Número de professores temporários não é consensual no país; perfil de atuação, salário e critérios para contratação também são variados
Publicado em 10/09/2011
Professor em sala de aula, em Camboriú (SC): precariedade marca as relações dos docentes temporários |
Pelo menos um em cada cinco professores brasileiros é contratado em caráter temporário. Mais: há estados, como Mato Grosso, em que 95% dos docentes estão nesta situação. Um levantamento realizado pela reportagem da revista Educação junto às secretarias estaduais revelou, além do número expressivo, a falta de clareza sobre os dados efetivos de temporários no país. Isso porque a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) fez, em março, o mesmo mapeamento, levando em consideração informações fornecidas por sindicados filiados à instituição. Apesar de o universo considerado ser o total de professores das redes de ensino estaduais, aposentados inclusos, há discrepância enorme entre os números. É o caso, por exemplo, do Estado do Maranhão. A CNTE diz que há 25 mil professores temporários de um total de 98 mil docentes. Mas, segundo a secretaria estadual, o número é outro: são 8.681 temporários de 36.969 docentes.
"É uma contabilidade difícil de ser feita", reconhece o secretário de Educação de Taboão da Serra e presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE), César Callegari. Ele explica que os temporários existem porque não há como abrir concurso para novos professores, sendo que os efetivos estão afastados por licença médica ou gravidez, por exemplo. "O que eu vou fazer quando a professora afastada voltar da licença-maternidade?", questiona. Vanessa Guimarães Pinto, secretaria estadual de Educação de Minas Gerais, concorda com Callegari. Dos 166.462 mil docentes do estado, 26.732 são temporários, segundo a secretaria. Destes, 13 mil estão afastados por licença médica ou aguardam o tempo necessário para se aposentar (período que varia entre 6 e 8 meses). "Apesar de afastados, são professores ativos. Não posso liberar essas vagas", explica Vanessa. O restante dos temporários é contratado para lecionar as novas disciplinas obrigatórias, como sociologia e filosofia, no caso do ensino médio. "Os temporários vão ser sempre necessários porque o país nunca terá professores suficientes nessas disciplinas", afirma.
Nas regiões mais remotas de Minas Gerais, em que há carência de professores licenciados, também há engenheiros, farmacêuticos e pedagogos lecionando em sala de aula. Vanessa considera a opção pelos temporários como uma economia para o estado. Na capital, Belo Horizonte, há três professores para duas vagas – assim, há sempre uma pessoa excedente na equipe. A secretária estadual considera que o formato adotado por Belo Horizonte representaria uma despesa a mais para o Estado. Mas, ao mesmo tempo, diz que sua pasta não economiza com os temporários, já que o processo de treinamento e capacitação desses profissionais é constante.
O estado que concentra o maior número de temporários em relação aos efetivos é o Mato Grosso: são 10.700 para 11.200 do total de docentes, segundo a própria secretaria. Os dados do CNTE são outros: 5 mil temporários em um total de 26 mil professores. Para explicar os próprios números, o secretário de Educação Ságuas Moraes diz que há municípios em que só há uma escola. Como a carga horária máxima de um professor no estado é de 30 horas/aula semanais, quando a escola precisa de mais horas, chamam-se os temporários. "Uma escola que necessita, para todas as suas turmas, de 70 horas de história, tem de contratar um temporário para pegar as 10 horas restantes", diz. Cerca de 6 mil professores exercem essa função no estado. O restante cobre licenças médicas e afastamentos por aposentadoria. Ságuas diz que há caso de professores que trabalham na divisa entre Mato Grosso e Goiás, e que lecionam 15h semanais em uma escola, em um estado, e 15h semanais em outra, no outro. "Gostaríamos de realizar outro concurso, mas levantar o número de vagas livres é difícil", diz.
Precariedade
D.T.B. é uma professora da rede estadual de São Paulo que lecionava, até o final do ano passado, na cidade litorânea de Santos. Desde dezembro, ela não é chamada por nenhuma escola para dar aulas como eventual. O desânimo é tanto que desistiu de esperar por aulas em Santos, onde morava: já se inscreveu em escolas no bairro de Interlagos, zona sul de São Paulo, esperando pela falta não programada de docentes. Em São Paulo, há temporários de dois tipos: os Ocupantes de Função Atividade (OFA) e os eventuais. Os OFAs já começam o ano letivo com aulas atribuídas, pois substituem aqueles professores com licenças programadas. O salário de um OFA é, segundo a secretaria de educação, o mesmo de um efetivo: R$ 1.819,63 para 40 horas semanais. O problema, segundo o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial de São Paulo (Apeoesp), é que, na prática, tanto o efetivo como o OFA não cumprem essa carga horária. A jornada básica de trabalho de um professor é 30h – o período cai para 24h no início de carreira. Ainda de acordo com a Apeoesp, quem trabalha 40h são os diretores, supervisores, vice-diretores e coordenadores.
O caso dos eventuais é mais complicado. Eles podem se inscrever diretamente nas escolas para receber atribuição de aulas, como D.T.B. fez no início de março, ou serem chamados diretamente pela rede de ensino. Um professor eventual de Educação Básica 1 ganha, de acordo com a Apeoesp, R$ 6,50 hora/aula. Já o eventual de Educação Básica 2 recebe R$ 7,60 hora/aula. Esse tipo de vinculação dos docentes às secretarias estaduais – os eventuais aparecem em outros estados brasileiros – cria problemas sérios em sala de aula. D.T.B. relata que, além da falta de vínculo com os alunos, resultante da alta rotatividade da função, o desrespeito acaba aparecendo entre os próprios estudantes. "Eles dizem: ‘vou te respeitar por quê? Você não é minha professora, é só uma substituta’", lembra.
