NOTÍCIA
As especialidades mais requeridas no campo pedagógico passaram por diversas transformações ao longo das últimas décadas, derivadas de mudanças das concepções de educação e de demandas sociais
Publicado em 10/09/2011
Fonoaudiologia escolar: especialidade abre novas possibilidades |
Nos longínquos anos 60 e 70 do século passado havia uma grande demanda pela formação de administradores, inspetores, supervisores e orientadores para atuar no ambiente escolar. Nos anos 80, houve pouco questionamento sobre qual o perfil do pedagogo que deveria ser formado. A partir dos anos 90, registrou-se uma acentuada preocupação com a formação dos professores da educação infantil e dos primeiros anos do fundamental. Com a virada do milênio, entraram em cena discussões sobre a identidade profissional dos docentes, acrescidas de novas dimensões de sua atuação e formação, como o ensino a distância. Esse rápido painel, extraído do estudo “Fragmentos da formação e identidade do pedagogo dos anos 60 aos nossos dias”, das pesquisadoras Marília Oliveira e Valéria Resende, da Universidade Federal de Uberlândia, em que as autoras analisam o temário de artigos publicados na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos , do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), ao longo de cinco décadas, dá uma pequena dimensão das mudanças ocorridas desde então no campo educacional. E, em decorrência, das oportunidades profissionais derivadas de suas práticas.
Nesse período, as concepções de educação, os processos de ensino e aprendizagem e o currículo passaram por várias transformações, assim como a legislação e as políticas educacionais. Os impactos dessas mudanças não se limitaram à sala de aula, abrindo novas perspectivas para professores, pedagogos e, até, para profissionais de áreas afins, como psicopedagogos e fonoaudiólogos.
Um exemplo reforça a compreensão do processo em curso. Quem tem mais de 40 anos provavelmente estudou francês na escola; hoje, o francês praticamente deixou de ser oferecido e o espanhol está ganhando espaço em virtude da lei que tornou obrigatória a oferta da língua no ensino médio a partir de 2010. Com isso, criam-se oportunidades de emprego para os graduados em letras que dominam o idioma. O mesmo ocorre com os bacharéis em música, sociologia e filosofia, que podem fazer uma licenciatura para lecionar as três disciplinas, que se tornarão obrigatórias na grade curricular a partir de 2011.
“Apesar de aparentemente estável, o currículo escolar é muito dinâmico e completamente relacionado com o contexto social”, analisa Geovana Lunardi, professora do programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). Por isso, explica ela, as disciplinas entram e saem do currículo a fim de atender às demandas da sociedade e a mudanças de perspectiva dentro das próprias disciplinas.
Esse processo é visível no caso das línguas estrangeiras. “A oferta de línguas nas escolas normalmente está relacionada à demanda das relações econômicas e políticas entre os
países. Este é o caso do espanhol, que se tornou importante no cenário da globalização”, analisa Fernanda Castelano, professora de espanhol do Departamento de Letras da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
As relações culturais também contam, continua a especialista. “O francês foi oferecido nas escolas brasileiras por causa da tradição literária e cultural da França no Brasil e no mundo.” Com a queda da influência francesa, a língua perdeu espaço – assim como ocorreu com o italiano e o alemão, obrigatórios no início do século 20.
Para o professor de espanhol, o cenário é promissor, na opinião de Fernanda. “Em muitos lugares há falta de professores e por causa da necessidade da oferta da disciplina, estão sendo realizados concursos.” As estimativas do Ministério da Educação (MEC) de 2005, quando a lei que criou a disciplina foi aprovada, indicavam que seria necessário formar 20 mil licenciados em espanhol para dar conta da demanda. A Secretaria de Estado da Educação do Paraná é um exemplo: contratou 481 professores de espanhol.
A rede estadual paranaense também contratou 348 docentes para lecionar filosofia e 241 para sociologia. “Existe um campo aberto para professores de áreas que antes não faziam parte do currículo”, afirma a supervisora da Secretaria de Estado da Educação do Paraná, Alayde Digiovanni.
Mas, reitera ela, as possibilidades para os profissionais da educação não se devem apenas às mudanças na legislação, que acarretam a inclusão de disciplinas na grade curricular. Estão vinculadas também às novas funções sociais e concepções da escola, que priorizam a diversidade e a aprendizagem. Por isso, diz a supervisora Alayde, a inclusão de disciplinas como filosofia e sociologia se deve a um projeto de escola da rede pública do Paraná e não, simplesmente, uma obrigação legal.
