar um ensino de fato participativo.
Para tanto, um dos pressupostos é construir um ambiente seguro e acolhedor a todos e todas, a fim de que se sintam parte do grupo e estejam encorajados(as) para se abrir, compartilhar suas experiências e acolher as dos colegas — ou seja, relacionar-se verdadeiramente com o outro, estabelecendo vínculos afetivos que os(as) levarão ao desenvolvimento de múltiplas competências.
Mas não basta somente admitir e trazer as diferenças à tona. É preciso conduzí-las estrategicamente em prol de um ensino crítico e transformador, considerando que há atitudes que foram socialmente normalizadas e podem ser trabalhadas e desconstruídas, como: pessoas que costumam dominar as discussões e outras que raramente conseguem expor suas opiniões e comentários; ou comportamentos machistas, que invalidam a fala de mulheres; entre outras atitudes não conscientes.
Outro aspecto é a adequação do próprio conteúdo às características da turma, pois não considerar diferenças sociais, regionais e culturais pode tornar o processo de aprendizado sem aderência à realidade do/a estudante. Não podemos esquecer que a sala de aula, esse momento do encontro, precisa fazer sentido para todos(as).
Uma boa forma de lidar com as diferenças, ao iniciar um curso ou uma aula, é estabelecer regras ou combinados com a turma. Os combinados deverão partir das características do grupo e podem ser realizados ainda que na modalidade virtual. Listamos algumas técnicas que usamos para promover um ambiente mais seguro e encorajador, que podem te ajudar nessa tarefa. Elas são inspiradas no trabalho do Núcleo de Direito, Discriminação e Diversidade da Faculdade de Direito da USP.
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a) Tratar colegas pelo nome e pronome corretos. Pronunciá-los corretamente e não fazer inferências para se referir à determinada pessoa até que ela revele sua identidade de gênero.
b) Organizar os debates a partir da contagem de dedos. A primeira pessoa a levantar a mão para falar usa um dedo; a segunda, atenta que há outra com a mão levantada, indica com dois dedos que está na fila, e assim sucessivamente. Essa contagem também pode ser feita na modalidade virtual por meio de sequência numérica no chat se não for possível visualizar todos os participantes.
c) Fura-fila. Quem fala menos durante os debates tem direito de furar a fila quando quiser expor sua opinião.
d) Para frente/para trás. Estudantes que tendem a ser mais participativas(os) devem ouvir e dar espaço àquelas(es) que tendem a participar menos.
e) Telefone sem fio. Todas as pessoas tentarão verdadeiramente se referir a algo que foi dito pela pessoa que falou anteriormente, buscando praticar a escuta ativa e levar seus argumentos a sério, a fim de promover um debate mais efetivo e permitir que todas(o)s sejam e se sintam ouvidas(os).
f) Feedbacks construtivos. Iniciar a crítica com um ponto positivo, sendo específico, referindo-se a comportamentos que podem ser mudados e oferecendo alternativas. É importante deixar claro que é a sua percepção pessoal, consciente de que o outro pode não concordar.
Acreditamos que esses sejam apenas alguns dos primeiros passos que podemos implementar de imediato numa aula participativa.
Somente com uma prática pautada nesses pressupostos é que construiremos, não apenas uma sala de aula que faz sentido, mas uma sociedade inclusiva, humanizada, antidiscriminatória e baseada em valores, não mais em poderes.
Construir um ambiente encorajador a todos é promover um ensino participativo. E isso envolve diretamente nós, docentes, que devemos agir de forma intencional para incentivar a diversidade, nos responsabilizando pela promoção desse espaço, incentivando o que há de mais rico e singular em cada estudante.
*Marina Feferbaum é coordenadora do Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação (CEPI) e da área de metodologia de ensino da FGV Direito SP, onde também é professora dos programas de graduação e pós-graduação.
**Jana Maria Brito é professora de programas de pós-graduação; advogada; Cofundadora do Petit Comité de Recherche, consultoria de pesquisa e ensino, com empatia.
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