NOTÍCIA
O ensino fragmentado em disciplinas está perdendo força nas instituições de ensino. Para melhorar a qualificação dos egressos, a tendência é trabalhar o desenvolvimento de competências profissionais e socioemocionais
Publicado em 30/05/2018
“O Antônio é um excelente especialista e conhece muito bem o assunto. O problema é que ninguém entende o que ele fala.” “O João é muito comunicativo e trabalha muito bem em equipe. Mas tecnicamente, ele é fraco.” “A Ana poderia liderar qualquer equipe se dependesse de seus conhecimentos.” Porém, ela é inflexível e não se dá bem com ninguém”. Todo mundo já ouviu frases do tipo na escola ou no ambiente de trabalho. Elas são recorrentes e mostram a importância das habilidades socioemocionais, que hoje são reconhecidamente tão importantes quanto as habilidades técnicas. As primeiras, contudo, não são formalmente ensinadas de maneira geral. Ou pelo menos, não eram.
Muitas instituições de ensino superior já perceberam que elas precisam ser trabalhadas, de forma transversal ou direta, considerando que os egressos terão de assumir responsabilidades, gerenciar equipes, se comunicar de forma efetiva e tomar decisões.
É nesse contexto que se insere uma forte tendência na área educacional: o ensino modular ou ensino por competências, estas entendidas como a capacidade de agir com eficácia em uma situação, através da mobilização e combinação de conhecimentos, habilidades e atitudes. As habilidades, por seu turno, são definidas como a capacidade de empregar o conhecimento em determinado fim por meio de determinadas técnicas.
Definições à parte, o ensino por competências se opõe ao ensino por disciplinas, pois seu foco não é o conteúdo puro, mas sim a combinação de conhecimento, habilidades e atitudes necessárias para executar uma determinada ação ou compreender um determinado sistema. Nesse modelo, em vez de ter aulas desconexas sobre direito, administração e marketing – um modelo onde as disciplinas têm um fim em si e o conhecimento é passado de forma enciclopédica – , os alunos aprendem a montar uma empresa. Conteúdos dessas mesmas disciplinas são trabalhados, mas de forma totalmente diferente.
Nas páginas a seguir, selecionamos casos de instituições que estão trabalhando com esse modelo, algumas em um estágio mais avançado, outras em fase inicial. De maneira geral, todas relatam o desafio envolvido na desconstrução da matriz curricular tradicional, um esforço que envolve semanas de trabalho e muitas reflexões sobre as competências que desejam trabalhar.
Uma parte dessa definição está nas próprias Diretrizes Curriculares Nacionais, que falam expressamente em “competências”, como ressalta Maitê Russo, gerente de Inovação Pedagógica do Centro Universitário Celso Lisboa, do Rio de Janeiro. A outra parte depende do perfil de egresso que a instituição deseja formar e das demandas de um mercado em transformação.
Elas também variam conforme o curso e, retomando as considerações iniciais desta reportagem, envolvem trabalhar algumas atitudes importantes para o exercício daquela profissão e, de maneira geral, para o exercício da cidadania plena.
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A releitura do currículo não é o único desafio, que, aliás, são numerosos. Habituados a trabalhar sozinhos, grande parte dos professores tem dificuldade para planejar e dar aulas em equipe. O uso intensivo de metodologias ativas de aprendizagem – fundamentais para o cultivo de algumas atitudes e para a aplicação prática do conhecimento – também esbarra na figura do “professor dono do conhecimento”.
Treinamentos superficiais nem sempre são suficientes, como relatam Maitê e Sílvio Petroli Neto, gestor da área de Inovação Acadêmica do Centro Universitário de Jaguariúna (Unifaj). Ambos contam que tiveram de refazer a estratégia de capacitação dos educadores depois de verem os primeiros esforços frustrados.
Fazer o aluno entender o novo modelo também não é fácil. Algumas instituições preferem apresentar detalhadamente a metodologia inovadora depois que o aluno já está matriculado, decisões tomadas pela Unifaj e pelo Centro Universitário Braz Cubas.
“Pelo histórico, os ingressantes chegam com outra expectativa em relação ao ensino. Eles passaram praticamente 12 anos ouvindo os professores falar. Mas a experiência que propomos é totalmente diferente e eles precisam de um tempo para entender e se adaptar”, afirma José Carlos Pacheco Coimbra, pró-reitor acadêmico da Unifaj.
Apesar do receio, a recepção dos modelos é boa, garantem os gestores acadêmicos. Na Braz Cubas, houve até o caso de um aluno que decidiu recomeçar o curso para participar do novo modelo. As turmas já iniciadas permanecem inalteradas.
Como são trabalhados conhecimentos, habilidades e atitudes, a avaliação também muda para abarcar esses aspectos. Algumas instituições adotam maior rigor em relação à evolução do aluno nessas três frentes, enquanto outras seguem a linha do acompanhamento e da orientação. Todos os casos, porém, mostram a preocupação com os aspectos não técnicos da formação. Ao que tudo indica, os aspectos comportamentais ganharam relevância nos projetos pedagógicos das instituições de ensino – e isso só deve crescer.
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