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ESPECIAL MULHERES NO ENSINO SUPERIOR | Edição 196 Brasil forma mais mulheres que homens na graduação, mestrado e doutorado, mas ainda enfrenta desigualdades no mercado de trabalho, especialmente em cargos de gestão por Cristina Morgato Elas sempre cuidaram da casa, do marido e dos filhos. […]
Publicado em 24/03/2015
ESPECIAL MULHERES NO ENSINO SUPERIOR | Edição 196
Brasil forma mais mulheres que homens na graduação, mestrado e doutorado, mas ainda enfrenta desigualdades no mercado de trabalho, especialmente em cargos de gestão
por Cristina Morgato
Elas sempre cuidaram da casa, do marido e dos filhos. Mas, de algumas décadas pra cá, também passaram a cuidar de si mesmas e a buscar mais conhecimento e um futuro melhor, por meio dos estudos e da carreira. Praticamente nos últimos 40 anos, foram elas que mais incrementaram a chamada População Economicamente Ativa (PEA) brasileira. Enquanto a população masculina manteve seu índice de ocupação praticamente estável, de 73% a 76% entre os anos de 1976 e 2007, as mulheres tiveram ampliação surpreendente, saindo de 29% de ocupação e chegando a 53% no mesmo período, segundo o Banco de Dados sobre o Trabalho das Mulheres, da Fundação Carlos Chagas. Já, considerando um intervalo de 60 anos, entre 1950 e 2010, a PEA feminina teve uma elevação ainda mais extraordinária, passando de 2,5 milhões para 40,7 milhões de mulheres, de acordo com dados do Censo Demográfico do IBGE.
Apesar de mais inseridas no mercado de trabalho, ainda é grande o número de mulheres que trabalham sem nenhum tipo de remuneração, cuidando da casa ou de filhos, marido ou outros entes da família. No Brasil esse número chega a 30,4% e é ainda mais evidente nas áreas rurais da região Norte, onde essa porcentagem chega a 45,1%.
No ritmo do ensino
É preciso comemorar o fato de que o crescimento da participação das mulheres no mercado de trabalho, não por acaso, acompanhou o crescimento de sua escolaridade. A atividade profissional das mulheres aumenta entre as que têm mais de oito anos de estudo (o que corresponde à escolaridade obrigatória do ensino fundamental), assim como na população masculina, mas são aquelas que têm nível superior de ensino (15 anos ou mais de estudo) as mais ativas – em 2007, essa taxa era de 82%, enquanto a taxa geral de atividade feminina era de aproximadamente 50%.
Se considerarmos os estudos a partir do ensino médio, existe a prevalência das mulheres entre os mais escolarizados, situação que se estende ao ensino superior. “Muitas mulheres ainda deixam os estudos por causa de gravidez precoce ou mesmo devido aos afazeres do casamento e exigências dos maridos. Ainda assim, acredito que tenha ocorrido um crescimento do número de mulheres no ensino superior e em cargos de gestão ao longo dos anos em virtude das mudanças sociopolíticas, econômicas e culturais que ocorreram no mundo e no Brasil”, comenta Carla Witter, coordenadora do Curso de Psicologia e do Programa de Mestrado em Ciências do Envelhecimento da Universidade São Judas Tadeu. Para ela, é notório o maior acesso das mulheres ao ensino, de uma forma geral, e consequentemente essa tendência se observa no ensino superior. “Inclusive, as mulheres são, muitas vezes, mais determinadas que os homens quando resolvem estudar e, mais ainda, quando voltam a estudar após um período de recesso”, acrescenta Carla.
Em 2013, o total de mulheres matriculadas numa graduação superior, incluindo instituições públicas e privadas, chegou a 3.428.170, enquanto o número de homens matriculados foi de 2.741.154, conforme o Censo da Educação Superior. As mulheres foram ainda mais favorecidas pelo ensino a distância (EAD), que muitas vezes lhes permite conciliar os estudos com as demais tarefas domésticas e profissionais. A modalidade teve 764.525 matriculadas, contra 389.115 estudantes do sexo masculino. Em todo o Brasil, foram 4.192.695 mulheres ingressando no ensino superior em 2013.
