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Estação Colômbia

Em visita às redes de bibliotecas de Bogotá, docentes brasileiros premiados por projetos de promoção da leitura atestam forças e fraquezas da própria atuação

Publicado em 10/09/2011

por Rubem Barros

Quando visitou a Colômbia, em 2004, a professora e escritora espanhola Teresa Colomer iria proferir uma palestra sobre a importância de ler os clássicos, assunto que foi objeto de reflexões diversas, das quais a mais famosa talvez seja a do escritor italiano Ítalo Calvino, materializada em
Por que ler os clássicos

(Companhia das Letras, 2007). O contexto da apresentação, no entanto, a preocupava: iria falar para um público de professores de um país às voltas com reiterados episódios de violência. Os clássicos ali pareciam carecer de sentido: que diriam sobre a realidade de pessoas que conviviam com a iminência do próximo conflito?

O relato da ação de um grupo de mulheres convenceu-a da potência do tema. Em conversa com amigos, alguém lhe contou que, havia algum tempo, após um assassinato em massa protagonizado por paramilitares em uma comunidade, os corpos das vítimas restavam pelas ruas. Não havia quem os enterrasse, por temor de que, ao fazê-lo, se fosse associado aos mortos. Até que um grupo de mulheres se reuniu, enterrou-os e deu à despedida a dignidade requerida. Era a reprodução adaptada da
Antígona

, de Sófocles, em que a personagem central enfrenta o rei Creonte para enterrar o irmão, Polinice, contra a proibição do mandatário de Tebas.

Foi a chave para que a conferencista entendesse a "dimensão da tragédia colombiana", como explicou Silvia Castrillón, presidente da Associação Colombiana de Leitura e Escrita (Asolectura) a um grupo de 50 professores brasileiros que visitou Bogotá entre os dias 16 e 21 de agosto, como resultado de um intercâmbio promovido pelo Instituto C&A, em parceria com a Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) e com as secretarias municipais de Paraty (RJ), Rio de Janeiro e São Paulo, além da secretaria estadual do Rio Grande do Norte e do Instituto de Desenvolvimento da Educação (RN). O intercâmbio decorreu do Concurso Escola de Leitores, ação que integra o Programa Prazer em Ler, do Instituto. Os professores que foram à Colômbia representavam as 22 escolas ganhadoras do concurso, cuja premiação contemplou ainda verbas para a continuidade dos programas e prevê a publicação das experiências em livro.


Terra das bibliotecas


A escolha da Colômbia não foi fortuita. Por um lado, trata-se de um país com realidade próxima à brasileira, com grandes carências e contrastes sociais, necessidade de dar um passo à frente na qualidade da educação e um imaginário marcado pela questão da violência; por outro, tem firmado uma imagem internacional de apoio à leitura, decorrente de ações institucionalizadas pelo poder público a partir de pressão de movimentos sociais e de entidades como a Asolectura. Desse processo resultou a constituição de redes de bibliotecas públicas como a do Banco da República, liderada pela mais antiga do país, a Luís Angel Arango, cabeça de uma teia nacional formada por 19 bibliotecas, cinco centros de documentação e quatro áreas de gestão cultural, cobrindo 28 cidades. Já a Red Capital de Bibliotecas Públicas de Bogotá (
Bibliored

) tem 20 unidades fixas e uma móvel, o Bibliobús. Entre as 20, quatro são de grande porte, seis locais e outras 10 comunitárias.

Nos quatro dias de atividade, os brasileiros visitaram duas das grandes bibliotecas, uma local e três escolares. A rede pública de ensino de Bogotá, com 360
planteles

(escolas-polo que congregam outras unidades menores), conta atualmente com cerca de 120 bibliotecas, entre recém-construídas e outras de colégios mais antigos. Algumas foram edificadas em colégios que lembram os Centros de Educação Integrada (CEUs) paulistas. A Escola Gustavo Rojas Pinilla, por exemplo, inaugurada em 2008, tem uma área total de 9 mil m2 e 6 mil m2 de área construída, com investimento de 20 bilhões de pesos colombianos (cerca de R$ 20 milhões). O dinheiro é resultante de convênio com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Estão planejadas 120 escolas do gênero, das quais apenas 50 estão de pé.
 

Experiências em contraste


Se a princípio ficaram impressionados com a suntuosidade da Virgilio Barco, unidade central da
Bibliored

, ao longo dos dias os professores brasileiros foram identificando não só práticas muito similares às que desenvolvem em seu cotidiano, como também dificuldades e questões conceituais próximas às que permeiam seu trabalho.

Lílian Magalhães de Oliveira, 31 anos, docente da Escola Municipal Professor Affonso Várzea, no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, sentiu a proximidade antes de partir. Com uma ironia tipicamente brasileira, ouviu gracejos sobre de que tipo de intercâmbio participaria. Afinal, era alguém que saía de um local consagrado pelo tráfico de drogas para um país que ficou marcado pela mesma questão.

