NOTÍCIA

Gestão

O professor virou gestor

Normalmente alçados à posição de coordenadores pedagógicos sem treinamento específico, os docentes se veem diante das incertezas e desafios da nova função

Publicado em 10/04/2013

por Cristina Morgato

Gustavo Morita
Maria de Lourdes: mesmo com experiência em sala de aula, assumir a coordenação foi um grande desafio

Professora durante 11 anos na rede pública e nove anos na rede particular, passando pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio, Maria de Lourdes Mendes Carvalho não tinha pretensão, durante sua trajetória profissional, de exercer a função de coordenadora pedagógica. Com formação universitária primeiramente em Letras, queria lecionar. Entretanto, a sua organização em sala de aula e com as funções administrativas acabou levando-a para outro caminho, o de coordenação na educação infantil da rede municipal de ensino, cargo no qual permaneceu por cinco anos. A habilidade em ouvir e mediar conflitos e a responsabilidade como educadora fizeram com que, mesmo quando migrou para a rede particular, tivesse permanecido como professora apenas por um ano nos anos finais do ensino fundamental, segmento em que logo assumiria a coordenadoria.

A trajetória de Lourdes é comum a muitos educadores: ela faz parte de um contingente comum de professores que assumem cargos de gestão por conta de suas habilidades pessoais, sem terem sido, necessariamente, preparados para isso.

“Embora me sentisse segura em relação à experiência que havia conseguido pela atuação em sala de aula e por ter conhecimentos em pedagogia, com certeza assumir o cargo de coordenação foi um grande desafio para mim”, conta Maria de Lourdes. Para ela, o cargo exige certas responsabilidades e preparo, que nem sempre são possíveis de adquirir em sala de aula. “A atuação como professor exige o domínio do conhecimento, base didática, além de preparo para lidar com pessoas no sentido de entendê-las e orientá-las, visando a construção do indivíduo completo”, explica, lembrando que o professor está focado no aluno, com o objetivo de desenvolvê-lo cognitivamente e inseri-lo na sociedade como ser atuante. “Já o coordenador tem seu olhar voltado para a atuação do professor. Como líder do grupo precisa zelar pela harmonia, autonomia, inovação, responsabilidade educacional e motivação da equipe.”
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O grande diferencial para a adaptação de Maria de Lourdes aos desafios do cargo, segundo ela, foi o suporte dado pela direção do Colégio Canello Marques, onde atua como coordenadora pedagógica do ensino médio há sete anos. “Houve apoio às novas ideias e me foi dada total autonomia para atuação”, lembra. A troca de experiência e a presença constante da direção também foram fundamentais para o início de novas demandas, segundo a coordenadora. “Os colegas também manifestaram boa receptividade e perceberam que o objetivo maior era formarmos uma grande equipe de trabalho rumo ao sucesso educacional”, comemora.

Rotina de gestão
Em teoria, a organização e a atenção à equipe, atribuições do coordenador, não são tarefas tão complexas. Mas a coordenadora conta que a adaptação à nova rotina não foi fácil. “Nosso campo de atuação muda bastante de professor para coordenador. Não dependemos apenas de cumprir nossas responsabilidades, precisamos observar diariamente se nosso grupo como um todo está engajado e se todos cumprem da melhor maneira possível o seu papel dentro da escola”, ressalta. Durante a nova rotina, também será preciso se acostumar a atender várias pessoas­ e solicitações ao mesmo tempo (o que não é nem um pouco raro na maioria das escolas). O desafio pede versatilidade e criatividade para que o profissional dê conta de atender a todas as demandas ou solucionar imprevistos dentro da rotina da escola.

Algumas características comuns podem definir tanto um bom coor­denador quanto um bom professor. Entretanto, para que um professor seja um bom coordenador, outros fatores o ajudam a ganhar o respeito do grupo: sua competência e capacidade de construir junto a eles um ambiente de intercâmbio de conhecimento e crescimento profissional. E foi esse tipo de atividade que despertou o interesse da professora Suely Nercessian Corradini, desde o início de sua carreira. “Por uma característica pessoal, sempre fui além da minha função. Tinha grande interesse em conversar com os professores e saber a respeito das turmas e conteúdos para que eu pudesse, quando houvesse necessidade de substituí-los, ter elementos para oferecer mais qualidade ao meu trabalho”, conta.