Nas instituições de ensino superior, em todas as regiões do país as mulheres predominam entre os alunos matriculados. Conforme dados da Análise Setorial do Ensino Superior Privado, publicada pela Hoper Educação em 2014, de 2003 a 2013, a presença do público feminino na educação superior vem sendo maior que a do público masculino em todo o país. Porém, quando comparamos as porcentagens de crescimento dos homens e das mulheres separadamente durante o período, nota-se uma diferença de tendência, com as matrículas femininas crescendo menos que as masculinas. “Mesmo havendo mais mulheres matriculadas no ensino superior a porcentagem de crescimento é maior nos homens”, explica Natalia Améndola, analista de mercado da Hoper.
Quando analisamos o número de concluintes dos cursos de graduação, a diferença entre os gêneros é ainda maior. Em números absolutos, a educação superior forma mais mulheres, mas as taxas de crescimento dos concluintes também foram maiores para o público masculino (veja quadro nas páginas 36 e 37).
Desigualdade persistente
Em meio a tantos números e pesquisas, um dado curioso: à medida que avança a escolaridade, a desigualdade de rendimentos por sexo aumenta. Entre aqueles com até quatro anos de estudo, o rendimento-hora das mulheres equivale a 81% do dos homens com a mesma escolaridade. Com 12 anos ou mais de estudo, essa relação cai para 66% da remuneração.
É o que apontam dados da Síntese de Indicadores Sociais (SIS) em 2014. Segundo o estudo, o avanço da escolaridade não tem sido suficiente para romper o quadro de desigualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho. E as desigualdades de gênero no trabalho não se configuram apenas no rendimento: o acesso de mulheres a cargos gerenciais e de direção é reduzido comparativamente aos homens.
Em 2013, a proporção de mulheres de 25 anos de idade ou mais nesses cargos era 5,1%, enquanto entre os homens a proporção era 6,4%, com a menor proporção de mulheres em cargos gerenciais sendo no Nordeste.
Avanço na formação
E se a maior característica das mulheres no que diz respeito a educação é determinação, seria contraditório dizer que elas ficariam satisfeitas em concluir apenas uma graduação. Os números mostram que, bem diferente disso, as mulheres estão cada vez mais buscando se especializar e investir na carreira acadêmica, ingressando em programas de mestrado e doutorado.
Segundo a pesquisa Mestres 2012: Estudos da demografia da base técnico-científica brasileira, do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), existe um claro predomínio das mulheres na obtenção de títulos de mestrado no Brasil a partir do ano de 1998. A diferença entre a proporção de títulos concedidos para mulheres e para homens foi se ampliando a partir de 1998, atingindo um patamar que variou aproximadamente de 2% a 4% entre os anos 2000 e 2006 e, nos anos seguintes, chegou a uma diferença de 7% a mais de mulheres com mestrado do que homens. Mas, embora as mulheres sejam maioria entre os mestres, elas ainda têm remuneração muito inferior. Em 2010, elas já constituíam maioria da população de mestres residentes no Brasil, mas sua remuneração mensal média era cerca de 42% menor do que a dos homens com a mesma titulação.
O predomínio feminino entre os titulados com mestrado, porém, não está em todas as áreas do conhecimento. As mulheres predominam de maneira muito acentuada nas ciências da saúde e na linguística, letras e artes. Nestas duas grandes áreas, quase 70% dos titulados em 2009 eram mulheres. Nas grandes áreas de ciências biológicas e humanas as mulheres receberam 61% dos títulos em 2009. Já nas áreas de engenharias e ciências exatas e da terra, as mulheres representavam menos de um terço do total de titulados em 2009.
