Depois de registrar a menor taxa média de inadimplência dos últimos anos em 2008, escolas particulares se preparam para enfrentar os efeitos da recessão mundial
Publicado em 10/09/2011
|
|
Até que ponto a atual crise econômica mundial pode afetar o mercado brasileiro e, por conseqüência, as escolas privadas do país? Ainda sem resposta para essa questão, o setor de ensino privado paulista, que em 2008 teve a menor taxa de inadimplência em sete anos (8,64%), segundo dados do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado de São Paulo (Sieeesp), vive um momento de apreensão à espera daquilo que pode ocorrer em 2009. Porém, a expectativa de aumento que havia no final de 2008 não se confirmou. Ao contrário. Houve queda de 0.27 ponto percentual em relação a 2007.
De mãos atadas, cabe ao setor educacional o desafio de melhorar a gestão financeira e se precaver contra a ressaca da inadimplência, especialmente em tempos de margens de lucro mais estreitas, concorrência crescente e pressão por mais produtividade.
Uma pesquisa realizada pela Acerplan Assessoria e Consultoria Educacional junto a 162 instituições de ensino particular (76% de ensino regular, 12% de ensino livre, 12% de ensino superior) revelou que nos últimos dez anos a redução dos custos relacionados com a área operacional, tributária e contábil, chegou a 16%. O levantamento também evidenciou o impacto da folha de pagamento, que atualmente, em muitas das instituições ouvidas, supera os 48% da receita total. "Se considerarmos a seguinte composição financeira e econômica: 50% de folha de pagamento, 18% de carga tributária, 15% de despesas operacionais e não operacionais, 5% referente a bolsas e gratuidades e 5% de inadimplência, sobram 7% de lucratividade, reservas e provisões", contabiliza Marino Menossi Júnior, diretor da Acerplan. "A situação atual não remunera investimento, capital e trabalho", afirma.
Ao contrário, o diretor da Acerplan ainda destaca as tendências dos indicadores econômicos e financeiros para 2009, que incluem aumento da inadimplência, aumento real da folha de pagamento, falta de conhecimento e vontade do governo em desonerar tributos para o setor educacional, clientes mais exigentes com relação às anuidades e mensalidades propostas. Tudo isso catalisado pelo atual panorama de desconfiança e insegurança, que deve se estender pelo setor educacional ao longo deste ano, diante da crise econômica mundial.
Thaís Kurita, advogada do escritório de consultoria jurídica NP&A Advogados, acredita que, com a crise, a busca aos escritórios de advocacia por parte dos pais inadimplentes deva aumentar. "Todos os pais que têm filhos em escolas particulares sabem – muitas vezes sem grandes detalhes – que, mesmo inadimplentes, seus filhos não podem ser impedidos de freqüentar as aulas", destaca, acrescentando que essa é uma posição pacífica dos órgãos de defesa e proteção do consumidor, tais como o Idec e o Procon. "Em razão disso, a escola acaba sendo uma das primeiras contas que deixam de ser pagas", aponta.
O cenário preocupa os gestores de escolas particulares, ainda que o aumento da inadimplência não se tenha de fato configurado. "O fim de ano é época de renovação de matrículas e um período em que os pais procuram a escola para fazer acordos comerciais e quitar dívidas", conta Roberta Zocchio, diretora administrativo-financeira da Escola Pueri Domus, em São Paulo.
Há 42 anos no mercado de ensino, a partir da década de 90 o Pueri Domus passou a se preocupar com a questão da inadimplência de modo mais estruturado. "Até então as coisas eram apenas conversadas, sem um controle tão eficaz. Com a profissionalização dos processos, ganhou mais esforços, especialmente porque o impacto da inadimplência tornou-se muito mais expressivo com o aumento da concorrência e redução das margens de lucro", explica a diretora. Segundo ela, a escola utiliza atualmente um software de gestão, desenvolvido internamente por uma equipe de tecnologia.
A escola trabalha atualmente com um índice de inadimplência entre 5% e 8% ao longo do ano. "No fim do período letivo, com a necessidade de rematricular os alunos, esse nível cai a algo em torno de 3%", diz Roberta.
Na opinião da gestora, os pais da classe média brasileira priorizam a questão da educação e, por causa disso, a escola não atravessou grandes ondas de inadimplência em crises anteriores. "O índice de inadimplência em épocas de crise nunca mudou muito", afirma. No entanto, a diretora não descarta a possibilidade de a escola sentir um aumento agora. "Vamos continuar adotando as políticas de aproximação dos pais para evitar surpresas", indica.
Carlos Eduardo Ferrari, responsável pelo marketing do programa educacional Pueri Domus Escolas Associadas, que reúne 150 escolas, acredita que as escolas estão acostumadas a lidar com turbulências econômicas, e lembra que elas conseguiram crescer exatamente no momento de maior instabilidade. "Neste momento, o problema maior ainda não está na renda dos consumidores. Está na administração do fluxo de caixa das empresas. Falta dinheiro para fazer as coisas andarem", avalia, dizendo não acreditar em impactos negativos expressivos ao longo deste ano.