De olho no aluno
São vários os elementos que podem ser mencionados quando está em questão a nova concepção de escola – em construção, vale ressaltar. Um deles é a mudança de foco do ensino para a aprendizagem.
“Vivemos um tempo de transformação de referências curriculares no qual não cabe ao aluno se adaptar à escola; a escola é que deve se reconstruir para atender a toda a sua comunidade”, diz Sueli Dib, pedagoga e consultora da Secretaria de Estado da Educação do Espírito Santo na área de novas tecnologias aplicadas à docência.
Os desdobramentos dessas transformações são muitos para o professor e demais profissionais da educação. De um lado, pontua Neide Noffs, diretora da Faculdade de Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), o docente precisa rever suas estratégias em sala de aula, deixando de se preocupar com as situações e materiais que utiliza para promover o ensino, direcionando o olhar para a maneira como o aluno aprende, a fim de potencializar a aprendizagem.
De outro, a tendência à integração curricular exige uma mudança da postura do docente e do profissional da educação, na visão de Geovana Lunardi. “O especialista parece estar se tornando obsoleto dentro da escola. A docência exige um professor capaz de trabalhar em grupo, com um conhecimento amplo e pronto para compor equipes de trabalho”. Desse modo, os profissionais com papel disciplinador – como inspetores – deixaram de existir, e funções, como a de coordenador pedagógico, estão em ascensão.
É ele que gerencia, coordena e supervisiona o processo de ensino e aprendizagem numa instituição escolar. “Ele acaba somando os papéis de diferentes especialistas da área da educação”, complementa a professora. Por isso, na percepção de Geovana, a tarefa do coordenador pedagógico é a que mais se destaca no contexto da escola atualmente, na medida em que ele atua como um articulador do processo de ensino e aprendizagem.
A perspectiva da inclusão
Para além do foco na aprendizagem, o paradigma da inclusão está mexendo com os papéis e espaços dos profissionais no ambiente escolar. Afinal, a partir do momento em que a escola se torna um território que acolhe a diversidade, incluindo alunos de distintas origens sociais, econômicas e culturais, além dos alunos com necessidades educacionais especiais, passa a ser necessária uma equipe capaz de lidar e articular as diferenças em prol da aprendizagem.
Tradicionalmente, o ofício do professor é solitário, cabendo a ele centralizar e coordenar o ensino e aprendizagem. Hoje, diante de tantas demandas distintas, um único profissional não é capaz de dar conta de todas elas – sejam as individuais, ligadas às necessidades dos alunos, sejam as sociais, relacionadas ao papel que se espera que a escola desempenhe enquanto instituição.
Para Flávia Medeiros Sarti, professora do departamento de Educação da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Rio Claro, a escola enfrenta hoje um duplo movimento, pautado, de um lado, pela ampliação das expectativas sociais a seu respeito, multiplicando suas atribuições: “Espera-se que a escola prepare os alunos para a preservação dos recursos naturais, para que saibam lidar com as diferenças, para uma vida saudável, livre das drogas, das doenças sexualmente transmissíveis, da obesidade etc.”.
De outro, a professora da Unesp acredita que essa “inflação” de expectativas é acompanhada por um “esvaziamento de sentidos relativos à escolarização”. “Não sabemos mais que papel a escola pode e deve desempenhar na vida dos sujeitos e da coletividade. Essa situação gera uma pressão muito grande sobre a escola e seus profissionais.”
É justamente nesse contexto paradoxal de ampliação e indefinição a respeito do papel da escola que profissionais de áreas afins à educação têm se inserido nas equipes das escolas – especialmente os psicopedagogos e fonoaudiólogos – abrindo possibilidades e desafios para os professores, conclui Flávia, da Unesp.
Equipes multidisciplinares
Profissionais como o psicopedagogo e o fonoaudiólogo ganham espaço na perspectiva de uma escola que tem como objetivo central promover a aprendizagem.
“Por ter uma formação multidisciplinar, o psicopedagogo pode favorecer uma visão mais ampla sobre o processo de aprendizagem. Ele não é um profissional que lida apenas com a deficiência”, explica Quézia Bombonatto, presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia.
Desse modo, ele pode apoiar o trabalho do professor, colaborando no desenvolvimento de estratégias para potencializar a aprendizagem de alunos em defasagem idade-série ou daqueles que têm uma deficiência. O psicopedagogo também ajuda na organização dos grupos e demandas, bem como na adaptação de alunos oriundos de culturas ou contextos muito diferentes, como é o caso de alunos dekasseguis.
