NOTÍCIA

Ensino edição 222

“Aprender é uma decisão do aluno”

Para Manolita Correia Lima, da ESPM, o principal desafio da docência hoje é despertar no estudante a motivação para adquirir novos conhecimentos

Publicado em 20/09/2017

por Jose Eduardo Coutelle

manolita Manolita Correia Lima: Não se faz em meia hora o planejamento de uma aula motivadora

Manolita Correia Lima: Não se faz em meia hora o planejamento de uma aula motivadora

Grande parte dos professores que dão aula em cursos de graduação e pós-graduação tiveram como único percurso formativo os programas de mestrado e doutorado. As competências que mais trabalharam em seus últimos anos de estudo, portanto, foram as relacionadas à realização de pesquisa, algo sem dúvida importante, mas não suficiente para orquestrar um bom plano de aula e despertar no aluno a motivação para aprender. Essa é a análise de Manolita Correia Lima sobre a qualificação do corpo docente.

Doutora em educação pela Universidade de São Paulo e atualmente coordenadora do Núcleo de Inovação Pedagógica da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), a professora está à frente do recém-lançado curso “Inovação na educação superior: uma nova prática docente para a aprendizagem”. Com 160 horas e ofertado no formato a distância, o programa visa aproximar os atuais docentes das práticas mais modernas em educação.

Em uma entrevista descontraída, Manolita não fugiu das respostas e apontou sua visão sobre o papel dos professores nos dias de hoje e a utilização das cada vez mais populares metodologias ativas no processo de aprendizagem. Ela ainda comentou os principais desafios da docência, algumas práticas como desenvolvimento de planos de aula e avaliações e as tendências para o futuro da educação superior. Veja a seguir a entrevista completa:

O modelo tradicional de ensino, baseado na explanação de conteúdos pelo professor, está com os dias contados?
Essa é uma pergunta difícil de responder. Estaríamos generalizando uma realidade que acredito não ser generalizável. Há diferentes perfis de instituições, de estudantes e de professores. Mas diria que estamos caminhando para alguma coisa que seja mista. O momento expositivo de uma atividade sempre vai existir, principalmente em sua abertura e fechamento. Esse momento é quando o professor precisa colocar os objetivos, situar os autores e os conceitos para iniciar uma atividade orientada. Porém, tendemos a reduzir significativamente a exposição do professor, ou seja, a ênfase no conteúdo.

Como a senhora analisa a atual formação dos professores do ensino superior?
É um pouco antipático colocar isso, mas diria que a formação dos professores está predominantemente associada à realização de mestrado e doutorado. Aliás, é isso que diz a lei. Observamos que essa formação está muito associada ao desenvolvimento de competências de pesquisa, o que é importante para a docência, mas não suficiente. E essa insuficiência tem se revelado de forma mais declarada porque o jovem está mais próximo da informação. Ele já vem com acesso a um conjunto de dados, só não sabe muito bem o que fazer com eles. Muitas vezes ocorre de o professor definir uma bibliografia e o estudante ler, mas não aquilo que o professor indicou. A grande dificuldade é que os professores, apesar de terem boa formação acadêmica, não têm formação pedagógica para lidar com esse estudante que vem com interesses difusos.

A ementa do curso menciona a necessidade de um letramento digital para os professores. A senhora percebe neles um tipo de analfabetismo digital?
Existem professores com muita dificuldade para manusear tecnologias e, entre estes, é normal que ocorram erros nas primeiras tentativas de uso de uma nova ferramenta. O professor pode baixar a guarda, dizer que está testando e pedir ajuda, mas os tradicionais não se permitem isso. Eles querem ser reconhecidos como ‘o professor’ e não como alguém que está testando algo. Acho também que a questão geracional influencia. O professor mais jovem está mais disposto a desenvolver laboratórios em sala de aula. Outro perfil que funciona bem é o dos professores consultores de empresa. Agora, os acadêmicos bem puros resistem. Para eles, existe apenas um modo de dar aula.

Então há professores que dificilmente se adequarão ao novo modelo de ensino?
Não vou dizer que é impossível, mas a situação demanda uma mudança de cultura. E por isso o professor precisa estar aprendendo sempre, até porque essas linguagens vão mudando. O estudante de hoje é muito afeito a múltiplas linguagens. Na minha bibliografia, indico entrevistas, vídeos, artigos, capítulos e livros. Digo apenas para escolherem. Porque o combustível da escolha é o interesse do aluno. O professor tem de dar um cardápio e tem de seduzir. Para haver diálogo é preciso preparar uma boa aula e oferecer um mapa de leitura. A rigor, sempre tivemos salas de aula heterogêneas. Só que sempre desconsideramos isso, porque a referência que tínhamos era a de nós mesmos. Então, o estudante tinha de aprender do jeito que eu aprendi.

Qual é o principal desafio da docência?
É criar as condições para o estudante aprender. Aprender é uma decisão do aluno. Eu não posso obrigá-lo a aprender. A única coisa que posso fazer é criar condições que favoreçam a aprendizagem. É fazer uma proposta interessante e coletiva, usando recursos variados, mantendo um diálogo qualificado com o aluno. Isso não é fácil. Nesse aspecto, imagine o ‘professor taxista’. Como ele consegue fazer isso? Porque o planejamento de uma aula motivadora não se faz em meia hora. Não adianta requentar do semestre passado, porque não vai dar certo. Os estudantes se comunicam e percebem que o professor está dando a mesma aula.

