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Será o fim da pós-graduação?

Novo marco regulatório para os cursos de especialização lato sensu pode restringir o oferecimento da modalidade a poucas instituições localizadas nas grandes cidades. A medida que endurece as regras para a oferta desses cursos está em discussão no CNE por Mariana Tokarnia O projeto do […]

Publicado em 25/09/2014

por Ensino Superior

Novo marco regulatório para os cursos de especialização lato sensu pode restringir o oferecimento da modalidade a poucas instituições localizadas nas grandes cidades. A medida que endurece as regras para a oferta desses cursos está em discussão no CNE

por Mariana Tokarnia

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O projeto do novo marco regulatório para os cursos de pós-graduação lato sensu, que está sendo gestado no Conselho Nacional de Educação (CNE) como uma forma de segurar a expansão descontrolada das especializações, não foi bem recebido por entidades educacionais. A nova regulação prevê normas mais rígidas para o oferecimento das especializações e MBAs já a partir do ano que vem e está sendo justificada como uma forma de oferecer qualidade para a etapa.

O projeto foi pensado por uma comissão de cinco conselheiros, que trabalham desde o ano passado para regulamentar a área. “Essa forma de especialização está fora da regulação. Para oferecer o curso, basta ser credenciada para graduação. Isso acabou por provocar uma oferta descontrolada de especialização no país. Tem instituições com um curso de graduação e que oferecem 30 especializações fora da área em que atuam”, justifica Erasto Fortes, conselheiro da Câmara de Educação Superior do CNE e um dos integrantes da comissão.

Pelo novo texto, no caso das instituições que oferecem graduação, será necessário ter conceito 4 ou superior na avaliação de curso do Ministério da Educação (MEC) – que vai de 1 a 5. A pós-graduação também deverá ser oferecida na mesma área dos cursos de graduação oferecidos pela instituição. Além disso, deve ser ofertada nos municípios e polos definidos no credenciamento ou recredenciamento. Atualmente o conceito exigido é 3 e não é necessário oferecer cursos na mesma área ou município.

Para todos os ofertantes, o novo marco também estabelece que pelo menos 75% dos professores tenham título de mestre ou doutor e que os demais tenham, no mínimo, título de especialista na mesma área em que lecionam – as regras atuais exigem 50%. de mestres e doutores. Os demais 25% deverão ter título de especialista, com curso de graduação ou de pós-graduação lato sensu na mesma área em que vai lecionar. Além disso, a instituição deverá ter 75% de docentes efetivos, o que atinge grande parte dos cursos oferecidos atualmente e que funcionam com a participação de professores convidados.

“Se acontecer de as instituições terem de cumprir essas regras, grande parte dos cursos lato sensu será fechada”, diz o consultor jurídico do Fórum das Entidades Representativas do Ensino Superior Particular, José Roberto Covac. Em relação ao aumento do Conceito Preliminar de Curso o impacto no fechamento de cursos seria igualmente grande já que 21,5% dos cursos oferecidos pelas instituições privadas têm hoje conceito 4 ou superior e somente estas estariam aptas a ofertar a modalidade da pós-graduação. “O setor privado será o mais impactado. A gente entende que se deve acompanhar esses cursos e avaliá-los segundo as normas vigentes e não criar novas”, diz Covac.

Além das instituições de ensino superior de graduação, como já ocorre hoje, o novo marco regulatório prevê que as especializações sejam ofertadas também pelas Escolas de Governo, desde que atendam à formação e ao desenvolvimento de servidores públicos e pelas instituições de pesquisa científica, públicas e privadas, na mesma área de atuação. Entram nessas categorias instituições como a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

O texto também prevê que instituições que ofertam pós-graduação stricto sensu (mestrado ou doutorado) poderão ofertar especializações na mesma área, sem passar por nenhum trâmite adicional. Elas poderão, inclusive, conceder o título de especialista aos estudantes de mestrado e doutorado que não concluirem as dissertações ou teses, desde que tenham sido aprovados na qualificação. Essa alternativa será opcional e deverá estar prevista no regulamento do curso stricto sensu. Segundo Fortes, essa é uma forma de aproveitar a formação e evitar que os alunos saiam sem nenhum certificado. “Algumas vezes, os estudantes fazem todas as disciplinas, fazem a qualificação, mas não concluem a dissertação ou tese e acabam sem a titulação. Com o novo marco, as instituições poderiam oferecer o aval de especialização, aproveitando a formação dada”, explica o conselheiro do CNE.

