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Programas acadêmicos desafiam o modelo do agronegócio brasileiro em busca de uma agricultura mais sustentável e constituem uma nova oportunidade de aproximação entre instituições de ensino, empresas e órgãos de fomento por Luís Patriani Um recente relatório da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) destacou […]
Publicado em 21/06/2013
Programas acadêmicos desafiam o modelo do agronegócio brasileiro em busca de uma agricultura mais sustentável e constituem uma nova oportunidade de aproximação entre instituições de ensino, empresas e órgãos de fomento
por Luís Patriani
Um recente relatório da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) destacou dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que colocam o Brasil como o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. Nos últimos dez anos, o mercado mundial desse produto cresceu 93%, enquanto que no Brasil o aumento foi de 190%. Resultado do modelo de agronegócio adotado pelo país, o uso crescente de agrotóxicos e fertilizantes químicos na produção agrícola brasileira é alvo de polêmica há muito tempo, mas nos últimos anos o incentivo a projetos voltados à agricultura familiar sustentável e à agroecologia tem ganhado a atenção de pesquisadores e o apoio de órgãos de fomento e governo, constituindo uma importante área para o desenvolvimento de novas pesquisas e parcerias com empresas.
Segundo o Ministério da Agricultura, o financiamento para a agricultura familiar e a agroecologia cresceu 300% no último período. Só o Plano Agricultura de Baixa Emissão de Carbono (Plano ABC), que fomenta tecnologias de produção sustentáveis, permitiu aos agricultores empresariais movimentarem no ano passado cerca de R$ 1,9 bilhão em crédito. Já no universo acadêmico, os projetos de pesquisa e parcerias também estão aumentando, ainda que timidamente. No registro do Banco de Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), desde 1987 constam 82 teses/dissertações na área de agroecologia.
O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por sua vez, em parceria com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Ministério da Educação (MEC) e Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), abriu no ano passado um edital para selecionar projetos de pesquisa em agroecologia e sistemas orgânicos. O concurso irá financiar as propostas selecionadas com recursos estimados em R$ 8,9 milhões.
Mãos na massa
Um dos exemplos mais bem-sucedidos de pesquisa que une instituições de ensino e órgãos que fomentam a produção agropecuária é o Sistema Integrado de Produção Agroecológica, conhecido como Fazendinha Agroecológica do km 47. O projeto é realizado numa parceria entre a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado do Rio de Janeiro (Pesagro/Rio), e constitui uma área de ensino, pesquisa e capacitação em agroecologia e manejo orgânico, localizada no município de Seropédica, na Baixada Fluminense.
Nos 20 anos de trabalho desenvolvido, a Fazendinha serviu de base para projetos pioneiros como a Rede Agroecologia Rio, que formou um sistema cooperativo de pesquisa e transferência de tecnologias agroecológicas voltadas à agricultura familiar, aumentando significantemente o número de agricultores certificados na pobre região do Brejal, no Rio de Janeiro.
“Nossa equipe tem atuado em projetos que buscam fazer a construção conjunta de conhecimentos com agricultores, através da realização de pesquisa participativa. Alguns exemplos dessas ações dizem respeito à avaliação do uso de fertilizantes orgânicos e à utilização de práticas de diversificação do ambiente de cultivo (como, por exemplo, a adubação verde e a introdução de leguminosas arbóreas). As ações contam normalmente com o financiamento do CNPq, Embrapa ou Faperj”, dizJosé Antonio Azevedo Espindola, pesquisador da Embrapa Agrobiologia.
A criação de inéditos cursos de mestrado e doutorado em agroecologia a partir da década de 1990 também é uma das marcas do convênio entre a UFRRJ e órgãos de fomento e pesquisa. Criado em 2010, o primeiro mestrado profissional em agricultura orgânica do Brasil foi desenvolvido pela UFRRJ para suprir uma carência de profissionais com formação focada no tema da agricultura orgânica, que atuassem nos setores públicos, privados e organizações não governamentais. “O curso é inovador porque, ao contrário do mestrado acadêmico tradicional, se volta para profissionais que já trabalham na área agrícola, como funcionários de prefeituras, membros de ONGs, do Ibama e agricultores”, diz a professora Silvia Regina Goi, da UFRRJ, especialista em fisiologia e nutrição de plantas.
A professora destaca o aumento de publicações de trabalhos científicos na área de agroecologia, assim como a participação de empresas privadas no financiamento de projetos de pesquisa. “Na grande maioria, os trabalhos acadêmicos de agroecologia e desenvolvimento sustentável são bancados pelo CNPq, Capes e fundações estaduais, mas projetos como o Natura Campus, da Natura, que estimula a parceria com instituições de ciência e tecnologia, e a Petrobras, que acaba de abrir um edital para financiar sistemas de agroecologia, revelam um novo cenário”, comenta Silvia.