Com esse perfil, levou apenas um ano para que o Colégio Albert Sabin, escola da zona oeste de São Paulo onde atuava como professora do ensino fundamental II, a convidasse para atuar também como assistente de coordenação, atendendo alunos e substituindo professores quando necessário. Foi nesse mesmo período que a professora cursou pós-graduação em psicopedagogia e começou a ganhar mais credibilidade junto ao corpo docente e aos alunos. A oportunidade para tornar-se coordenadora pedagógica chegou dois anos e meio depois, com a saída da profissional que ocupava esse cargo no colégio e indicação dos colegas. “Durante o período em que trabalhei como assistente, comecei a me interessar pelo trabalho do coordenador de orientar professores, famílias e alunos. O desafio e novas aprendizagens me levaram a assumir essa nova função”, lembra. Assim, Suely iniciou um ciclo de 12 anos, não totalmente segura da nova função, mas com um grande diferencial: o apoio total dos professores. “Éramos uma verdadeira equipe, havia uma sinergia entre o grupo e todos estavam imbuídos do mesmo objetivo. Eu tinha a experiência da minha atuação como assistente e uma vontade muito grande de fazer dar certo.” Ao assumir a coordenação, Suely decidiu continuar investindo em sua formação acadêmica, cursando uma nova pós-graduação, um mestrado e um doutorado em Educação.

Já adaptada à rotina de coordenadora, surgiu mais um convite: o  de assumir a direção pedagógica do novo colégio que o grupo estava construindo na mesma região, o Vital Brazil.

A transição foi mais tranquila do que quando passou de professora a coordenadora. “Como coordenadora, tive de me apropriar de muitos outros saberes que não são do meu cotidiano como professora, o que me levou a um investimento mais imediato na formação continuada. Como diretora, o que senti foi uma amplitude maior das rotinas que eu tinha como coordenadora acrescida de uma atualização com relação a assuntos técnicos, administrativos, estratégicos, financeiros e legislativos.” E a diretora tinha clareza dos desafios da nova função. “Como diretora tenho uma autonomia maior. Porém, reconheço que junto da autonomia está a responsabilidade.”

Atraído por desafios
Se todo professor tivesse a oportunidade de ser um coordenador, teria outra visão e postura para estabelecer as práticas pedagógicas. É o que acredita José Vanderlei Del Boni, professor-coordenador da Escola Estadual Professor Milton da Silva Rodrigues. Para ele, há oportunidade para todos os professores que desejam mudar o rumo de sua carreira e assumir a coordenação pedagógica, basta desejar essa mudança e enfrentar os desafios da nova função. Professor de química durante 19 anos, sendo 18 na mesma unidade escolar, Vanderlei já pensava, desde 1998, em ser um professor-coordenador. Isso porque, na ocasião, a escola em que ministrava aulas foi escolhida pela diretoria regional de ensino para tornar-se uma Escola Padrão – o que ocorre com apenas duas escolas por diretoria. Na época, ele já havia concluído um curso no Grupo de Pesquisa em Educação Química (Gepeq), do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP), e estava iniciando um curso com foco em sustentabilidade na Estação Ciências. “Com a implantação da Escola Padrão, despertou em mim o interesse de ser professor-coordenador, devido aos desafios do projeto e às metas que teríamos de alcançar”, conta. Vanderlei entregou então, assim como outros colegas, sua proposta de trabalho, que foi aprovada pelo conselho de escola em 2004.

Há nove anos na função, o coor­denador conta que se sentia preparado para gerenciar o plano pedagógico da escola, além de desafiar as expectativas depositadas nele pelo grupo. Quanto à diferença nos papéis de um professor especialista e de um professor-coordenador, Vanderlei afirma que está ligada à responsabilidade e ao compromisso como gestor, o que exige que o coordenador seja dinâmico, atuante e esteja em constante formação. Em relação às mudanças na natureza do trabalho, para ele, ser gestor vai além de ser um professor que ministra aulas para suas turmas; é preciso aprender a gerenciar como um todo. “Hoje, tenho outra visão sobre a maneira como eu ministrava minhas aulas,” ressalta.

