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Ensino Médio

A ciência do surfe

Entender o mecanismo de formação da onda e todas suas múltiplas possibilidades revela uma das principais forças da natureza no planeta

Publicado em 30/01/2015

por Luciano Velleda

Gabriel Medina desce onda na praia de Pipeline durante participação no WCT

No ano da tão esperada Copa do Mundo de futebol no Brasil, o esportista que encerrou o ano coberto de glória não foi nenhum atacante badalado. Quem se deu bem mesmo foi Gabriel Medina ao alcançar o inédito feito de sagrar-se o primeiro surfista brasileiro campeão mundial do World Championship Tour (WCT), o mais renomado de todos os campeonatos de surfe. Com ampla repercussão na mídia, o título do jovem de 20 anos deu visibilidade a esta antiga brincadeira de criança transformada em profissão séria: a arte de deslizar em pé sobre a onda.

As reportagens sobre a façanha de Medina, sua origem no litoral norte de São Paulo, os primeiros campeonatos e vitórias, estiveram sempre ilustradas por algumas das mais perfeitas e poderosas ondas do planeta, como Teahupoo e Pipeline – a mítica onda havaiana em que o surfista brasileiro conquistou o troféu e entrou para a história.

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Entender a formação das ondas que alcançam as praias mundo afora e as inúmeras particularidades definidoras de sua força e beleza é entender um complexo fenômeno oceânico envolvendo física e geografia. Um fenômeno frequentemente originado a milhares de distância da costa, que viaja e ganha potência até se dissipar e se esparramar na beira da praia.

Vento, o começo de tudo

As tempestades que se formam lá longe, no meio do oceano, são a força vital formadora da maioria das ondas do mar – exceção às ondas causadas por terremoto e tsunami. Ao soprar sobre a superfície do mar, uma colisão de partículas inicia um processo de transferência de energia do ar para a água. Pequenas deformações, chamadas de ondas capilares, deixam então a superfície do mar encrespada.

Se o vento continuar soprando, surgem as pequenas ondas de gravidade, cuja parte mais elevada é chamada de crista. A força do vento, o tempo em que ele atinge a superfície do mar e a área da superfície que ele abrange são os primeiros fatores determinantes na formação da onda. Conforme essa transferência de energia do ar para o mar prossegue, as ondas ganham altura e em pouco tempo constituem-se num conjunto de ondas denominado de espectro.

A equação intensidade x duração x extensão do vento definirá a forma e a característica do espectro; quanto maior a velocidade do vento, maiores serão as ondas; e para tornar-se estável, o espectro precisa que o vento sopre sobre uma área maior que mil quilômetros de comprimento. Quando as ondas estão formadas e se propagando pela superfície do mar, elas então escapam da zona de geração – uma zona ainda caracterizada por um mar mexido e desorganizado. Para além da zona de geração, as ondas com menor comprimento se dissipam e as maiores, seguem sua jornada.

Ondulação ou swell

Ao saírem da zona de formação, as ondas mantêm sua trajetória mesmo fora da área de ação do vento, quando passam a ser denominadas de ondulação ou swell – palavra quase mágica no universo do surfe por indicar a aproximação das ondas à praia. Um componente importante do swell é o período, o intervalo de tempo entre uma onda e outra. Um período curto, de 7 ou 8 segundos, por exemplo, não gera boas ondas ou não possui energia suficiente para viajar longos quilômetros até a costa. Conforme o período aumenta, as ondas tendem a alinhar-se e formar-se melhor. Assim, períodos entre 10 e 12 segundos, ou mais, tendem a ser melhores.

À medida que a onda avança, outras variáveis influenciam em sua velocidade, como a profundidade do mar e o comprimento da onda. Quanto maior for a profundidade, maior será a velocidade de propagação, e quanto maior o comprimento da onda, igualmente maior sua velocidade. Conforme a onda se aproxima da costa, a combinação de todas estas possibilidades será determinante na sua derradeira formação até o momento em que ela arrebenta na praia.

Os tipos de fundo do mar

Após viajar centenas de quilômetros, a ondulação começa a chegar à praia passando por alterações em sua geometria. Esta alteração se inicia a partir do momento em que a onda começa a sentir o fundo do mar. Quando isto acontece, a parte de baixo da onda se choca com o fundo e o atrito decorrente faz com que a parte de cima se desloque mais rápido; como consequência, a onda ganha altura e a crista “empina”.

É nesta chegada do swell à praia que ocorre também a refração da onda – conforme o ângulo em que o swell atinge a costa, as partes da onda que primeiro colidem com o fundo vão diminuindo paulatinamente a sua velocidade, fazendo com que de um modo contínuo a linha da onda vá se curvando. Na prática, o que podemos observar, principalmente se olharmos do alto, são as ondas incidindo na praia numa direção quase perpendicular e arrebentando de um modo quase paralelo à costa.

O tipo de fundo do mar é outro fator determinante para a formação da onda. O fundo pode ser de areia, de pedra ou de coral. Ondas que quebram quando atingem bancos de areia são as mais comuns no Brasil. Em função de os fundos serem muito maleáveis, a formação da onda tende a mudar constantemente, podendo variar de muito boa a ruim. Por outro lado, dependendo das correntes e da geografia local, algumas bancadas de areia conseguem quase se manter “fixas”, facilitando a formação de boas ondas.

O fundo de pedra, por sua vez, é uma formação rochosa mais acentuada, fixa, sem se alterar independentemente da ação do vento ou das correntes, geralmente localizada próxima a encostas ou promontórios. Se a ondulação entrar no ângulo certo, e dependendo de como as pedras estão dispostas no fundo do mar, ondas longas e tubulares podem ser formadas a partir deste choque. Por fim há o fundo de coral, responsável pelas incríveis ondas tubulares e perfeitas que costumam ser vistas em fotos e filmes de surfe. São ondas tão atraentes quanto perigosas, justamente por quebrarem sobre uma fina camada d’água, também sempre fixa, que recobre afiados conjuntos de corais e pedras. Em determinadas condições, elas podem atingir alturas superiores a 20 metros (veja no infográfico).

Vento, o fim da jornada

O vento volta a ser decisivo no instante em que a onda quebra. Via de regra, o vento que sopra da terra para o mar, chamado de terral, é o único que de fato colabora para deixá-la mais “empinada” e retardando sua quebra conforme sopre na face frontal da onda. Outros ventos tendem a atrapalhar, deixando o mar mexido e disforme, ou ainda agindo para abaixar a crista da onda, como é o caso do vento maral, que sopra do mar.

É toda essa extensa rede de conexões e inúmeras possibilidades, desde a origem até o momento em que o swell atinge a costa, que faz com que o resultado seja uma onda de formas perfeitas ou não. Por isto é fundamental compreender a geografia da praia, a direção do swell, o sentido do vento e o tipo de fundo para conhecer que tipo de onda poderá aparecer por ali. E são estas múltiplas variáveis da natureza, alheias à vontade do homem, que provavelmente fazem da brincadeira de criança de Gabriel Medina um esporte tão bonito de ser visto, e da onda, tão bonita de ser admirada.

Autor

Luciano Velleda


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