Oficialmente não é possivel saber quantas instituições seriam atingidas pelas novas regras, pois não existe um levantamento oficial sobre os cursos lato sensu ofertados no país. Em 2 de junho, o MEC abriu o cadastro nacional de cursos de especialização. A partir de então as instituições de ensino superior tinham 90 dias para preencher o cadastro, que inclui informações como carga horária, número de vagas, local de oferta, número de egressos e dados sobre o corpo docente, mas até o fechamento desta edição os resultados ainda não haviam sido divulgados. Segundo Fortes, o cadastro dos cursos de pós-graduação lato sensu iniciado pelo MEC faz parte das mudanças previstas para a especialização e os cursos que não o integrarem serão considerados cursos livres, sem a qualidade garantida pela pasta.

Já as instituições que oferecem mestrado ou doutorado podem inclusive ser beneficiadas com a nova regra. Segundo a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), existem aproximadamente 400 instituições nesse nível, que oferecem atualmente 3.158 cursos de mestrado e 1.943 de doutorado. Desses, mais da metade é ofertada por instituições públicas. São esses os cursos que deverão dar conta da formação da maior parte dos docentes que atuarão nas especializações.

Especialização para o mercado  
Os cursos de especialização, que incluem aqueles designados como MBA (Master Business Administration), são cada vez mais procurados por profissionais e valorizados pelo mercado de trabalho hoje em dia, claramente envolvido pelo processo de formação continuada. Atualmente, independem de autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento e devem atender ao disposto na Resolução CNE/CES n° 1, de 8 de junho de 2007.

Os cursos devem ter duração mínima de 360 horas de aulas, mas os preços cobrados variam muito dependendo do curso e da instituição ofertante. Uma pós lato sensu oferecida por instituições brasileiras pode custar desde R$ 3 mil a mais de R$ 20 mil.

“A especialização sempre existiu, os profissionais se dedicavam a um determinado setor e ficavam experts, mas o mundo profissional está exigindo cada vez mais que se seja especialista”, diz Flávio Vellini, vice-presidente da Associação Brasileira das Instituições de Pós-Graduação (ABIPG). Os cursos contam pontos na hora de procurar emprego e chegam até a ser exigência para atuar em determinadas áreas. Em concursos públicos, inclusive para professores do ensino básico, possuir alguma certificação aumenta a pontuação dos candidatos.

Vellini concorda, no entanto, que houve uma explosão de cursos de pós-graduação nos últimos anos e que há uma falta de regulamentação por parte do MEC. Ele diz que a maior parte dos cursos é ofertada por instituições privadas, que acompanham mais prontamente as necessidades do mercado.

As novas regras, segundo Vellini, devem distinguir o que é direcionado para o mercado de trabalho e o que é a porta de entrada para uma formação acadêmica stricto sensu. Segundo ele, o texto apresentado pelo CNE não contempla instituições de mercado, empresas, que especializam os trabalhadores. “Faltam ser contempladas as instituições especializadas em ambiente de trabalho, desde que comprovem a qualidade do seu ambiente profissional. Isso deve estar claro na nova regra”, diz. Ele explica que nessa categoria se enquadram, entre outros, treinamentos feitos em grandes clínicas médicas e em plataformas de petróleo, onde “as pessoas são especializadas no próprio ambiente de trabalho”.

O CNE comprometeu-se a analisar a questão e a fazer mudanças no marco regulatório. Fortes diz que um novo texto deverá distinguir as especializações como formação profissional das especializações como formação acadêmica. E que entre as duas categorias haverá normas diferenciadas especialmente no que diz respeito à porcentagem de mestres e doutores e de profissionais efetivos.

“Os cursos com natureza acadêmica terão de seguir todas as exigências que estavam relacionadas na minuta. Já os cursos profissionais não terão de cumprir algumas exigências, como o percentual de mestres e doutores no corpo docente. O que vai importar é o conhecimento aprofundado no tema que vai lecionar”, diz Fortes, ressaltando que isso ainda é uma possibilidade que terá de ser votada pelos conselheiros.

