Definição de indicadores de avaliação próprios, aferidos por meio de autoavaliação, promete melhorar a reflexão dos profissionais sobre suas práticas
Publicado em 10/09/2011
As escolas de educação infantil contam com um novo instrumento para avaliar a qualidade do ensino. Trata-se dos "Indicadores de Qualidade na Educação Infantil", lançado no início de maio pelo Ministério da Educação (MEC).
O diferencial do documento, que está disponível para download na internet desde o dia 15 de maio, é oferecer às instituições de ensino públicas e conveniadas um referencial com base no qual elas possam repensar e avaliar o processo educacional, explica a coordenadora-geral de Educação Infantil da Secretaria de Educação Básica do MEC, Rita Coelho.
"O objetivo é dar condições para que toda a comunidade escolar se enxergue e se questione sobre a qualidade da educação ofertada", diz Rita. Ele também pode funcionar como uma referência para os pais, que poderão solicitar às instituições o resultado da autoavaliação, a fim de conhecê-la melhor, segundo a coordenadora.
Antes de tomar o formato final, o roteiro foi testado, num processo que contou com a participação de vários atores da área da educação infantil. Para chegar a uma minuta do documento foram realizadas reuniões, em várias partes do país, com educadores, professores universitários, docentes de Educação Básica, pessoas que trabalham em organizações nãogovernamentais, prefeituras, movimentos sociais em diversas partes do país, descreve a pesquisadora da Fundação Carlos Chagas e professora da PUC-SP Maria Malta Campos, que também é presidente da Ação Educativa.
Finalizada a primeira versão, o roteiro foi testado em algumas escolas, num processo que contou com a participação dos pais e das crianças, inclusive, como ocorreu no Ceará, possibilitando identificar elementos que elas associam à qualidade, assim como aspectos que valorizam e aqueles de que não gostam.
A pesquisadora e professora da Universidade Federal do Ceará Silvia Helena Vieira da Cruz participou da testagem em seu estado e conta que as crianças ressaltaram como positivo o fato de haver brinquedos e brincadeiras e as atividades lúdicas, como assistir a filmes, ouvir música e histórias e cantar. "As crianças da creche municipal e da conveniada incluíram as refeições entre as justificativas para gostarem da creche e, em duas instituições, também destacaram o aspecto estético." Em contrapartida, reclamaram dos castigos e recriminações feitas pelos professores.
A escuta de todos aqueles direta ou indiretamente envolvidos na educação infantil foi importante, explica Vital Didonet, da Organização Mundial para a Educação Infantil, para obter um juízo mais amplo e colher sugestões. Isso foi necessário porque, continua ele, "a concepção do modelo de avaliação da qualidade (que inclui os indicadores em si e também os passos de verificação, planejamento, correção) abrange todos os personagens que estão ligados à educação das crianças".
Além de envolver vários tipos de atores, o roteiro contempla indicadores agrupados em sete dimensões relativas a processos direta ou indiretamente envolvidos na educação das crianças – planejamento institucional; multiplicidade de experiências e linguagens; interações; promoção de saúde; espaços materiais e mobiliários; formação e condições de trabalho das professoras e outros profissionais; cooperação e troca com as famílias e participação na rede de proteção social.
O documento também propõe algumas estratégias para viabilizar os encontros e reuniões com a participação da equipe da escola e a comunidade, para realizar a avaliação. A ideia é que, a partir dos indicadores propostos, todos os envolvidos – direção, corpo docente, pais/responsáveis – possam identificar os pontos falhos e as qualidades do processo educacional ofertado pela instituição, definindo prioridades para melhorias.
"Como a discussão se dá a partir de perguntas feitas sobre itens bem específicos de cada um dos aspectos enfocados, as dimensões da qualidade, todas as pessoas envolvidas são levadas a refletir sobre temas muitas vezes desconsiderados por elas", explica Silvia, da Federal do Ceará. "Por exemplo, detalhes sobre o espaço e os materiais disponíveis."
Vital Didonet enfatiza os efeitos positivos que o processo pode produzir sobre os pais, principalmente aqueles que têm uma expectativa "baixa" ou "distorcida" dos objetivos e possibilidades de desenvolvimento e aprendizagem na educação infantil – por exemplo, aqueles que acreditam que aprender a escrever o nome é o mais importante e suficiente na escrita.
"Participar da avaliação da qualidade, com um instrumento que tem várias dimensões e dezenas de indicadores, é uma experiência pedagógica que vai ajudá-los a ampliar sua visão e o conhecimento da potencialidade de aprendizagem de seus filhos e da riqueza de experiências e de construção do conhecimento oferecida pela instituição de educação infantil", analisa. Ou, nos termos da pesquisadora Silvia: "Vai ficando claro, para uma mãe que se contentaria com a alimentação, a higiene e algumas "tarefinhas", que a creche e a pré-escola podem ser muito mais".
Se, de um lado, a autoavaliação se configura como algo positivo no sentido de levar à reflexão e à conscientização, de outro, implica desafios. Para Maria Malta, o processo de construção dos Indicadores demonstrou que eles efetivamente provocam uma reflexão. "Verificamos que, quando há uma abertura da equipe para essa discussão sobre a qualidade do trabalho educativo que realizam, a proposta funciona muito bem e o roteiro contido no documento estimula e sugere questões sobre as quais muitas vezes a própria equipe não havia pensado", afirma.
Em contrapartida, seu impacto efetivo sobre a qualidade ainda é uma incógnita. "Só a prática responderá adequadamente", prevê Didonet. Mas, enfatiza, "é preciso começar para corrigir, aperfeiçoar, fazer as adequações que a experiência for ditando".
Além disso, é preciso considerar que esse processo ganha mais relevância quando se considera que o reconhecimento da educação infantil, como uma das etapas da Educação Básica, é relativamente recente – até 1988 sua responsabilidade constitucional era da área da assistência social. "Essa mudança está em processo e por isso existem muitas dimensões envolvidas na educação infantil que ainda não são consideradas como tal", analisa a coordenadora de Educação Infantil do MEC.
Como se trata de uma autoavaliação, a ideia é que os resultados sejam utilizados pela própria escola no processo de planejamento e de definição de prioridades. Ou seja, não serão feitas análises por parte do Ministério. "Não cabe ao MEC fazer uma avaliação externa, isso é responsabilidade das redes de ensino, já que os sistemas são autônomos", explica Rita.
Inicialmente, foi produzida uma tiragem de 5 mil exemplares, mas no final de 2009 o MEC vai distribuir os Indicadores a todas as escolas de educação infantil públicas e conveniadas. O documento pode ser consultado e baixado nos seguintes endereços de internet:
www.mec.gov.br
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www.acaoeducativa.org.br
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www.fundacaoorsa.org.br
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www.unicef.org.br
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www.undime.org.br
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