NOTÍCIA
Parte importantíssima do aprendizado, o fracasso é mais instrutivo que a certeza, já que estimula a busca pelo conhecimento e o desejo de acerto
Publicado em 31/05/2012
O erro é caminho infalível na busca do conhecimento. O erro nos ensina a acertar. O esportista que erra decide treinar mais. O escritor que erra volta a lutar com as palavras. O cientista que erra levanta novas hipóteses. O professor que erra procura métodos mais adequados.
Clarice Lispector dizia que “o sucesso é uma mentira”. Referia-se a essa arrogância de quem só leva em conta os resultados positivos, ocultando as dúvidas, as sombras e os percalços. Desde cedo nós ouvimos a velha frase: “errar é humano”. Mas não deveríamos repeti-la em tom de lamento. Ao contrário. O tom deve ser de legítimo orgulho: errar é plenamente humano! Errar é sinal inequívoco de que somos autênticos seres humanos!
Em seu livro Por que erramos? (São Paulo: Editora Larousse, 2011), a jornalista, escritora e “errologista” norte-americana Kathryn Schulz observa que, em termos abstratos, aceitamos (de bom grado, numa boa) a ideia de que somos falíveis. O difícil mesmo é admitir, aqui e agora, que estou errado em coisas bem concretas.
Ora, este medo de errar e ser errantes pode nos colocar numa situação extremamente enganosa. Para evitarmos a humilhação de estarmos errados e de nos reconhecermos como falíveis, nós nos tornamos perfeccionistas. E os perfeccionistas se fecham na cápsula das certezas, onde não há espaço para surpresas e descobertas.
O perigo da resposta certa
Kathryn Schulz denuncia a valorização exclusiva da resposta certa. Trata-se de um vício do sistema escolar perfeccionista, que traz consigo o perigo da estagnação. Quem acerta já alcançou a meta. O acerto é uma vitória, obviamente, mas conduz à satisfação. E a satisfação leva à acomodação de quem já se considera perfeito.
A errologia nos lembra que o fracasso é muito mais instrutivo. O fracasso e o tropeço são parte importantíssima do aprendizado. Punir o erro é punir a maneira humana de aprender. Os critérios da errologia nos ajudam a repensar radicalmente nossos modelos de ensino e avaliação.
Errar é humano porque é desse modo que praticamos nossa ignorância. E é praticando nossa ignorância que podemos praticar nossa inteligência, nossa imaginação, nossa intuição, e caminhar em direção a novas conquistas na ciência, na arte, no pensamento etc.
Antes de aprender a andar, a criança cai muitas vezes, pois realmente ninguém nasce sabendo andar. Até que saibamos falar um novo idioma com certa fluência, cometemos inúmeras gafes, pois nossa língua natal é outra. É erro gravíssimo não entender que o erro define nossa condição humana de modo positivo.
A resposta certa limita-se a corroborar o que já se sabe. Quem erra, no entanto, está em nítida vantagem: está prestes a aprender algo que o estudante nota 10 tem menos condições de aprender… uma vez que já acertou tudo o que tinha de acertar.
Não estou fazendo apologia da falta de estudo ou da negligência. A errologia nos ensina, porém, que, ao darmos a resposta certa esperada, continuamos circunscritos ao mundo das certezas adquiridas. Ao passo que o pesquisador errante pode descobrir novas respostas. Ou novas perguntas…
A resposta errada na hora certa
Complete a seguinte frase:
A girafa tem um _____________ comprido.
A palavra certa é óbvia: quem iria negar que a girafa tem pescoço comprido? Mas será o único substantivo possível para o adjetivo “comprido”? A girafa pode ter um olhar comprido, não pode? Aquele olhar comprido e faminto perante os ramos folhudos de uma árvore… Aliás, foi graças a esse olhar comprido que, conforme Darwin em seu livro A origem das espécies, o pescoço da girafa encompridou.
Quem não tem medo de errar, fará uma pergunta incômoda agora: só existem “coisas masculinas” compridas na girafa? Vamos imaginar que o adjetivo estivesse no feminino:
A girafa tem uma _____________ comprida.
Quem só consegue ver o pescoço como algo comprido na simpática ruminante pensará que o formulador da frase se equivocou, ou que alguém digitou a frase erradamente. Tentará talvez anular a questão, já que não se encaixa na única resposta certa!
Contudo, se superarmos os limites da certeza, descobriremos coisas diferentes. Por exemplo, será que a língua da girafa é comprida? De fato, a língua da girafa pode medir de 40 a 50 centímetros (até meio metro!), e parece uma rápida mão vermelha saindo da boca do animal para apanhar o alimento.
O otimismo errológico
A escola evolui quando o espírito da errologia orienta suas práticas. Nas últimas páginas de Por que erramos?, a autora cita um pensamento paradoxal de Benjamin Franklin. Dizia ele que os erros da humanidade foram muito mais úteis do que as verdades uniformes e estreitas. Os erros são infinitamente variados e desafiadores.
O errologista é um otimista. Defende o princípio de que, errando, contribuímos para nossa evolução intelectual e emocional. Os erros funcionam melhor do que os acertos, se soubermos interpretá-los melhor.
Diante das falhas, é preciso dar a volta por cima. Premidos pela iminência do fracasso, ativamos em nós capacidades desconhecidas. Os erros são imprevistos como imprevista é a vida humana, esta sucessão de contratempos e sobressaltos.
Na escola, os erros deveriam ser celebrados como demonstração cabal de que nossas mentes guardam inúmeras possibilidades.
*Gabriel Perissé é doutor em Filosofia da Educação (USP) e pesquisador do Núcleo Pensamento e Criatividade (NPC) – www.perisse.com.br