Sua instituição de ensino não precisa ser Harvard ou a Universidade de Coimbra para prosperar. Especialista em inovação traça alguns caminhos
Foto: Envato ElementsEscrevi recentemente o artigo Antes de melhorar, vai piorar, e, de fato, estamos em um ambiente de crise intensa. Leio em veículos como Times Higher Education e The Chronicle Higher Education análises que demonstram que a crise está não somente no Brasil, mas também nos Estados Unidos, na Inglaterra, na Austrália, no México e em outros países. Saber que o ensino superior passa por problemas mundiais conforta? Não. Aliás, podemos ter um aumento da ansiedade e da desesperança com a educação.
Mas não podemos olhar o copo apenas com a metade vazia, é preciso olhar também a outra metade cheia.
A parte vazia nos dá a sensação de que o sistema pode ir à bancarrota, de que haverá um fechamento generalizado de IES, de que os grupos educacionais vão definitivamente dominar o mercado educacional, especialmente aqueles que utilizam estratégias de guerra de preço, porque possuem condições financeiras para “bancar o negócio” em um ambiente de crise econômica e de baixa captação.
Rebecca Natow, estudiosa de política e liderança no ensino superior, escreveu recentemente, no The Chronicle, o artigo Why haven´t more college closet? [Por que não fecharam mais faculdades?, em tradução livre]. A autora retoma diferentes prognósticos de fechamento de IES nos Estados Unidos, realizados por consultorias, jornalistas e especialistas em ensino superior, que não se confirmaram.
Havia uma previsão de fechamento de 500 a 1.000 IES. Rebecca indica que o fechamento não irá ultrapassar 100 instituições, em um sistema que, em 2017, tinha 4.313 IES. O artigo traz um dado interessante. Mesmo na grande depressão de 1929, aproximadamente 2% das IES encerraram suas atividades nos Estados Unidos.
No Brasil, não temos dados oficiais, mas se considerarmos os pedidos de fechamento de mantenedoras solicitados no Conselho Nacional de Educação (CNE), em 2020, foram de aproximadamente 74 processos voluntários, o que representa 4%, do sistema. Por que as previsões de crise generalizada não se confirmaram até o momento? Provavelmente, porque muitas IES possuem raízes em suas cidades e regiões.
Eu e o Rodrigo Capelato, colaborador nesse texto, temos a honra de estarmos vinculados ao Centro de Estudos Interdisciplinares da Universidade de Coimbra, orientado pelo professor António Rochette. E eu tive o prazer de acompanhar a adesão da universidade no Consórcio Sthem Brasil. A instituição nasceu em 1290, portanto, tem 731 anos. O Brasil ainda não tinha sido “descoberto” e ela já existia.
A universidade resistiu a pandemias, guerras, ditaduras, crises financeiras e disputas políticas internas.
A Universidade de Coimbra é um exemplo de capacidade de resistência, especialmente porque oferece ensino superior no sentido clássico, pautado na ciência, na discussão de ideias, na formação humana, entre outras características. A Universidade Harvard é de 1636; a Universidade de Cambridge é de 1209; a de Bolonha de 1088, e é possível citar tantas outras. Todas são seculares e referências em ensino superior.
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O leitor pode estar pensando, o Fábio Reis está confundindo alhos com bugalhos. Não, eu sei que a história dessas universidades tem suas peculiaridades, sei que há investimento público, que há muita doação da iniciativa privada e que há muita cooperação com o setor produtivo. Por outro lado, também sei que essas instituições não abdicaram dos valores fundamentais do ensino superior.
Essas universidades vão prosperar por mais séculos, pelo prestígio, pela história, pela capacidade de produzir conhecimento e ciência e pela formação de pessoas que influenciam as políticas públicas nas diversas dimensões do conhecimento.