Cooperação interinstitucional
Outro exemplo é a parceria entre a Faculdade Cantareira, a Universidade de Salamanca, na Espanha, e a Universidade de Taubaté (Unitau). O projeto iniciado há cinco anos promete transformar a dura realidade de produtores dos municípios do cinturão verde de São Paulo, desesperados com a perda de frutas acometidas por doenças fúngicas.
O trabalho entre as instituições no controle de doenças pós-colheita surgiu quando alguns pequenos agricultores da região de Mogi das Cruzes e Atibaia, preocupados com a ameaça de cair na temida lista da Anvisa, que retira do mercado produtos contaminados com altas taxas de agrotóxicos, procuraram os pesquisadores da Cantareira para pedir ajuda.
A resposta veio com o projeto que, a partir de extratos retirados de plantas como a melaleuca, cravo, canela, alho, entre outras, pretende chegar ao princípio ativo que combate o fungo. “Esse problema é grave. Usa-se muito produto químico, mas os fungicidas têm um período de carência grande, enquanto a vida útil do fruto é curta. Nos pêssegos, por exemplo, que têm uma película muito fina, o fungo ataca a folha e o fruto, que apodrecem em até 48 horas. O processo é tão rápido que o produtor colhe, coloca na caixa e no caminhão, mas o pêssego morre no tempo de chegar ao destino. Chamamos de podridão parda. As perdas chegam a 40%”, diz a professora de fitopatologia do curso de Agronomia da Faculdade Cantareira, Andrea Dantas.
O trabalho na Cantareira, que é financiado pelo CNPq, começou com morangos, caqui e lixia, mas atualmente se concentra no controle do mofo de coloração verde da laranja e no mofo de coloração cinzenta do pêssego, além de ter iniciado recentemente o controle com as nêsperas (ameixa japonesa).
A primeira parte do processo é feita em colaboração com a Universidade de Salamanca, que determina quais substâncias químicas (cada extrato chega a ter 100 delas) existem dentro do caldo, isolando-as para serem testadas pelos pesquisadores da Cantareira em São Paulo.
No laboratório, a partir de cada substância selecionada, são feitos testes in vitro, que duram de seis a nove meses, e in vivo, em que o fruto é mergulhado no caldo e colocado em contato com o fungo. O objetivo é obter uma substância pura e outra sintetizada. “No fim do projeto podemos ter dois produtos, um a partir do princípio ativo puro, retirado do extrato, e outro sintetizado. O que está mais próximo de acontecer são os produtos derivados do caldo de cravo. A ideia é fazer uma parceria com uma empresa agroquímica”, diz Andrea.
Viés orgânico
Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a fertilização orgânica, também conhecida por adubação verde, é um dos projetos mais destacados do port- fólio de estudos ecológicos. Encabeçado pelo professor Enilson Luiz Saccol de Sá, do Departamento de Solos da UFRGS, o programa Interações Plantas e Microrganismos é dividido em duas linhas principais. A primeira é o estudo de fixação biológica de nitrogênio, que substitui o uso de adubos minerais nitrogenados, iniciado ainda na década de 50 com o professor emérito João Ruy Jardim Freire, do departamento de solo.
O processo de inoculação da bactéria rizóbio acontece através da sua associação com raízes de leguminosas, família de planta cujos membros mais conhecidos são o feijão, lentilha, grão-de-bico, soja, ervilha e fava. A simbiose é simples e eficiente. A bactéria se aloja na raiz da planta e passa a utilizar a fotossíntese como fonte de energia. A planta, por sua vez, consegue sintetizar suas proteínas através do nitrogênio captado do ar e fixado na raiz da planta pelos microorganismos.
“O mercado brasileiro para os inoculantes é muito grande. Mas noventa e cinco por cento dele está voltado para a soja. Nos Estados Unidos, que é o segundo maior produtor de soja do mundo, atrás do Brasil, se usam basicamente os fertilizantes químicos e há muitos problemas com a contaminação de lençol freático”, conta Enilson.
A segunda área do estudo Interações Plantas e Microrganismos se dá com as plantas leguminosas forrageiras, que são utilizadas como alimentos para animais da agropecuária. O trabalho na UFRGS começou com o trevo branco (a partir de 300 bactérias foram isoladas e selecionadas 12 delas) e continua atualmente com o cornichão.
Esse mercado de inoculantes, que é muito útil para o pequeno agricultor, ao contrário da soja, que prospera, ainda engatinha. A tricoderma, por exemplo, um fungo considerado excelente para a nutrição de plantas e que age também como parasita de fungos patogênicos, não tem até hoje um produto sequer no mercado.
