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A teoria da escolha

A escolha pelo estudo nasce de dentro para fora, é um movimento de liberdade pessoal

Publicado em 10/09/2011

por Gabriel Perissé

Aprender é fazer escolhas norteadoras. Escolhas vitais. Entre as muitas que faremos, estão as escolhas de teorias que nos ajudem a compreender a realidade e a agir no dia a dia.

Teorias há para todos os gostos. Uma teoria, vivida com a máxima coerência possível, traz muitos e concretos resultados. Sejamos práticos: façamos ou adotemos teorias.

Machado de Assis escreveu "Teoria do Medalhão", conto delicioso, um diálogo entre pai e filho. O pai dá ao filho, que está completando 21 anos de idade, uma série de conselhos para que se torne ilustre membro da sociedade. Um dos maiores riscos nesta aventura para a qual o pai convida seu rebento é o de ter ideias próprias. Ter ideias próprias é perigoso. Seria desastroso para o rapaz e sua carreira. A fim de evitar que tal desgraça aconteça, algumas providências ele deve tomar. Uma das mais importantes: evitar a solidão, "oficina de ideias". Sozinho, começará a pensar, e isso é péssimo.

Outra providência: repetir frases feitas e lugares-comuns, poupando trabalho intelectual a si mesmo e aos interlocutores. Outra ainda é colecionar "sentenças latinas, ditos históricos, versos célebres, brocardos jurídicos, máximas", fazendo as necessárias citações. Citações bem decoradas dão prestígio e exigem pouco esforço.

Há centenas de teorias para sermos felizes, ou eficazes, ou santos, ou ricos… Estamos o tempo todo recebendo ofertas teóricas, às vezes com generosos descontos, brindes e amostras grátis. Em casa ou na rua, lendo um livro ou consultando a internet, na escola e fora dela, somos convidados a adotar teorias, seguir esta ou aquela doutrina (mesmo que sejam doutrinas para emagrecer cinco quilos em uma semana!), aderir a este ou àquele sistema de conceitos… ou de preconceitos.

Uma famosa teoria é aquela que manda odiar as teorias. Muitos, no campo da educação, adotam o discurso antiteórico, alegando que o importante é a prática, o fazer, o chegar em sala de aula para, apenas, "dar aula", "passar a matéria", deixando de lado questões "ideológicas", "políticas", "filosóficas". No entanto, quem é visceralmente contra as teorias (como já nos explicou Aristóteles, ao refutar aqueles que odiavam a filosofia) já está desenhando uma teoria, já demonstra possuir uma filosofia sobre a inconveniência intrínseca das teorias!


A teoria que incentiva a escolha


Uma vez que, escolhamos ou não uma teoria, estaremos sempre filiados a alguma teoria, o bom-senso ensina que precisamos aprender a escolher.

O psiquiatra norte-americano William Glasser (1925-) propõe em seu livro Teoria da escolha (Editora Mercuryo, 2001) uma ideia otimista. A de que podemos fazer escolhas satisfatórias, por piores que sejam as circunstâncias, por mais desanimadora que seja a nossa situação profissional, afetiva, econômica etc.

No cotidiano escolar, a teoria da escolha pode ser motivadora para professores e alunos. No seu livro The quality school: managing students without coercion (1990), Glasser aplica os princípios de sua teoria à relação professor-aluno.

Uma de suas considerações é que a motivação para estudar não nasce de fora para dentro. A ameaça ou a sedução com promessas de uma recompensa são instrumentos ineficazes a médio e longo prazo. De muito pouco servirão as broncas ou as pressões. A escolha pelo estudo nasce de dentro para fora, é um movimento de liberdade pessoal.

O baixo aproveitamento escolar, a repetência, o desinteresse, a indisciplina, os baixos índices de qualidade, os relatos que todos temos com relação ao fracasso de boa parte do alunado brasileiro podem ser analisados à luz da Teoria da escolha, segundo a qual nenhum ser humano é totalmente desmotivado; ninguém, no fundo, deseja o seu próprio fracasso.

Os estudantes, como todo ser humano, estão motivados a satisfazer suas necessidades fundamentais. Todo estudante tem a necessidade fundamental de aprender. Todo mundo gosta de aprender.


A escolha pelo prazer de aprender


Punições ou recompensas são insuficientes para motivar os estudantes. Porque, na verdade, todos já estamos inclinados a aprender, do primeiro ao último momento de vida. Este é um ponto fundamental da Teoria da escolha. Faz parte do nosso desejo íntimo de uma existência de qualidade que não sejamos prisioneiros do tédio. Se as aulas produzem tédio, se os trabalhos acadêmicos são insossos e enfadonhos, é natural que os alunos busquem fora da escola um aprendizado mais interessante e significativo.

Recentemente, vi de perto uma criança de 8 anos recebendo como uma de suas lições de casa a entusiasmante tarefa de escrever em seu caderno, um a um, do número 550 ao número 650. E ela começou, estoicamente, a contragosto: 550, 551, 552, 553, 554, 555, 556, 557, 558, 559, 560, 561, 562…

A uma certa altura, para não ser vítima do tédio que estava a ponto de devorá-la, a criança levantou a cabeça e disse ao seu pai, com um sorriso: "Pai, será que já não tem um site com esses números? Depois a gente passa o link para a professora!"


* Gabriel Perissé


(



www.perisse.com.br



) é doutor em Filosofia da Educação (USP) e professor do Programa de Mestrado/Doutorado da Universidade Nove de Julho (SP)

Autor

Gabriel Perissé


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