À espera dos efeitos
Mais apreensivo e menos otimista, Gustavo Lian, presidente do Grupo A, mantenedor dos colégios Aprendendo a Aprender, Concórdia, Horizontes Uirapuru, Pirajussara e do Liceu Santa Cruz, conta que a inadimplência mês a mês se mantém, em média, entre 10% e 15%, variando em cada uma das escolas.
A necessidade de rematricular alunos também faz encolher os níveis de inadimplência para algo em torno de 3% no fim do ano, de acordo com Lian. No entanto, o número anual exato só pode ser contabilizado em fevereiro do ano seguinte. "Talvez ainda não tenhamos sentido os efeitos da crise porque ela se instaurou no final de 2008. Quem sabe, se ela tivesse sido desencadeada em maio, por exemplo, a história agora fosse diferente, e pior", avalia.
"Isso porque as escolas, por lei, não podem suspender a prestação de serviços educacionais aos seus alunos ao longo do ano. Entretanto, podem recusar a sua rematrícula, caso haja mensalidades e dívidas anteriores pendentes", explica. Lian fica preocupado quando escuta alguma notícia, por exemplo, de demissões em massa no setor automobilístico. "Isso afeta diretamente as famílias de nossos alunos. E a nós."
A exemplo do Pueri Domus, o Grupo A também profissionalizou os processos de cobrança de pais. Para isso, contratou uma empresa terceirizada, que atua internamente nas escolas do grupo. "A relação que nós, diretores e gestores das escolas, temos com as famílias e os alunos, muitas vezes tornam as negociações muito pessoais e nos impede de firmar acordos favoráveis para o colégio", justifica Lian.
Para um grupo com margens tão enxutas e faturamento de aproximadamente R$ 15 milhões, como é o caso do Grupo A, a inadimplência de 3% pode representar perdas expressivas. "Trabalhamos com o mínimo de margem necessário, de forma que qualquer nível de inadimplência pode comprometer a qualidade dos professores e a manutenção da infra-estrutura de nossas escolas", afirma, lembrando, porém, que os planejamentos orçamentários do grupo consideram pequenas taxas de dívidas.
A preocupação com a questão da inadimplência não é exclusividade de uma minoria das escolas, e mostra que Lian não está sozinho quando o assunto é o futuro dos negócios. Prova disso é que, em outro levantamento feito pela Acerplan, a consultoria fez a seguinte pergunta às 1.205 instituições de ensino de seu catálogo (87 do ensino superior, 1.067 do ensino regular e 51 com atuação no ensino livre e outros): "Qual a previsão da inadimplência para o ano de 2008?". A inadimplência média prevista pelos entrevistados foi de 19,7% (ensino superior), 12,42% (ensino regular) e 9,7% (outros segmentos da educação). Mais preocupante do que os altos índices, é que, de acordo com Menossi Júnior, a expectativa média dessas instituições ainda subiu 26% no 2º semestre com relação ao primeiro. Motivo: a crise.
De acordo com o levantamento, 82% dos entrevistados acreditam que a inadimplência aumentará em 2009 em decorrência da crise, enquanto 14% disseram o contrário e 4% preferiram não opinar. Entre aqueles que acreditam no impacto negativo do conturbado cenário econômico sobre os seus negócios – bem como sobre a vida das famílias de seus alunos -, os principais motivos para isso incluem o aumento do desemprego, o alto endividamento desses clientes, suas prioridades de pagamento, questões de legislação e a falta de crédito no mercado.
Cadastro polêmico |
|
O Sieeesp, que possui cadastrados mais de 8.900 estabelecimentos de ensino de educação infantil e ensinos médio e fundamental no Estado de São Paulo, entende que o Cadastro Nacional de Informação dos Estudantes Brasileiros (Cineb), criado recentemente pela Confenen (Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino), com os nomes dos alunos inadimplentes das escolas particulares e cuja legalidade e validade jurídica são questionadas, não é a melhor forma de resolver o problema da inadimplência. A entidade mantém sua linha de orientação, que considera o cadastramento de inadimplentes em órgão de proteção ao crédito o melhor meio de tentar solucionar problemas desta natureza. Roberta Zocchio, da escola Pueri Domus, bem como Gustavo Lian, presidente do Grupo A, afirmam que suas instituições não consultam o Cineb para definir a admissão ou não de um aluno. Lian revela que as escolas do grupo recorrem a órgãos de proteção ao crédito e à Justiça, contra pais inadimplentes, mas apenas como última alternativa. "Nossas escolas podem submeter os nomes aos serviços de proteção ao crédito. Procuramos evitar isso, até mesmo por conta de tornar desagradável o convívio com os pais dos alunos", afirma Lian. "Apenas recorremos a isso contra aqueles que tiram os alunos da escola para não precisar acertar as contas", afirma. "Em nosso atual sistema de leis, não há como distinguir o devedor contumaz daqueles que passam por dificuldades reais. Temos, de um lado, a Confenen buscando a proteção contra os inadimplentes e, de outro, os órgãos de defesa e proteção ao consumidor clamando pela ilegalidade do cadastro-geral de devedores em estabelecimentos de ensino", observa a advogada Thaís Kurita. "Ambos têm seus justos motivos, mas apenas um deveria ter razão", afirma a especialista, acrescentando que há jurisprudência tanto em favor das escolas, quanto em favor dos pais, e que cada caso deve ser analisado individualmente até que haja leis mais claras sobre o tema. |