Já com relação aos títulos de doutorado, entre 1996 e 2008, obtiveram a titulação 43.228 homens e 42.424 mulheres no Brasil. O maior número de homens entre os doutores titulados no país é, no entanto, um fenômeno que terminou em 2004. Naquele ano, foram titulados em programas de doutorado 3.991 homens e 4.085 mulheres, o que levou o Brasil ao pioneirismo entre os países
que conseguiram alcançar esse marco. O dado é apontado em outro levantamento do CGEE intitulado Doutores 2010: estudos da demografia da base técnico-científica brasileira. A partir de então, em todos anos o número de mulheres tituladas tem sido superior ao de homens.
A participação das mulheres no total de titulados em programas de doutorado cresceu em todas as áreas de conhecimento, exceto na área de linguística, letras e artes, que tinha o maior percentual em 1996 (71,6%), e em 2008 caiu para 63,8% – ainda assim, permanece a taxa mais elevada entre todas as áreas escolhidas pelas mulheres.
Mas, apesar de as mulheres passarem a representar mais da metade dos titulados em programas de doutorado desde 2004, elas ainda correspondiam a um pouco menos da metade (47,7%) do total de doutores titulados no Brasil no período de 1996 a 2006 que estavam empregados em 2008.
Além disso, as mulheres com títulos de mestrado obtidos no Brasil no período de 1996 a 2006 receberam, em dezembro de 2009, remuneração média 28% menor do que a dos homens com a mesma titulação e no mesmo período. O padrão de remuneração para os doutores também varia em função do sexo masculino ou feminino. Os doutores do sexo feminino receberam no ano de 2008 uma remuneração mensal média 11% menor do que a dos doutores do sexo masculino.
Corpo docente masculino
Quando o assunto é atuar na área acadêmica como docente de ensino superior, o mercado ainda tem maioria de profissionais do sexo masculino. Segundo levantamento do Sistema de Informações do Ensino Superior Particular do Semesp (Sindata/Semesp), em 2013, eram 201.031 docentes homens para 173.652 mulheres na mesma função. Porém, em cargos técnicos ou administrativos, são encontradas mais mulheres (214.225 contra 180.191 homens). Já na gestão das instituições de ensino superior, incluindo cargos de reitoria, o predomínio também é masculino.
De acordo com Carla Witter, da São Judas, embora no corpo docente da sua instituição haja equilíbrio entre os professores, a prevalência ainda é do gênero masculino, inclusive na área da gestão. “Na Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, por exemplo, a proporção é quatro homens para uma mulher no cargo de coordenação de curso”, descreve.
Carla acredita que as mulheres têm um papel importante na educação, muitas vezes fazendo a diferença na vida de seus alunos, colegas e, principalmente, quando imprimem sua competência em cargos de coordenação. “Acredito que o mercado de trabalho tem evoluído lentamente. As mulheres continuam brigando pela equiparação de salários e chances igualitárias também na administração das empresas, sendo semelhante na área da educação”, reflete.
Áreas distintas |
Entre os cursos de graduação mais procurados pelas estudantes do sexo feminino, pedagogia se destaca, com mais de 500 mil matrículas de mulheres em 2013. Em seguida, estão alguns cursos cuja procura é mais equilibrada entre homens e mulheres, como administração e direito (primeira opção dos estudantes de sexo masculino). Em geral, mais abaixo da lista, mulheres buscam mais a área de saúde, enquanto homens preferem as engenharias.Por outro lado, no painel de controle do Programa Ciência sem Fronteiras é possível observar que, embora os homens sejam maioria entre os bolsistas (com 56,1% das 77.806 oferecidas pelo programa), há uma procura muito grande do público feminino por cursos de engenharia e demais áreas tecnológicas (seja em graduação, pós-graduação, mestrado ou doutorado com intercâmbio internacional). São 11.738 bolsistas nessa área em um total de 33.948 mulheres no programa, o que indica uma mudança no perfil das estudantes nos últimos anos. |