Pesquisa divulgada pela Fundação Getulio Vargas aponta a falta de interesse como o principal motivo da evasão escolar no país
Publicado em 10/09/2011
Ao contrário do que se acreditava, a evasão está mais ligada ao desinteresse que à necessidade de trabalhar |
O jovem olha para o papel, para a lousa, para o professor e não se sente conectado ao universo escolar. O resultado? Desinteresse. Esse foi o maior motivo de abandono dos bancos escolares segundo a pesquisa "Motivos da evasão escolar", realizada pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e divulgada em abril. A falta de interesse representou 40,3% das justificativas dadas pelos jovens, entre 15 e 17 anos, para deixar de lado os estudos, ficando à frente até mesmo da necessidade de trabalhar para ajudar a família (que foi de 27,1%). O estudo cruzou dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2004 e 2006, além de mencionar também informações da Pesquisa Mensal do Emprego.
Para Carlos Artexes, diretor de concepções e orientações curriculares da Secretaria de Educação Básica do MEC, o resultado da pesquisa não é surpresa: "Temos consciência de que o abandono no ensino médio acontece, principalmente, porque o estudante não encontra significado no estudo", afirma. Para ele, um dos principais motivos para esse cenário é o fato de as pessoas serem muito utilitaristas: "Elas não veem a educação como meio, mas como fim do processo de formação. O que é um grande equívoco", diz. Isso, na sua visão, não redime as instituições de ensino de culpa: "A escola também precisa se aproximar dos sujeitos reais e atualizar seu conhecimento. É preciso garantir a essência da escola, que é aquisição e democratização dos saberes".
Pela pesquisa, em 2006, 2,7% das crianças e adolescente entre 10 e 14 anos estavam fora da escola, índice que subia para 17,8% na faixa entre 15 e 17 anos, a faixa etária do ensino médio. Foi para se aproximar dos alunos de carne e osso, como sugeriu Artexes, que a professora de educação física Luci Beatriz Zelada Duartes iniciou trabalho pessoal de combate à evasão escolar em 1997, que depois foi encampado pela Secretaria Municipal de Educação de Santa Maria (RS). Com sua motocicleta, passou a visitar alguns de seus alunos evadidos. Além da necessidade de trabalhar, da grande distância entre a casa e a escola, entre outros, o desinteresse já era apontado com frequência como motivo para a evasão. Em conjunto com pais, professores, conselhos tutelares, o projeto ganhou corpo e longevidade, estendendo-se até 2006. A atual gestão municipal pretende retomá-lo ainda neste ano.
Para incentivá-los a voltar a estudar, ofertou-se aos jovens um conjunto de atividades extracurriculares, como aulas de canoagem, futebol, além da oportunidade de se inscrever como aprendizes em empresas da região. Para frequentar as atividades, o aluno não poderia faltar às aulas. Além desse empurrãozinho, houve outra mudança importante, na avaliação de Luci: "Conseguimos que os professores se comprometessem a mudar a aula convencional por uma mais atrativa", conta. Até salas temáticas foram criadas para apoiar os docentes. "É preciso criar novidades sempre e ter o compromisso de se adaptar ao habitat do aluno", conta.
"A escola não está inserida na realidade do aluno", alerta a assistente social Andréa Gomes Leite, que, no outro extremo do país, em Alagoas, também está envolvida em trabalho semelhante ao de Luci. Andréa é coordenadora do Projeto Ficai (Ficha de Comunicação do Aluno Infrequente), ligado à Secretaria Estadual de Educação de Alagoas e idealizado pelo Ministério Público daquele estado. O programa abrange todas as escolas do estado e de 36 municípios no combate à evasão e existe desde 2001.
Para Andréa, o problema é tão sério que tem gerado outros, como por exemplo um que não apareceu na pesquisa da FGV: a "evasão" de professores. "Os docentes têm pedido cada vez mais licenças. São muitos os pedidos de dispensa. Identificamos que isso é sintoma de falta de entusiasmo", diz.
Obrigação de ser atrativa
Diante de um cenário tão adverso, a busca pelo entusiasmo perdido dos dois lados do banco escolar desemboca, às vezes, no exagero. A ponto de alguns educadores almejarem que a escola se transforme tão só num espaço de aulas criativas e de fruição prazerosa – o que pode ser um engano. "A escola também é um lugar de esforço. Estudar dá trabalho, isso não pode ser ignorado", analisa Carlos Artexes, do MEC. "Apoiar-se só no lado lúdico desvia a função social da escola", explica sobre o conceito original da escola, que é de aquisição e democratização dos saberes.
"O ensino de inglês, por exemplo, não tem necessariamente que ser tedioso, mas é difícil torná-la tão interessante quanto o do ciclo do sapo", exemplifica Daniel Willingham, psicólogo cognitivo da Universidade de Virgínia (EUA), que acabou de lançar o livro
Why don’t students like school?
(em tradução literal: Por que os estudantes não gostam da escola?) – ainda sem publicação no Brasil. Ele propõe novas maneiras de pensar a forma de dar aulas.
Por seis anos, Willingham tem respondido a dúvidas de professores americanos. O tema que desperta bastante interesse são dicas e conselhos para fazer o conteúdo atingir em cheio os vários alunos com todos os tipos de percepção. "Qualquer assunto pode ser chato ou interessante, depende de como ele é manuseado. Problemas que não podem ser resolvidos, ou, ao contrário, são fáceis demais não têm graça. Mas um que proponha um desafio plausível – esses as pessoas acham intrigantes. O desafio dos professores é achar maneiras de apresentar aos estudantes problemas que tenham graus corretos de dificuldade para cada aluno", explica, em entrevista à
Educação
.
O especialista também defende "que aprender a aguardar pelas recompensas – ou seja, fazer algo chato para mais tarde atingir algo prazeroso – é, em parte, uma qualidade". O pensamento é compartilhado com as coordenadoras dos projetos mencionados: nos dois citados, os alunos são estimulados a participar de atividades fora da sala de aula com a condição de não faltar ao curso regular.
Nesse caso, o curso fecha o ciclo se houver, além desse estímulo, também um esforço para mudanças na grade curricular, ou mesmo só um interesse maior por parte do professorado para atingir a totalidade das mentes sob sua orientação.
Rede de problema |
Isso significa que o verdadeiro desafio para os docentes está em ter estudantes com diferentes níveis de preparo e não diferentes níveis de interesse. Se os alunos têm níveis de conhecimento muito diferentes em ciências, por exemplo, um plano de aula adequado para um estudante pode ser muito difícil para outro, que vai achar a aula chata.
|