Ferramentas atuais para o ensino se estendem desde as novas tecnologias, como a internet, até o avanço do trabalho pedagógico feito por museus
Publicado em 10/09/2011
No Instituto Tomie Ohtake, equipe do museu orienta professores em relação à exposição, que se renova a cada dois meses |
Arte se ensina com arte. Mais de 20 anos após esse conceito ser tratado em livros como O ensino por meio da arte (Perspectiva) e Tópicos utópicos (Com Arte), ambos da professora Ana Mae Barbosa, que abordava a importância da presença da imagem no ensino do objeto artístico, a discussão atravessou a barreira do século 21 e atingiu um patamar mais alto. Entre os novos atores deste ato estão os museus, por um lado, que vêm aprofundando o trabalho de formação de professores, e as novas tecnologias, por outro, que ampliam as possibilidades da arte-educação com a oferta de ferramentas sintonizadas ao mundo digital e a possibilidade de utilização de novas formas de construção de conhecimento.
O mais atual exemplo da ampliação do alcance das ferramentas no ensino da área é a midiateca lançada pelo Instituto Arte na Escola no último mês de junho. Desde que entrou no ar no site da entidade (
www.artenaescola.org.br/midiateca
), já obteve mais de 17 mil acessos, número que tende a crescer. A plataforma, por enquanto, é uma base digital para o material pedagógico da organização, que tem como objetivo divulgar e qualificar o ensino da arte – em especial a brasileira. Já fazem parte desse banco de dados 98 materiais, os quais exploram pedagogicamente instituições, artistas, obras, teorias e publicações. A maior parte do acervo é composta pela dvdteca, conjunto de vídeos digitalizados. "A riqueza da midiateca está justamente no acesso a todo um universo de possibilidades, sem estar preso a um só material. Isso amplia as opções e permite que o professor trabalhe com diversas metodologias e abordagens. De alguma forma, queremos que ele alcance mais rápido os resultados desejados", explica Monica Kondziolková, coordenadora de Comunicação do Instituto Arte na Escola.
A equipe dedicou um longo tempo de pesquisa para avaliar a forma como os educadores costumam utilizar ferramentas de busca na hora de planejar a aula. Uma bibliotecária foi encarregada de organizar o banco de dados e, assim, para cada elemento introduzido é necessário realizar um novo estudo e criar outro universo de palavras-chave. Por isso, o trabalho ainda caminha a passos lentos, levando em conta a quantidade de conteúdo que ainda precisa ser inserido. "Esse é o primeiro passo de um longo caminho. O objetivo principal é aumentar a acessibilidade, para que o material chegue ao maior número possível de pessoas", observa Denise Grinspum, gerente-geral do instituto. Com a ampliação do público, a etapa seguinte é elaborar instrumentos feitos especialmente para o espaço da internet. "A Midiateca transformou algo físico em virtual. O que já tínhamos foi postado e adaptado, mas não foi feito para aquele tipo de ambiente. Nosso desafio é desenvolver ferramentas mais adequadas, que tenham recursos mais dinâmicos", completa.
Na prática, a iniciativa da organização centraliza referências para o ensino da arte. Duas questões essenciais, porém, tornam o material diferente do que há disponível na web. A primeira é o fato de os trabalhos serem desenvolvidos especialmente para educadores, visando a formação do profissional. "A educação continuada é nosso grande desafio. Apenas dar acesso ao material não garante que o professor terá uma proposta interessante, porque ele vai trabalhar somente com o próprio repertório. Não adianta só oferecer o conteúdo, é preciso capacitar", argumenta Monica.
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A segunda questão é a credibilidade das informações, debate constante quando o assunto é internet. "O professor pode até usar o Google, mas temos todo o material que ele procura pronto para baixar. O público sabe que é um site confiável, em que ele vai encontrar propostas interessantes", afirma Denise. Para a arte-educadora, o fato de hoje a internet ser muito utilizada faz com que se torne cada vez mais funcional. "O problema é que, por mais didática que seja, precisa de ações mediadoras para que se possa usá-la de maneira mais rica", diz.
Suportes variados
A arte-educadora Lúcia Pimentel, professora associada da Escola de Belas Artes da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e secretária- geral do Conselho Latinoamericano de Ensino de Arte, acredita que as tecnologias modernas, tais como a câmera digital, o computador e a internet, são excelentes instrumentos para ampliar as possibilidades do ensino da arte. Entretanto, pondera: "A arte sempre usou o que havia à disposição para o seu ensino. Não é possível fazer uma pintura a óleo no computador, tampouco uma pintura digital com tinta a óleo. Existe uma diferença grande, porém, do computador como mecanismo de busca ou ferramenta pura e simplesmente, para um instrumento capaz de desenvolver o pensamento em arte ou um trabalho de elaboração de uma obra de arte". Para a especialista, a informática tem um grande potencial no ensino da arte, que nem sempre é bem aproveitado. "A tecnologia faz com que produções mais complexas possam ser executadas por mais gente e com mais facilidade. Mas sua utilidade depende da maneira como será usada, pensada e do conhecimento que pode ser gerado a partir de sua aplicação", diz.