Mas a realidade da docência é muito variada. Existem escolas que oferecem condições para o professor trabalhar de forma mais artesanal, orientando-se pela aprendizagem. Entretanto, há instituições que estão pautadas no ensino. Elas vão dar condições de o professor ensinar, independentemente se aquilo leva o estudante a aprender.

Com relação ao ensino a distância e híbrido, como a senhora avalia os professores dessas modalidades?
Existem muitas iniciativas para formar esse professor com capacidade de trabalhar com a linguagem digital. Mas, para a demanda que temos, isso ainda é pouco. O que mais observamos são os vícios do curso presencial levados para o curso a distância. O planejamento de aula e as atividades são diferentes. A organização de fóruns é algo que o professor não está habituado a fazer. O ensino a distância ainda carece de formação de professores que se adaptem aos desafios desse formato. Mas arriscaria dizer que o professor formado na linguagem digital se adapta melhor ao ensino híbrido do que o contrário. O desafio do ensino tradicional é o aluno assimilar um planejamento bem feito.

Por incrível que pareça, temos muitos professores com dificuldade de planejar uma disciplina e a própria aula. Essa pedagogia ativa pressupõe que o docente planeje ‘atividades’, no plural. Que comece com um objetivo, desenvolva as atividades, inclusive cronometrando tempo, e avalie o resultado. Isso pressupõe um planejamento refinado, e o professor não está habituado a fazer isso. Só que no modelo a distância, ele tem de fazer.

Existem evidências que apontem a efetividade das metodologias ativas?
Posso dizer muitas coisas a partir dessa questão. Em primeiro lugar, toda essa cultura que chamamos de metodologia ativa, no meu recuo de leitura, está ligada a Kant. Ele já falava disso, inclusive usando a nomenclatura ‘aprendizagem ativa’. Não há nada de novo. Então a pergunta que se faz é: ‘se na fase do Iluminismo a gente já conseguiu colocar essa questão no radar, por que ela se perdeu em algum momento?’. A resposta é que foi preciso massificar. Desenvolver pedagogia ativa sem os recursos tecnológicos para uma turma de 100 estudantes seria impossível. Esse espaço de tempo foi necessário porque a sociedade veio de uma formação de elite.

Depois passou pelo que chamamos de ‘Educação 2.0’, em que se precisava de um trabalhador para a indústria com algumas destrezas. Hoje percebemos que o próprio funcionamento do trabalho se modificou. Ele exige competências que o ensino tradicional não desenvolve. Uma delas é autonomia. Percebemos que as aulas expositivas não dão mais conta para desenvolver essas competências.

Na minha visão, diria que a principal tendência é o ensino híbrido. Ele une a questão presencial, que traz a emoção e as relações interpessoais, a toda essa parafernália tecnológica que ajuda o aluno a ter certa autonomia e seus interesses respeitados.

Essas metodologias são aplicáveis a todos os tipos de cursos?
É muito comum ouvir alguns professores justificarem que são de áreas exatas ou que suas disciplinas são muito teóricas e que por isso não são afeitas a essas práticas. O que posso dizer é que quando as metodologias ativas começaram a pipocar, vieram muitos exemplos, sobretudo, das áreas de engenharia e física, portanto das exatas, e da medicina. O grande incômodo era que os cursos estavam perdendo estudantes. E a evasão custa muito caro aos cofres públicos e às famílias. Muitas das atuais iniciativas foram desenvolvidas para manter o estudante comprometido com as aulas e concluir o curso. Então essa justificativa não é plausível.

E como o professor deve fazer para escolher a metodologia certa para sua aula?
O que temos tentado disseminar é a importância de o professor desenvolver uma maleta pedagógica. A partir do momento em que ele tem um cardápio de possibilidades, vai decidir o que cabe melhor à disciplina, que é oferecida em determinado semestre para certo número de estudantes e com competências específicas para desenvolver. Não há prescrição. Mas há instituições que adotaram apenas um método. Não somos favoráveis a isso porque temos estudantes diferentes em sala.

Plano de ensino e aprendizagem e plano de aula são dois pontos trabalhados no novo curso. O que é importante para o professor formar bons planos?
O plano de partida e de chegada é sempre a definição dos objetivos. E você não imagina o quanto isso não é evidente. É preciso considerar as variáveis do projeto pedagógico e o que cabe na disciplina. Depois, já com uma turma formada, o professor deve definir esses objetivos em grau de complexidade. Todo o restante é consequência disso.

É preciso ensinar os professores a planejar uma disciplina, definir os objetivos e fazer as adequações. Por exemplo, quais conteúdos são necessários para alcançar tal objetivo? Como trabalhar os conteúdos? Como fazer avaliações regulares e oferecer feedback? O que fazer com este feedback? Como construir as sequências? E no final, como apontar para o estudante o quanto alcançou deste objetivo? Existe essa circularidade. E quando se planeja cada aula, todas têm um objetivo derivado.

E como funciona a avaliação nesse modelo?
A avaliação tem de ser em processo. Se todas as aulas são planejadas, o professor tem o objetivo, o conteúdo, as atividades e as avaliações, Neste processo, o estudante tem a oportunidade de se autorregular. Quando se faz uma avaliação em processo, a primeira vantagem é que o docente consegue fazer adaptações mais refinadas no planejamento.

Segundo: o professor está realmente mostrando para o estudante que o seu interesse é garantir ou ajudar potencialmente na aprendizagem dele. O resultado da avaliação é consequência. Ainda assim há instituições que obrigam o professor a aplicar uma prova.

Autor

Jose Eduardo Coutelle


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