A apresentação do novo texto e a votação deverão ocorrer neste segundo semestre, mas ainda não há uma data para que isso seja feito. O CNE deixa claro que não abrirá mão da exigência da qualidade. Após a votação interna, a proposta será enviada para análise e homologação do MEC e a expectativa é que o marco regulatório passe a valer no próximo ano.

Realidades diferentes
Entre as instituições, a ideia da criação de um marco para as especializações é válida, mas as novas regras estabelecidas foram percebidas de maneiras distintas. A exigência de manter apenas os cursos lato sensu correlatos às graduações ofertadas pelas instituições já é uma praxe normalmente adotada.

O Instituto de Ensino e Pesquisa Insper, por exemplo, alega que já cumpre a maior parte das exigências e que não será difícil se adequar. No entanto, para Letícia Costa, diretora de Pós-Graduação Lato Sensu do Insper, a nova norma não trata dos cursos de especialização que abrangem mais de uma área de conhecimento. “Vários cursos de pós se caracterizam por sua interdisci­plinaridade, perspectiva não tratada explicitamente na nova legislação”, diz.

Já a restrição de oferta de cursos somente no município onde a instituição está credenciada recebe críticas por delimitar a abrangência territorial da especialização. “O Brasil vai perder, os alunos perdem. Um estudante não vai ter como fazer uma pós de qualidade a não ser que venha para os grandes centros urbanos, pois não poderemos ir até ele”, diz Itamar Miranda Machado, diretor Acadêmico e Operações do Grupo Ibmec. “Estamos vendo com bons olhos a regulamentação. Ela é muito importante, mas precisa ser mais bem esclarecida em alguns pontos e talvez precise de alguns reparos”, ressalta Machado.

Para quem está fora dos grandes centros urbanos, o maior problema será a adequação ao corpo docente exigido. Na região Norte, por exemplo, são poucos os mestres e doutores. Para se ter uma ideia, de acordo com dados do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (Cgee), de 1996 a 2009 foram concedidos pouco mais de 196 mil títulos de mestre na região Sudeste e menos de oito mil títulos na região Norte. No mesmo período ainda, foram titulados mais de 67 mil doutores na região Sudeste ante pouco mais de 600 no Norte. “O grande problema da regulação é achar que todas as regras são possíveis em todas as regiões. Elas não são”, diz Luna Freitas, diretora da Faculdade de Belém (Fabel).

Instituição de pequeno porte, a Fabel oferece cinco cursos de graduação e três de pós-graduação lato sensu. Segundo a diretora, a maior parte dos alunos que procura a instituição é ligada à área de direito. “A grande maioria vem pelas oportunidades que a pós abre, seja ascensão em um cargo público, planos de carreira ou pontuação em concursos públicos”, diz.

Além da dificuldade em contratar mestres e doutores em determinadas regiões, a exigência de se ter 75% do corpo docente efetivo na instituição é outra regra que impactará negativamente a oferta das especializações. De acordo com Ronald Fábio de Paiva Campos, pró-reitor do Centro Universitário Facex, em Natal (RN), a determinação pode prejudicar a diversidade da oferta de especializações em algumas áreas. “A área de contábeis não tem mestres e doutores na região. Se eu contrato, por exemplo, um profissional da Bolsa de Valores, eu só vou precisar dele uma vez por semestre, não compensa mantê-lo na instituição como parte do corpo docente. Isso vai encarecer as mensalidades”, explica o pró-reitor.

Outra contradição relacionada à exigência do conceito 4 para abrir uma especialização é apontada por Dóris Martins de Andrade, diretora-geral da Faculdade Sete Lagoas (Facsete), em Minas Gerais. “O MEC diz que um curso com conceito 3 tem qualidade suficiente para funcionar na graduação e, na pós, exige 4. São dois pesos, duas medidas, não dá para entender”, questiona. A faculdade atende a 1,8 mil alunos, a maior parte, 80%, na especialização. A diretora observa ainda que algumas modificações são válidas, mas que muitas instituições foram pegas de surpresa. “A gente assustou muito com mudanças tão radicais. Para haver mudanças, deve primeiro haver discussão e ponderação entre os envolvidos. Fomos pegos de surpresa”, lamenta Dóris.