Lúcia defende que, para melhor explorar as novas tecnologias, é preciso um preparo para chegar a fontes de referência distantes no mundo físico e entender como trabalhar essas informações. Essa é a opinião compartilhada pela arte-educadora Ana Mae Barbosa. Titular aposentada da Universidade de São Paulo e professora da Universidade Anhembi Morumbi, foi pioneira no pensamento sobre arte-educação no Brasil e acompanha ativamente o desenvolvimento atual da área. "O computador veio acrescentar uma excelente gama de possibilidades. Isso é ótimo, desde que seja trabalhado continuamente com o aluno, de forma a organizar suas idéias e seus conceitos de mundo. Tenho resistência à pedagogia da oficina sem continuidade, porque o resultado do trabalho da arte vira pura brincadeira", critica.
Apesar da conclusão das especialistas de que, no ensino da arte-educação, é importante explorar as novas tecnologias não só como ferramentas, mas também como meios de formação do professor e de desenvolvimento do aluno, ainda são poucas as instituições especializadas no tema que se aproximam desse ideal. O Instituto Arte na Escola, com a midiateca e outras iniciativas, é uma das que seguem tal caminho. Entretanto, existem outros projetos abertos ao público, tanto para docentes como para estudantes, que não se propõem a trabalhar pedagogicamente conteúdos de arte-educação, mas sim a formar uma base sólida e aprofundada de referência. A partir desses ricos bancos de dados, é possível buscar informação e estruturar o plano de aula. A proposta é outra, mais independente e com um foco diferente.
Esse é o trabalho feito pelo Instituto Itaú Cultural com suas enciclopédias digitais de arte, no ar desde 2001 e em constante aprimoramento desde então. A primeira lançada foi a de Artes Visuais, que sistematiza informações sobre conceitos, obras, artistas, eventos, instituições e história do segmento. O acervo virtual, com mais de 3 mil verbetes e 12 mil imagens, está voltado para a arte ligada ao Brasil, tanto de produção nacional quanto estrangeira. Além dessa, hoje a organização já mantém as enciclopédias de arte e tecnologia, literatura brasileira e teatro. Com o sucesso da empreitada, que rende em média 400 mil acessos mensalmente, a entidade está trabalhando para lançar em 2009 as enciclopédias de dança, cinema e música.
Museu Lasar Segall, que desenvolve ações educativas desde 1985: foco na independência do professor |
O objetivo inicial do projeto era divulgar a arte e cultura brasileira para a população em geral, não especificamente professores. Mas Tânia Rodrigues, gerente do Núcleo de Enciclopédias, recebe diariamente demandas de educadores e alunos que pedem ajuda com a abordagem de determinado tema. "É bacana porque conquistou a confiança das pessoas, que procuram informações no nosso site. Nosso grande desafio é justamente atender a um público diverso, porque tentamos trabalhar com a noção de linguagem acessível para todas as pessoas e fazer com que os textos produzidos não sejam rasteiros a ponto de desinteressar especialistas, mas não sofisticados demais para a molecada", afirma Tânia. Apesar disso, as enciclopédias não pretendem servir como fonte única de dados. "Sempre oferecemos outras referências de bibliografia complementar, para as pessoas saírem dali com uma base e encontrarem outros recursos. Usar as enciclopédias sozinhas como referência não faz sentido", esclarece.
Além das enciclopédias, o Itaú Cultural mantém um núcleo de Educação Cultural, responsável pela coordenação das visitas monitoradas ao Museu da Numismática, um acervo de moedas, medalhas e condecorações luso-brasileiras. Na equipe de educadores, há pedagogos, cientistas sociais, historiadores e artistas plásticos, que não só orientam o público da exposição, mas também evidenciam questões propostas pelas obras.
Museu não é depósito
A evolução dos centros educacionais nos museus é outra parte importante no campo de mudanças recentes nas práticas arte-educativas e na relação da escola com seu entorno cultural. O trabalho do núcleo de educação do Itaú Cultural se enquadra nesse grande movimento das instituições museológicas que há tempos deixaram para trás a visão de que seu papel no ensino da arte se limita a visitas guiadas e pouco aprofundadas pelo acervo. Dentro da nova postura, os museus variam entre a produção de material pedagógico, a formação continuada de professores e a oferta de cursos voltados para o ensino da arte.
"O museu não é um lugar para guardar coisas ou para ditar normas estéticas do que é arte. O papel tem de ir muito além disso, mas as escolas ainda não aproveitam o potencial desses espaços. Os museus têm trabalhado a questão da formação continuada de professores e, por isso, têm uma função importante na construção do conhecimento em arte", avalia Lúcia. A especialista acredita que a ação dos museus ajuda também a valorizar o arte-educador, não só como alvo das atividades, mas como profissional da equipe institucional.