“Quanto mais a escola inclui, mais amplo tem de ser o olhar”, analisa a coordenadora da especialização em psicopedagogia do Instituto Sedes Sapientiae, em São Paulo, Georgia Vassimon. E a necessidade de ampliar o olhar está gerando mais demanda por parte das escolas e procura por formação. No curso do Sedes, estima Georgia, cerca de metade da turma de 25 alunos é de pedagogos e outros profissionais da educação. Na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), que oferece graduação em psicopedagogia desde 2009, a concorrência chega a 40 candidatos por vaga.
Em paralelo, secretarias municipais e estaduais de educação começam a abrir vagas para psicopedagogos nos concursos públicos. É o caso das prefeituras de Ourinhos (SP) e Itaberaí (GO) e da Secretaria de Educação de Rondônia, que abriu 111 vagas para esses profissionais no ano de 2010.
Assim como o psicopedagogo, a presença do fonoaudiólogo tende a crescer na escola, especialmente com o reconhecimento de uma nova especialidade na área, a fonoaudiologia escolar. Para Jaime Zorzi, membro do Conselho Federal de Fonoaudiologia (CFFa), o profissional pode colaborar no diagnóstico, traçando um perfil das dificuldades dos alunos. “O fonoau-diólogo ajuda a caracterizar, auxilia no planejamento em parceria com a equipe da escola. Mas quem faz o trabalho na sala de aula é o professor.”
Na opinião dele, os modelos de ensino atuais não são suficientes para dar conta de todos os desafios, o que faz com que, cada vez mais, mais crianças aprendam menos. “A tendência da escola sempre foi atribuir a culpa à família, mas agora já existe mais consciência de que os problemas de aprendizagem fazem parte do processo educacional”, diz Zorzi.
Para Flávia Sarti, da Unesp, o aumento da expectativa em relação à escola implica pensar novas configurações da equipe escolar e delimitar o espaço de cada um. “Isso pode significar uma possibilidade importante de desenvolvimento e de afirmação profissional para os professores da Educação Básica, desde que eles e a sociedade tenham clareza quanto às especificidades do papel da escola.”
Além disso, é fundamental que os diferentes profissionais estejam afinados com o projeto da escola, o que nem sempre ocorre. Sem isso, continua Flávia, o trabalho deles corre o risco de se transformar em “ajuda ou filantropia improvisada”.
Mais qualficação e mobilidade
A educação infantil e o ensino técnico são duas frentes que também estão abrindo oportunidades na área da educação.
No caso da primeira, a necessidade de expansão do atendimento (tanto na faixa de 0 a 3 anos quanto na de 4-5 anos), somada a uma atenção maior com relação ao desenvolvimento infantil gera uma forte demanda por profissionais, opina Vera Melis, que atua na Organização Mundial pela Educação Pré-Escolar (Omep).
“Há pouco mais de dez anos, houve um concurso público para contratar pessoas para trabalhar em creches, que exigia apenas que as candidatas fossem mães. Hoje em dia, não há mais espaço para isso. Existe consciência de que a educação infantil é muito mais do que cuidar”, afirma Vera.
Assim, a tendência é que se exija uma formação mais densa e conhecimento sobre desenvolvimento infantil de todos os tipos de profissionais que atuam em creches, pré-escolas ou em instituições de educação não formal – do auxiliar ao “brinquedista” e recreacionista.
O ensino técnico, por sua vez, está em expansão em todo o país, abrindo possibilidades não apenas para professores com licenciatura, mas também para bacharéis e tecnólogos. Desde 2006, o Centro Paula Souza, de São Paulo, ampliou 2,5 vezes sua capacidade de atendimento, atingindo, no primeiro semestre de 2011, 65.959 vagas.
Para fazer frente à expansão, o número de professores passou de 9 mil para 12 mil, no período de dois anos – muitos dos quais não têm licenciatura. “O ensino técnico está sendo mais valorizado, ampliando as possibilidades de formação e atraindo mais alunos”, diz Almério Melquíades de Araújo, responsável pela Coordenadoria de Ensino Técnico do Centro Paula Souza.
A mobilidade dos profissionais está ocorrendo em algumas partes do Brasil, em função do crescimento do ensino técnico. Nos concursos realizados recentemente pelo Instituto Federal Fluminense, em Cabo Frio, foram contratados professores de várias regiões do país, conta o coordenador de Extensão da escola, Carlos Eduardo Robalo. “Hoje temos professores do Rio Grande do Norte, da Bahia e de Minas Gerais, algo inconcebível há 30 anos, quando comecei a lecionar.”
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