Mais burocracia
A nova norma prevê que a oferta de cursos de pós-graduação lato sensu especialização integre o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), aplicando a autoavaliação, submetendo-se à avaliação externa institucional e fazendo parte também do Censo da Educação Superior. Segundo o texto, as avaliações externas serão consideradas nos processos avaliativos institucionais de credenciamento e recredenciamento. O prazo para que isso comece a ser feito é de 120 dias a contar da data de publicação da resolução.

No entanto, para que seja efetivamente implementado, o advogado José Roberto Covac observa que deverá ser criado, no mesmo período, um novo instrumento de avaliação. “Como o MEC vai dar conta de novos processos, se ainda não conseguiu esgotar os que estão tramitando?”, questiona o consultor.

De fato, a falta de agilidade na análise dos processos prejudica o investimento de instituições e a expansão do ensino superior. De acordo com o MEC, até o final do ano passado, a pasta acumulava cerca de 28 mil processos regulatórios de supervisão e de certificação. Com a estrutura existente seriam necessários 6,2 anos dedicados apenas ao estoque para que a análise de todos fosse concluída.

Questão de qualidade
Ao avaliar o novo marco do ponto de vista do controle da qualidade dos cursos, quem contrata o serviço está satisfeito com a possibilidade de normas mais rígidas. “A regulação e a fiscalização asseguram a garantia de direitos para os estudantes”, defende Tamara Naiz Silva, presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG). “Existem cursos que são caça-níqueis. Dizem que têm um corpo docente e têm outro, dizem que cumprem uma grade de disciplinas e oferecem outra. Defendemos o fim desses cursos”, sinaliza. Segundo Tamara, como o MEC sequer possui a relação dos cursos existentes no país em uma base de dados, os estudantes têm de recorrer a indicações para se certificar da idoneidade do curso. Quando têm reclamações, recorrem ao Procon. Para se ter ideia, somente o Procon de São Paulo, no ano passado, registrou mais de sete mil reclamações referentes a instituições particulares – do ensino básico ao superior. De acordo com o órgão, não é possível discriminar as reclamações apenas da pós-graduação. Ainda assim, o número de reclamações referentes a educação representa uma parcela menor no total de reclamações feitas ao órgão. Em 2013, foram 736 mil no Estado de São Paulo. A lista de insatisfação é encabeçada pelos bancos comerciais, que receberam 56,4 mil reclamações. Em seguida estão telefonia celular (52,6 mil), telefonia fixa (51,7 mil) e cartão de crédito (34,3 mil).

 

Impacto negativo
No dia 4 de agosto, em Brasília, diante de um auditório lotado (foto acima), o Conselho Nacional de Educação (CNE) apresentou o projeto do novo marco regulatório para os cursos de especialização lato sensu. O texto, no entanto, não foi bem recebido pelos representantes das entidades de ensino. Foram mais de 70 manifestações no dia da audiência. O projeto torna mais rígidas as normas para que um curso seja aberto por instituição de ensino superior e, em alguns casos, chega até a inviabilizar a oferta de cursos em algumas localidades.

 

Foco no mercado
Para as instituições que já oferecem a pós-graduação stricto sensu não haverá maiores dificuldades para ofertar as especializações. O Conselho Nacional de Educação (CNE) entende que quem cumpre as regras de um mestrado ou doutorado cumpre também as da pós lato sensu. O Instituto Sírio-Libanês de Ensino e Pesquisa é um exemplo disso: com três programas de mestrado profissional, acadêmico e doutorado e 18 cursos de especialização, oferece a pós-graduação lato sensu desde 2004. De acordo com Sílvia Saliba, gerente de Ensino do Sírio, apesar de a instituição atender aos critérios, uma das maiores dificuldades da nova norma é o cumprimento da exigência de 75% de mestres e doutores. “Há de se repensar este ponto, os cursos de especialização precisam de professores que estão mais focados no mundo do trabalho”, diz.

 

Autor

Ensino Superior


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