E as pequenas e médias IES brasileiras, que não são Harvard ou Universidade de Coimbra, vão sobreviver? A minha resposta é sim. Mas é importante que elas ofereçam ensino superior efetivo, que entendam de educação, continuem formando cidadãos e sigam a recomendação da Rebecca Natow: “Permaneçam fiéis às missões importantes de centrar o aprendizado nos alunos, produzir pesquisa valiosas e servir habilmente às suas comunidades”.
As recomendações acima podem parecer “românticas”. Vamos então fazer sugestões simples e pragmáticas:
Faço alguns comentários sobre as sugestões acima. Ensino superior não é um curso livre ou cursinho para preparação para concursos da OAB ou avaliações como Enade. As IES devem focar nessas avaliações, mas não podem ser reduzidas a cursos preparatórios. É lógico que precisamos formar pessoas para o mercado, mas isso não é o único pilar que sustenta o ensino superior.
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Nós, que atuamos no ensino superior, ficamos encantados com a escola 42, instituição que nasceu nos Estados Unidos, focada em formar programadores. A escola não utiliza professores. Os desavisados podem achar que a 42 pode ser referência para as nossas IES, e que então é possível funcionar sem professores, ou com poucos docentes. Os desavisados podem gostar do modelo porque visualizam a diminuição dos custos, mas o ensino superior supõe professores bem preparados. Podemos até utilizar chatbote outras formas de inteligência artificial, mas não substituiremos os docentes. A 42 não é uma instituição de ensino superior. Ela é basicamente uma escola que oferece cursos livres.
O leitor também pode achar que até o momento este texto está reativo às inovações. A contra argumentação poder ser que nosso modelo de IES está falido, o ensino superior como conhecemos morreu, por isso a 42 pode ser um modelo para o sistema.
Primeiramente, eu não me sinto reativo. E, de fato, é preciso reinventar o modelo de IES, é preciso reconstruir nossas instituições, mas isso não significa confundir cursos livres, de curta ou longa duração, com ensino superior.
A IES pode aceitar a carga horária ou os créditos dos cursos livres, pode e deve oferecer certificação intermediária ou nano degrees, pode instigar a autonomia do estudante, como faz a 42, mas é preciso reconhecer que são concepções e funcionamento diferentes. O fato é que a 42 é fruto de uma atitude empreendedora e inovadora, e as nossas IES, de modo geral, não possuem uma cultura da inovação capaz de fazer transformações ágeis.
Utilize o exemplo da escola 42 no que for possível em sua IES, mas com sabedoria. Caso contrário, recomendo que descontinue sua IES e funde uma instituição de educação com formação livre.
Tenho restrições a inovações no ensino superior sem lastro e sem vínculo com o seu significado, conduzidos por populistas da inovação (muito discurso e pouca prática) ou inovadores do apocalipse (que possuem uma única saída – geralmente a deles – ou que defendem: façam isso ou aquilo ou morram).
Nos últimos dias, tenho conversado com muitas pessoas. Conversei com um mantenedor de uma IES de pequeno porte da Baixada Santista. Ele está sintonizado com as boas práticas do ensino superior, fez cortes drásticos na instituição, busca participar de redes de cooperação e tem convicção de que sua IES irá sobreviver. Ele está certo. Tenho observado e conversado também com um mantenedor do Rio de Janeiro que implementou uma gestão pautada em indicadores, investiu em pessoas qualificadas, fortaleceu práticas empreendedoras e currículos inovadores. É isso. Há IES que buscaram soluções e encontraram um caminho viável para a prosperidade.
Sua IES não precisa ser Harvard ou a Universidade de Coimbra. Sua IES irá prosperar se você investir em educação, em gestão, em diálogo com os jovens, em capacitação dos professores, em pessoas e em redes de cooperação. Essa é a fórmula infalível para o sucesso? Não é. Mas é um caminho possível.
Faça ensino superior da melhor forma possível. Somente assim você estará valorizando a formação que a sua IES oferece e poderá ter vida longa, mesmo que enfrente crise.
*Fábio Reis é diretor de inovação e redes do Semesp.
*Colaboração de Rodrigo Capelato, diretor executivo do Semesp.
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Por: | 24/03/2021