Na Biblioteca Parque El Tunal, ao sul de Bogotá, o tema da violência veio à baila. Indagado sobre como trabalhava a questão com a comunidade, o jovem diretor Róbinson Infante disse que a opção era por não enfatizar o tema, tão presente no cotidiano, e fazer do espaço público como que um respiro para a população. Lílian, que acaba de ler
Invictus

(Sextante, 2009), livro de John Marlin que deu origem ao filme homônimo de Clint Eastwood, reflete visão semelhante: em sua escola, o projeto político-pedagógico visa a trabalhar as ideias da paz e do convívio tolerante o que, diz, faz com que não haja violência interna. Segundo ela, neste ano, com as obras do Programa de Acelaração do Crescimento (PAC), cessaram os episódios de violência como aqueles em que traficantes obrigavam os professores e crianças a ficar em casa. Mas, cá como lá, o tema permanece no imaginário, à espera de elaboração. Exemplo disso estava em uma exposição de tapeçaria na entrada da biblioteca. Nas obras, referências a sequestros, deslocamentos forçados e várias representações da guerra, entranhadas na vida colombiana. Assim como no Alemão.

Também na periferia do Alecrim, em Natal (RN), a atmosfera não é das mais auspiciosas. Assassinatos constantes, prostituição, gravidez precoce são alguns dos sintomas dos problemas sociais locais. Por isso, Maristella Costa da Silva, 49 anos, coordenadora pedagógica da EE Stella Gonçalves, crê que esta seja a primeira vez que o bairro ganha destaque na imprensa por um tema que não seja a violência. Sua escola, de ensino fundamental 1, foi premiada por um conjunto de ações contra a falta de espaços especificamente destinados à leitura, questão vencida recentemente com a decisão do Conselho Escolar de priorizar uma sala para essa finalidade. A medida é fruto da constatação de que as ações de leitura, que percorriam as ruas com a oferta de acervo para empréstimo e a realização de saraus e encontros com escritores, aproximaram famílias e escolas, fazendo com que pais com pouca ou nenhuma instrução passassem a valorizar os livros.

O caminho é bastante parecido com o trabalho institucional das bibliotecas colombianas. Na biblioteca local La Marichuela, por exemplo, os brasileiros puderam ver o funcionário público Nelson Devia e sua mulher Nelli Fernandes lendo com o filho Christin Camilo, de 11 anos. "Vimos à biblioteca a cada 15 dias para ajudá-lo nas matérias em que ele precisa de reforço", diz o pai. A estratégia de aproximar a família está presente tanto na rede escolar como na
Bibliored

, como reforça o bibliotecário Rafael Fabrízio, do Colégio Distrital República da Colômbia, que atende 4,7 mil estudantes em suas três sedes.

Fabrizio, um dos 80 profissionais da rede escolar de Bogotá formados em biblioteconomia – os outros são designados
maestros

(professores)
bibliotecários

, ou seja, são docentes que desempenham o papel de mediadores -, revela preparo não só para lidar com as famílias, mas também para o trabalho cotidiano com as questões pedagógicas. Em sua biblioteca, há um
bibliobanco

, área repleta de livros didáticos, que são selecionados quando os professores comunicam que vão trabalhar determinado assunto. Fabrizio prepara então os
talleres

, unidades didáticas de 50 minutos que compreendem três momentos distintos para uma aula: a aproximação ao tema, a leitura comentada e a aplicação (dimensão intertextual que comporta os exercícios práticos).


Leitura literária versus instrumental


Se essa prática escolar instrumental está bem assentada no caso da biblioteca de Fabrizio, a questão da leitura literária não é consensual no país. Em visita a outro colégio, o Class, enquanto a bibliotecária-chefe e um grupo de jovens
maestros

das unidades satélites do entorno expunham aos brasileiros alguns trabalhos que associavam artes e informática à leitura, Silvia Castrillón questionou como isso se relacionava à leitura, e em especial à literária. Depois de uma tensão entre os dois grupos, a sugestão para que professores brasileiros e maestros colombianos contassem um pouco de seu dia a dia aliviou o ambiente. Em especial após a intervenção de uma jovem professora colombiana. Depois de elogiar o espaço da escola que visitava, ela disparou o alerta que conciliou as realidades: de nada adianta uma biblioteca bem montada se não houver a ação dos mediadores. Em sua escola, não havia espaço próprio, mas isso não a impedia de levar os livros aos alunos, de fazê-los interessar-se pelo acervo itinerante de que dispunha.

Luciana Pinheiro Norberto, professora de educação infantil da Emei Odiléia Botta de Mattos, na Capela do Socorro, zona sul de São Paulo, identificou-se com a fala da colega colombiana e não se sentiu distante da realidade estrangeira. "A proposta de leitura da Colômbia é bem parecida com a da minha escola. Eles apenas têm um espaço físico próprio e mais apoio institucional. Mas os acervos escolares são pequenos. Há escolas com bem mais títulos em São Paulo", resume Luciana, ressalvando que a possibilidade de organizar seu acervo ajudaria muito o trabalho.

No encontro final do intercâmbio, com escritores colombianos, os docentes brasileiros ouviram da autora de literatura infantil Yolanda Reyes aquilo que foram pressentindo ao longo da visita. Apesar dos bons espaços dedicados ao livro, a promoção da leitura ainda é desigual na Colômbia. "Não posso dar uma visão otimista. Muitas coisas mudaram, mas muitas continuam iguais. Falta trabalho sistemático. Ainda dependemos muito da dedicação dos bibliotecários." Assim como no Brasil, a abnegação é diferencial muito maior que a organização institucional.

Autor

Rubem Barros


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