NOTÍCIA
Motivado pelo crescimento econômico local, o setor educacional privado do Nordeste expande a oferta de vagas, mas dentro dos limites dos estados: a resistência aos sistemas de ensino do Sul-Sudeste ainda é grande
Publicado em 10/04/2013
O movimento é parecido com o que ocorreu nas regiões Sul e Sudeste desde a década de 90, mas com uma característica peculiar: como os colégios locais são muito fortes na região tanto em tamanho quanto em sua cultura e método, eles têm resistido a serem vendidos a grupos externos.
“A expectativa é de que os grupos que existem hoje continuem com um crescimento consistente, mas sem a adoção de sistemas de ensino de outras regiões e com baixa probabilidade de serem adquiridos por outras instituições”, afirma Carlos Monteiro, da CM Consultoria. Afinal, no momento em que um estabelecimento é comprado, o seu método costuma ser sobreposto pelo do outro. Em um ambiente tradicional – seja de colégios reconhecidos ou de ordens religiosas -, os agentes locais querem manter as suas características.
#R#
Da capital para o interior
Na avaliação do coordenador executivo e pedagógico do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado de Pernambuco (Sinepe-PE), Francisco Ferreira Rocha, esses pontos também justificam o movimento registrado no mercado local. “É possível perceber uma expansão significativa dos estabelecimentos já reconhecidos por seus resultados no sentido capital para o interior”, diz.
Pernambuco é o estado com maior número de oferta de vagas no ensino privado básico – em 2012 foram 498.737 matrículas. Colégios que mantinham sedes apenas em Recife chegam agora a cidades do interior do estado, como Caruaru. É o caso dos colégios Contato e Atual.
“A Educação Básica privada está acompanhando a expansão econômica para além das capitais, levando o reconhecimento já conquistado para as novas localidades”, afirma Rocha. “Além desses estabelecimentos, pela própria cultura regional, as escolas confessionais também são vistas como credenciadas pela nova parcela da população que busca o ensino privado”, diz. Para ele, a tradição de enviar os filhos para estudar na capital tende a perder força com as novas opções no interior.
Entre as instituições confessionais com relevância no Nordeste há a rede Salesiana, que conta com 114 escolas espalhadas pelo país, sendo 20 unidades na região. Nos estados de Pernambuco e Ceará a presença é mais forte. No primeiro, são cinco escolas: em Recife, Jaboatão, Carpina, Gravatá e Petrolina; no Ceará, além da capital, há unidades em Aracati, Baturité e Juazeiro do Norte. Na Bahia e em Sergipe, a rede está apenas nas capitais, e no Rio Grande do Norte, em Natal e em Parnamirim.
“Há escolas com mais de um século de fundação, contudo ressaltamos as duas mais jovens: uma localizada em Salvador, fundada em 2005, e a mais nova estabelecida em 2008, na cidade de Parnamirim (RN)”, diz Valéria Rodrigues, gestora do Polo Recife da Rede Salesiana.
Crescimento vertical
No entanto, não há perspectiva de fundar novas unidades. “Pensamos efetivamente em ampliar e fortalecer os serviços nas unidades já existentes porque ainda temos algumas escolas que não atendem todo o ciclo da Educação Básica e já se mobilizam para isso”, diz a gestora.
A oferta do ensino básico completo – do infantil ao médio – não é objetivo exclusivo da rede salesiana. O movimento, chamado por alguns de verticalização, é destaque na região neste momento. Estabelecimentos que começaram oferecendo apenas cursos pré-vestibular se fortaleceram e agora aproveitam a oportunidade de mercado para desenvolver unidades nas diferentes etapas do ensino básico.
O Grupo Gênese de Ensino (GGE) fez esse caminho: surgiu como preparatório para vestibulares há 16 anos. Hoje se transformou no Colégio GGE, com unidades que incluem do ensino infantil ao médio, sem deixar de lado o pré-vestibular. De acordo com Geraldo de Faria, gerente administrativo da instituição, para o colégio chegar aos atuais cerca de sete mil alunos, do infantil ao ensino médio, em Recife, o crescimento da classe média foi essencial. E é esta base que deverá colaborar para a abertura de novas unidades nos próximos dois anos, mas no próprio estado de Pernambuco.
No Ceará, segundo estado na região em número de matriculados em ensino básico privado – 442.139 matrículas em 2012 – e reconhecido pelos altos índices de aprovação nos vestibulares mais disputados do país, é possível perceber a expansão do ensino básico privado no mesmo sentido.
Segundo Airton de Almeida Oliveira, presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino Particulares do Ceará (Sinepe-CE), além da abertura de escolas menores, o investimento no segmento na região é realizado por escolas tradicionais com a aquisição ou fusão de estabelecimentos no interior, para a abertura de unidades próprias fora da capital e/ou por meio da ampliação de vagas em Fortaleza. Mas, como ocorre em geral na região, a expansão ainda não vai além das fronteiras do estado. Colégios tradicionais como o Christus e o Farias Brito são exemplos. O primeiro conta hoje com unidades distribuídas em cinco regiões em Fortaleza. E em 2013, com a fusão do Colégio Ethos na cidade de Sobral, se expandiu para além da capital, oferecendo ensino do 6º ao 8º ano fundamental.