“Quando um produto é classificado como orgânico, a burocracia, as taxas de registro e certificados se tornam muito caras. É impossível para um pequeno fabricante competir com as empresas de agrotóxicos. Não existe uma política nacional forte para a agricultura familiar. O Plano Agricultura de Baixa Emissão de Carbono (Plano ABC), do governo federal, não tem recursos destinados para a fixação do oxigênio através de inoculantes. Perdeu-se uma grande oportunidade porque a fertilização orgânica está na base da produção sustentável”, lamenta o pesquisador da UFRGS.
Parcerias, projetos e investimentos |
Uma das empresas engajadas em programas para a sustentabilidade do meio ambiente, a Natura, por meio do Natura Campus, fomenta a inovação através da formação de redes colaborativas. Outro projeto, desenvolvido em parceria com a Embrapa Amazônia e a Cooperativa Agrícola de Tomé-Açu, com apoio da Finep, desenvolve sistemas agroflorestais (SAFs) para a produção sustentável de dendê na agricultura familiar da Amazônia.Outra empresa com grande volume de investimento em programas de sustentabilidade é a Petrobras, que aplicará US$ 300 milhões em pesquisa e desenvolvimento de biocombustíveis até 2017, de acordo com o Plano de Negócios e Gestão da empresa. A Petrobras segue avaliando as potencialidades de diferentes oleaginosas para a produção de biodiesel e, para isso, constitui redes de pesquisa e investe em tecnologia para aumentar a produtividade das oleaginosas por hectare.Já os ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), da Educação (MEC) e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), por meio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), investirão R$ 8,9 milhões para financiar propostas de projetos de pesquisa em agroecologia e sistemas orgânicos. Entre os projetos selecionados está o do Instituto Federal do Norte de Minas Gerais (IFNMG). Intitulado Agricultura Familiar, Agroecologia e Desenvolvimento Rural no Baixo Jequitinhonha, visa o desenvolvimento rural da região por meio de atividades de pesquisa científica, extensão e educação profissional que valorizem e aprimorem técnicas agroecológicas de produção dos agricultores familiares. Outro projeto é desenvolvido pelo Instituto Federal do Sertão Pernambucano. Com aporte de R$ 310 mil para a instalação do Centro Vocacional Tecnológico de Agroecologia, a iniciativa vai promover ações de extensão tecnológica, pesquisa e educação profissional na construção de conhecimentos e práticas em agroecologia e sistemas orgânicos de produção. |
Pequeno grande negócio |
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a quarta estimativa da safra nacional de cereais, leguminosas e oleaginosas para 2013 deve chegar a 185 milhões de toneladas. Em 2012 foram colhidos 162,1 milhões de toneladas, numa área de 48,8 milhões de hectares. Quanto ao mercado de alimentos orgânicos, os números são menos precisos por conta da informalidade em que se encontra parte dos produtores. Se levarmos em conta o primeiro levantamento do mercado orgânico brasileiro feito em 2011 pelo Instituto de Promoção do Desenvolvimento (IPD Orgânicos), elaborado com base no Censo Agropecuário de 2006, a área voltada a produtos sem agrotóxicos e fertilizantes químicos chegou a 4,4 milhões de hectares cultivados e um total de R$ 1,2 bilhão comercializados. “Nós estamos fazendo um cadastro nacional que englobe todos os produtores orgânicos para saber qual o tamanho desse mercado no Brasil, mas como o processo está no início, as informações ainda são voluntárias”, explica Rogério Dias, coordenador de Agroecologia do Ministério da Agricultura, Agropecuária e Abastecimento (Mapa). De acordo com ele, o levantamento encontra dificuldades devido à informalidade desse setor, além de grande parte dos produtores possuírem baixa instrução formal. Em relação aos financiamentos, o Mapa prevê R$ 115,25 bilhões para a agricultura empresarial na safra 2012/2013. O aporte total de recursos, incluindo a agricultura familiar, é de R$ 133,2 bilhões. |
Desafio de mercado |
O maior inimigo das produções voltadas à agricultura sustentável é o próprio modelo de agronegócio brasileiro. As principais monoculturas que utilizam herbicidas, fungicidas e inseticidas são a soja, o milho, o algodão e a cana-de-açúcar, que representam 80% do total das vendas do setor. Segundo estudo produzido pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), das 50 formulações de agrotóxicos mais utilizados nas lavouras de nosso país, 22 são proibidos na União Europeia, e há uma carência de estudos voltados para os riscos à saúde desses produtos. Para piorar o quadro de dependência de insumos químicos nas plantações, a expansão do plantio da soja transgênica amplia o consumo de glifosato. A resistência das ervas daninhas, dos fungos e dos insetos demanda um maior consumo de agrotóxicos, assim como o aumento de doenças como a ferrugem asiática na soja está associado à disparada do uso de fungicidas. Se não bastasse, a isenção de impostos nos agrotóxicos faz com que os agricultores utilizem maior quantidade por hectare. |