Ana Mae, porém, alerta para o fato de muitos museus desenvolverem ações diversas com boas propostas apenas aparentemente, mas que, no fundo, não se aprofundam nas questões do ensino da arte. Para ela, é essencial que a instituição complemente seus projetos com publicações. "Existe muito trabalho bom, mas também muita ficção. O que há de bom conseguimos avaliar por causa do material produzido. Nenhum departamento de educação em museu pode ser considerado bom se não produzir um trabalho impresso para os professores e alunos", afirma.
A Pinacoteca do Estado de São Paulo segue o conselho. Desenvolveu duas publicações, uma voltada à prática pedagógica e outra destinada ao público em geral, com o objetivo de oferecer uma visita independente. O material de apoio produzido é a base do trabalho de formação de professores, uma das iniciativas da Ação Educativa do museu, e visa aprofundar o conhecimento sobre o acervo, trazer referências de leitura, incentivar a reflexão sobre as possíveis leituras das obras e estudar como levá-las para a sala de aula. Os encontros são realizados regularmente e o material pode ser retirado no próprio museu.
Mila Chiovatto, coordenadora do Núcleo de Educação da Pinacoteca, explica que o objetivo da iniciativa é, além de qualificar a experiência do contato com a obra de arte, aumentar o perfil do público visitante. Os professores têm um papel fundamental nesse processo. "Eles são mediadores entre o museu e os alunos. Quando descobrem em si o prazer e o potencial pedagógico da obra de arte, são capazes de traduzir a mesma impressão para os estudantes", justifica. Segundo Mila, a visita educativa nos museus vem se transformando nos últimos tempos por conta de uma própria mudança da instituição museológica, que sempre teve o foco na preservação de obras e hoje se volta para outra função, a de comunicar. Nesse novo panorama, a ação pedagógica é fundamental. "O museu faz parte do processo educativo do cidadão. E se não faz, deve fazer", diz.
A visão de que o museu é um espaço dinâmico de educação e conhecimento, e não de conservação e pó, é defendida também pelo Instituto Tomie Ohtake. Com uma equipe de sete educadores, a entidade oferece diversos cursos e atividades voltadas para professores e a arte-educação. Os profissionais pesquisam constantemente o tema e novas formas de ensinar. "Apesar de a formação em artes ter se desenvolvido muito nos últimos anos, ainda é carente, e por isso as instituições culturais acabam cumprindo o papel de formação do educador. Isso é fundamental, porque a única maneira de o ensino da arte chegar de forma consistente na sala de aula é fazer um acompanhamento das práticas didáticas dos professores e investir na formação", analisa Stela Barbieri, diretora da Ação Educativa do instituto.
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A visita guiada é a menor das atividades do espaço, que recebe mais de mil pessoas por semana com seus cursos. Uma das iniciativas envolvendo as exposições é um encontro de duas horas, no qual a equipe do museu orienta em relação à exposição, que se renova a cada dois meses, e trabalha, com material pedagógico, formas de dar continuidade em sala de aula. Outro projeto é a organização de ateliês que unem diversas mostras sob um único foco. Por exemplo, uma exposição de fotografia, uma de gravura e outra de pintura, trabalhadas juntas sob a perspectiva da luz nas obras.
Outros cursos de longa duração abordam assuntos específicos, como o de introdução ao ensino da arte contemporânea (um semestre), curso de gravura (dois anos) e de formação de arte-educadores (três anos). A diversidade é compatível com o objetivo do instituto de investir no professor. "É essencial ter um professor curioso, autônomo, que estruture um planejamento que faça sentido para ele e passe pelas questões da arte", afirma Mariana Francoio, coordenadora dos educadores da Ação Educativa.
Estimular a independência do professor é também o foco do Museu Lasar Segall, que desenvolve ações educativas desde 1985. "Nossa intenção é de fazer com que o professor tenha mais autonomia, para que ele desenvolva o próprio trabalho e volte mais vezes", diz Anny Lima, coordenadora da Ação Educativa do museu. Hoje, por meio de cursos e palestras, trabalha com atividades em três planos: formação de professores, incentivo de visitas familiares e o Museu Comunidade, para grupos específicos – desde o atendimento a deficientes até o público de centros de reabilitação juvenil.
Além de oferecer cursos e apoio pedagógico a professores, o Masp (Museu de Arte de São Paulo) mantém também a Escola do Masp, um centro de ensino da introdução, fundamento, história e crítica da arte, aberto a todos os públicos. "Damos informação sobre o contexto das obras e, a partir dessa base, o professor adquire mais informação para utilizar o conhecimento em sala de aula", explica Silvia Meira, coordenadora da escola, para quem existe uma lacuna na formação em história da arte no Brasil. Por isso, diz, esse conteúdo é fundamental para a formação dos arte-educadores.
Para Ana Mae Barbosa, saber a teoria da arte faz diferença na hora de ensinar. "É muito importante o embasamento do professor. Ensinar teoria para aluno não tem o menor sentido. O essencial é levar para ver a obra de arte, os programas de televisão e os comerciais, por exemplo. Isso ajuda a desenvolver a capacidade crítica não só para a arte, mas para outras áreas", observa.
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