A também tradicional Organização Educacional Farias Brito, que ingressou em território sobralense há mais tempo (2006), oferta na cidade o ensino fundamental completo e o ensino médio. Na capital cearense, a instituição também cresce e atende ao ciclo básico completo em três regiões.
Mas, como para toda regra há uma exceção, no mercado de ensino básico privado do Nordeste existe uma instituição que em menos de uma década conseguiu ir além das fronteiras estaduais. Na verdade, a proposta é alcançar todo o território nacional. A partir da experiência do Colégio Ari de Sá Cavalcante foi criado, em 2004, o Sistema Ari de Sá (SAS) – um sistema de ensino que oferece material e método pedagógico para as escolas parceiras.
De acordo com o diretor executivo do SAS, Ari de Sá Cavalcante Neto, são mais de 75 mil alunos, de 230 escolas localizadas em 21 estados diferentes e no Distrito Federal, que estudam pelo sistema. É mais fácil dizer os estados que não foram alcançados ainda: Paraná, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Roraima e Rondônia.
A receita para conseguir tanto território, segundo Cavalcante Neto, foi o pioneirismo. “No Nordeste, nenhuma instituição havia desenvolvido um sistema que contemplasse o ciclo básico do infantil ao pré-vestibular. Algumas instituições locais elaboraram materiais, mas somente para alguns anos”. Os sistemas oferecidos pelos grupos do Sul e Sudeste não foram tão bem recebidos.
“Há grupos de escolas da região que são reconhecidos nacionalmente como fortes, mas ninguém tinha pensado em ‘exportar’ este conhecimento em educação. Nós resolvemos criar o sistema.” Mas atrás do sistema de ensino se manteve a estrutura tradicional do Colégio Ari de Sá Cavalcante – dirigido pelo pai do executivo do SAS, Oto de Sá Cavalcante. “Dessa forma, conseguimos continuar a aperfeiçoar o nosso sistema com um conteúdo denso, desenvolvido por uma escola que busca a excelência”, diz Cavalcante Neto. É a combinação de tradição com resultados.
Resistência às apostilas
Para um dos presidentes do Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do Ceará (Sinepe-CE), Airton de Almeida Oliveira, foi o perfil mais tradicional da região que ofereceu por anos resistência aos chamados sistemas de ensino – conhecidos pela elaboração de apostilas. “Este é um dos motivos que justificam a presença ainda pequena de grandes grupos educacionais do Sul e Sudeste na região, pois o meio deles de expandir-se é via sistemas de ensino”, diz.
No entanto, essa resistência, de acordo com Oliveira, está enfraquecendo. “Com a velocidade das transformações, principalmente no aspecto tecnológico, os colégios aceitam cada vez mais a busca por parcerias”, diz. “Os projetos digitais oferecidos hoje, que não estão mais limitados aos sistemas de apostilas, mas que incluem um suporte tecnológico por meio de ferramentas que ajudam o processo pedagógico, permitem aos sistemas começarem a ocupar um espaço que não tinham antes”, diz, incluindo os casos vindos de estados de fora do Nordeste.
Mesmo no caso de sucesso do sistema de ensino SAS, que obteve 55% de crescimento ao ano no número de alunos, nos últimos três anos, os sócios do grupo não abriram mão do caminho convencional de expansão adotado pela maioria do mercado regional nordestino: o Colégio Ari de Sá Cavalcante, que hoje conta com nove mil alunos distribuídos em suas quatro unidades em Fortaleza, continua a ampliar vagas.
Um sinal de que esta arena vai continua a ser disputada no mercado educacional, com novas aquisições e fusões de estabelecimentos menores. Enquanto diretor e fundador do Colégio 21 de Abril, o também presidente do Sinepe-CE, Airton de Almeida Oliveira já vivenciou o recebimento de propostas de compra. No entanto, depois de 33 anos à frente da instituição, prefere continuar a ampliar as matrículas da educação infantil ao ensino médio. “Há dez anos tínhamos aproximadamente 400 alunos, hoje chegamos a 900”, diz.
Se o mercado da Educação Básica se apresenta cada vez mais promissor, em razão do cenário econômico da região nordestina, os seus agentes locais estão atentos para ocupar esse espaço. Os próximos dois anos sinalizam, segundo os operadores da área, um movimento intenso de expansão: com mais compras, parcerias e realizações de convênios. É a lógica experimentada em diferentes setores da economia que chega ao segmento: quem crescer sobreviverá. Mas, nessa região, o lastro da tradição parece ter um peso relevante no resultado final.