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Um adeus ao mestre

Inspirador de uma geração de professores, o teólogo, filósofo e educador Rubem Alves deixa um legado para quem acredita na escola como um espaço de prazer da descoberta

Publicado em 08/09/2014

por Sérgio Rizzo

Ilustração: Evandro Luiz da Silva

Humanista de espírito renascentista, Rubem Azevedo Alves – que morreu no último 19 de julho, aos 80 anos, em Campinas (SP), em virtude de falência múltipla de órgãos – atuou como teólogo, filósofo, educador, psicanalista e escritor. Em todos esses campos, tornou-se importante referência no cenário brasileiro e também no internacional. Seus alunos e leitores costumavam se tornar admiradores e seguidores, multiplicando suas ideias em salas de aula e nos meios de comunicação.

Formado em teologia pelo Seminário Presbiteriano do Sul, de Campinas, ele assumiu desde cedo uma postura liberal e multidisciplinar que lhe causou problemas com setores conservadores. Por causa disso, abandonou o pastorado, mas jamais se desligou da reflexão sobre temas religiosos e filosóficos, e foi um dos fundadores da Teologia da Libertação. Além de vasta obra – de ensaios, contos e crônicas – que privilegiam aspectos educacionais e espirituais, Rubem Alves escreveu também livros infantojuvenis e colaborou com diversas publicações, entre elas a revista Educação (leia texto ao lado).

Seus livros propunham um olhar incomum e estimulante sobre as relações entre professores e alunos. Entre suas principais obras estão A escola que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir, Conversas com quem gosta de ensinar e A alegria de ensinar. Na produção cultural infantil, inspirada principalmente pela filha Raquel, costumava dizer que a produção de uma estória nunca é planejada. Foi assim, com a história “repentinamente aparecendo” que surgiram livros como O sapo que queria ser príncipe (Editora Planeta), A menina e o pássaro encantado (Edições Loyola) e O passarinho engaiolado (Papirus Editora).

O impacto de Rubem Alves na sociedade brasileira durante as últimas décadas foi traduzido pela enorme comoção que tomou conta dos círculos educacionais e das redes sociais da internet após a sua morte. Os 160 títulos que publicou em vida e o Instituto Rubem Alves, voltado para o desenvolvimento de programas de educação inovadores e alternativos, têm agora a tarefa de consolidar um legado em que se destaca a preocupação com um modelo de escola que contemple o prazer da descoberta e o respeito à diversidade.

O legado das gerações 

Tive meu primeiro contato com a obra de Rubem Alves na universidade, com 17 anos. Mesmo que às vezes deixasse de acompanhá-lo , ele jamais deixou de estar no meu “radar”, como jornalistas se referem a pessoas cujas atividades monitoram porque as consideram fundamentais para a compreensão de certos temas.

Natural, portanto, que eu me lembrasse de Rubem ao assumir, no início de 2005, o cargo de editor de Educação, pensando em entregar a ele um espaço nobre, a coluna que encerra toda edição. Seu primeiro texto, publicado em maio de 2005 e intitulado Sonhos… falava sobre “o primeiro dever dos mais velhos”: “legar, como herança, às gerações mais novas, as suas ‘caixas de ferramentas’, os saberes já testados”.

Foi isso exatamente o que ele fez – abrir aos leitores, com imensa generosidade e notável poder de sedução, a sua “caixa de ferramentas” – durante sete anos e 84 edições, até a sua despedida de Educação, em maio de 2012, com o texto Começando pela cozinha. “A cabeça não pensa aquilo que o coração não pede”, dizia ele. “Conhecimentos que não são nascidos do desejo são como uma maravilhosa cozinha na casa de um homem que sofre de anorexia. Homem sem fome: o fogão nunca será aceso. O banquete nunca será servido. Dizia Miguel de Unamuno: ‘saber por saber: isso é inumano…’. A tarefa do professor é a mesma da cozinheira: antes de dar a faca e o queijo ao aluno, deve provocar a fome.” Os textos de Alves cumpriam missão parecida.

Autor

Sérgio Rizzo


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