Voltar a lecionar não está nos planos de Suely. “Tenho o privilégio de começar um projeto em um momento de minha vida profissional de bastante maturidade. Porém, o mais importante é a grande afinidade que tenho com a proposta acadêmica dessa escola.”

Já Maria de Lourdes conta que sente falta de lecionar, especialmente da proximidade com o aluno. “Só quem esteve em contato direto com eles é que consegue perceber. É uma proximidade que torna prazeroso o ato de ensinar e aprender”, reflete. E para os professores que desejam trabalhar com coordenadoria, ela acrescenta que é necessário ter ciência de que sua trajetória em sala de aula lhe dará elementos primordiais para exercer o cargo de coordenador, mas o profissional deve procurar por capacitação para tornar-se apto a enfrentar as demandas intrínsecas ao cargo.

Acreditar na educação
Vanderlei garante que a adaptação à rotina de coordenador não apresentou grandes dificuldades, pois já estava acostumado a trabalhar em equipe. Além disso, o suporte do diretor e de todos os colegas de trabalho foi fundamental para que se sentisse realizado como profissional na nova função. “Busco sempre dinamizar o meu trabalho, alinhando com meus pares. Assim, o resultado sempre é muito positivo.” Ele é responsável por gerenciar o plano político-pedagógico de acordo com o currículo oficial da Secretaria   Estadual de Educação; orientar as atividades dos professores nas ATPCs; organizar as atividades de natureza interdisciplinar e multidisciplinar; participar da produção didático-pedagógica em conjunto com os professores, além de avaliar e sistematizar esses produtos.

Ele entende que sua organização e o bom relacionamento com as pessoas foram fundamentais para que assumisse o cargo na Escola Milton da Silva Rodrigues. Sem deixar de lado um ponto crucial: acreditar na educação. Segundo o diretor Osmar de Carvalho, a escola acertou na escolha do professor José Vanderlei, que assumiu a função com muita eficiência. “Quando a escola passou a ser uma unidade de ensino médio de tempo integral, com um novo modelo de ensino que pressupõe inovações em alguns componentes fundamentais da escola e do currículo, passamos a ter quatro coordenadores, sendo três PCAs (professor coordenador de área) e um PCG (professor coordenador geral)” – papel assumido por Vanderlei, devido à experiência anterior adquirida e pela excelência e dedicação à função. Atualmente, como PCG, Vanderlei trabalha em regime de dedicação plena, o que o impede de atuar também como docente. “Os momentos em que ministrei aulas foram proveitosos e importantes para minha vida profissional, pois sempre me realizei como professor, mas na função de coordenador me realizo muito mais por gerenciar e colaborar com os colegas em suas necessidades em sala de aula”, afirma.

Perfil para coordenar

Não existe receita para que um professor seja bem-sucedido em seu trabalho como coordenador pedagógico. Mas algumas características fazem parte de um perfil desejável para um profissional nessa função:

– Ter formação e competência acadêmica consistente e estar preocupado com sua atualização profissional constante;
– Experiência em sala de aula, de preferência com diferentes faixas etárias;
– Ser organizado com a rotina, solicitações e registros;
– Ter maturidade profissional para estabelecer um trabalho em equipe, dialogando e demonstrando que é um líder positivo, que estimula e incentiva as ações positivas;
– Ser criativo, versátil, inovador e buscar novas ideias;
– Ter olhar diferenciado, saber ouvir e mediar conflitos;
– Ser referência para o grupo que lidera, ter foco, seriedade e serenidade na tomada de decisões;
– Estabelecer vínculo com a equipe e a comunidade e estar aberto ao diálogo permanente;
– Ter capacidade de liderança para conseguir articular ideias sem perder a clareza de que seu trabalho se faz no diálogo entre diferentes profissionais da escola, principalmente aqueles da equipe gestora e da equipe docente;
– Estar atento para o desenvolvimento de estratégias que proporcionem o trabalho em grupos e que este fortaleça o aspecto coletivo do trabalho pedagógico.

Autor

Cristina Morgato


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