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O mapa dos professores temporários no Brasil
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"O aluno percebe que esse professor é um tapa-buracos", afirma José Marcelino Rezende Pinto, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP de Ribeirão Preto. Ele identifica um movimento interessante no estado. As escolas de bairros mais ricos têm um número maior de professores efetivos. Já as periféricas têm mais temporários. "É como um vestibular: os que saem em primeiro lugar vão para medicina. Os temporários, em especial os eventuais, pegam essas aulas porque elas somam pontos. O sistema dá preferência a quem tem mais tempo dando aulas", diz.
Um perfil
Há estados brasileiros que exigem, como critério para seleção dos temporários, o tempo de serviço. Por isso, Marcelino Rezende afirma que eles desejam somar pontos: quanto maior o tempo de serviço, maiores as chances de o professor ser chamado. Além de São Paulo, Minas Gerais é um desses estados. Lá, além do tempo de serviço, conta também a titulação. O problema é que ela varia de acordo com a realidade local: se todos os inscritos só tiverem ensino médio, essa será a titulação máxima. No Acre, estado em que os números da CNTE diferem do levantamento da secretaria estadual – 9% e 28% de temporários, respectivamente -, os critérios para seleção são, além do diploma em ensino superior, a participação em processo seletivo, com entrevista e análise de currículo. Um professor temporário ganha, naquele estado, R$ 1.256, para 25 horas/aula semanais (R$ 12,56 por hora). Remuneração bem diferente tem o professor temporário de Pernambuco. Ali, para uma carga horária de 200 horas/aula mensais, o salário é de R$ 824,00 (R$ 4,12 por hora). Esses docentes devem ter licenciatura plena para atuar em projetos especiais, como os de redução da defasagem idade/série. A seleção acontece por meio de análise de currículo, comprovação de experiência em sala de aula e existência de cursos de especialização.
No Maranhão, o salário é igualmente inferior: um temporário com nível superior recebe R$ 693,11; com 50% do curso de licenciatura completo, o salário é R$ 517,21; o nível médio corresponde a R$ 465,00. A secretaria estadual local não especificou a carga horária relacionada a cada faixa salarial. Para dimensionar quão variado é o cenário nesse quesito, no Distrito Federal um professor temporário que leciona no segundo ciclo do fundamental recebe R$ 15,54 a hora/aula, podendo receber até R$ 2.802.90 se trabalhar 40 horas por semana. Na capital, o candidato passa por um processo de seleção, com uma prova objetiva, de caráter eliminatório e classificatório, e avaliação de títulos e de experiência profissional.
Foi exatamente a instituição de uma prova seletiva o fator que causou o recente impasse entre a Apeoesp e a secretaria estadual de São Paulo – após o anúncio de que os temporários deveriam participar de uma prova, que avaliaria os conhecimentos nas áreas pleiteadas. Os candidatos com a melhor classificação usariam a nota como um dos critérios para atribuição de aulas em 2009. A Apeoesp moveu uma ação civil pública contra o Estado, alegando irregularidades na avaliação: algumas diretorias de ensino teriam vazado o gabarito da prova. A juíza Maria Gabriela Pavlópoulos Spaolonzi, da 13ª Vara Cível, determinou, então, a suspensão da prova, por considerar que ela desprestigiava os professores mais antigos, especializados nas disciplinas que lecionam. "São Paulo é uma incógnita e um exemplo que o país não deve seguir. Principalmente por algo que vem sendo questionado agora. Há professores que atuam há 25 anos como temporários", alega Denílson Costa, secretário-geral da CNTE e responsável pelo levantamento dos números dos temporários no país.
Ele identifica situações que explicitam a marginalização desses profissionais: há professores no Brasil que não recebem a hora de trabalho pedagógico coletivo, mais conhecida por HTPC. É o caso do Mato Grosso, que paga R$ 1.450 para os temporários, teoricamente o mesmo salário dos efetivos. A diferença é clara e assumida pelo secretário Ságuas: os efetivos trabalham 30h, mas ganham 10h de HTPC. Os temporários trabalham as 30h corridas. "O temporário trabalha direto, em sala de aula, 10 horas a mais que o efetivo, tendo que arcar com o tempo em que realiza os trabalhos da HTPC", aponta Gilmar Soares Ferreira, presidente do Sindicato dos Trabalhadores do Ensino Público de Mato Grosso. Outro problema identificado em relação aos temporários é que não há planos de carreira. A cada final de ano, são demitidos para serem recontratados no início do próximo. No caso dos eventuais, não há qualquer tipo de planejamento: apenas cobrem faltas e são dispensados. Um professor que cobre licenças de qualquer tipo de um efetivo em Minas Gerais e ganha R$ 850 mensais por 24 horas de trabalho semanais não pode, portanto, mudar de nível em sua carreira.
Para Marcelino Rezende, da USP, os temporários simbolizam uma tradição ruim do sistema educacional brasileiro, já que são mantidos pelo governo em uma situação de instabilidade que aparentemente não tem fim. Gilmar, do sindicato mato-grossense, lembra que quem perde é a escola, porque não pode contar com um conjunto de profissionais efetivos com disponibilidade para trabalhar o projeto político-pedagógico da instituição. Mas é dela que poderia partir a solução para acabar com esse quadro. É o que sugere a professora de Política e Organização da Educação Básica na Unifesp, Maria Angélica Minhoto. Para ela, os governos estaduais devem descentralizar o processo e dar autonomia às escolas para que elas estabeleçam de quantos professores precisam. "O candidato prestaria concurso para ser professor do estado de uma determinada escola. O vínculo seria dado nesse momento. O próprio sistema exige a existência dos temporários. Eles não seriam forasteiros se pudessem ficar", diz.