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Pimentas na inteligência

Pouco se faz referência à importância da educação do olhar

Publicado em 10/09/2011

por Rubem Alves

Pimentas são frutinhas coloridas que podem provocar incêndios na boca. Há ideias que se assemelham a elas: podem incendiar os pensamentos. Nietzsche era especialista em ideias incendiárias. Um eremita que vivia na floresta, ao ver Zaratustra descer das montanhas para as planícies, percebeu que ele estava a fim de pôr fogo no mundo com suas ideias. Zaratustra sabia que elas queimavam e que muitos, ao lê-lo, “
pensariam que estavam devorando fogo e queimariam suas bocas

“.  Mas, para provocar um incêndio, não é preciso fogo. Basta a brasa, um único pensamento…

 Van Gogh tem uma tela que representa essa cena: o pai, jardineiro, interrompeu seu trabalho, está ajoelhado no chão, com os braços estendidos para a criança conduzida pela mãe. O rosto do pai não pode ser visto. Mas ele está sorrindo. O rosto-olhar do pai diz para o filho: “Vem. Quero que você ande”. É o desejo de que a criança ande que a incita ao aprendizado de algo que não pode ser ensinado com exemplos ou palavras. Aquele pai agachado, braços estendidos, não é uma linda imagem para o educador? A primeira tarefa da educação é ensinar a ver: assim Nietzsche resumiu sua filosofia da educação. É através dos olhos que as crianças tomam contato com o assombro do mundo. Os olhos têm de ser educados para que a alegria aumente. As crianças não veem “a fim de”.  Seu olhar não tem objetivo prático. 

Educar é mostrar a vida a quem ainda não a viu. O educador diz: “Veja!”- e ao falar, aponta. O aluno olha na direção apontada e vê o que nunca viu. Seu mundo se expande, fica mais rico interiormente e permite sentir mais alegria e dar mais alegria, razão pela qual vivemos.

Já li muitos livros sobre psicologia da educação, sociologia da educação, filosofia da educação, didática – mas, por mais que me esforce, não consigo me lembrar  de qualquer referência à educação do olhar, ou à importância do olhar.


O sentido está guardado no rosto com que te miro

” (Cecília Meireles). Não te miro com os meus olhos. Te miro com o meu rosto. É o rosto que desvenda o mistério do olhar. O rosto da mãe revela à criança o segredo do seu olhar. O rosto da criança revela à mãe o segredo do seu olhar.  E o rosto do professor revela ao aluno o segredo do seu olhar.


O meu lábio zombeteiro faz a lança dele refluir

“. (Adélia Prado). Lança? Metáfora para o falo ereto. Mas o lábio zombeteiro  transforma a lança em macarrão cozido…  A lança, humilhada,  se  encolhe, torna-se incapaz do ato do amor. Há uma relação metafórica entre a lança fálica e a inteligência.

Como a lança fálica, a inteligência ou se alonga e levanta para o ato de conhecer, ou se encolhe, flácida e impotente. O olhar de um professor tem o poder de fazer a inteligência de uma criança ficar ereta ou flácida… O lábio zombeteiro do professor faz a inteligência do aluno refluir.

 “Formatura”: “formar” é colocar na forma, fechar. Um ser humano “formado” é um ser humano fechado, emburrecido. Educar é abrir. Educar é “desformar”. Uma festa de “desformatura”…


Rubem Alves


Educador e escritor



rubem_alves@uol.com.br

Autor

Rubem Alves


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