Sobre a descoberta do fogo e os limites da caverna...
Publicado em 10/09/2011
"Os deuses sempre acharam que os homens tinham inteligência, mas não tinham juízo. Uma pessoa inteligente sem juízo é mais perigosa que uma pessoa burra sem juízo. Por isso eles os prenderam numa caverna escura, muito grande, tão grande que parecia não ter fim. Caverna fechada, sem entradas e sem saídas. Lá dentro era frio.
Foi então que Prometeu, um semideus que não gostava muito dos deuses, teve pena dos mortais que tiritavam de frio. Valendo-se de uma distração dos deuses que estavam bêbados numa farra roubou-lhes o fogo e deu-o aos homens.
Mas Prometeu advertiu: ‘Não deixem o fogo morrer. Se ele morrer a escuridão voltará. E então não poderei ajudá-los porque não sei a arte de fazer nascer o fogo. Somente os deuses a conhecem…’". Ditas essas palavras, Prometeu desapareceu para nunca mais voltar.
Aceso o fogo, a caverna se iluminou e os homens viram pela primeira vez. Os homens atentaram para sua advertência. Trataram de alimentar o fogo sem parar para que ele não apagasse. Fizeram mais: como eram inteligentes, curiosos e mexedores, acabaram por descobrir o segredo da arte de fazer fogo que só os deuses sabiam.
Aí todo mundo queria possuir o fogo. Para que todos pudessem ter o seu fogo particular, inventaram-se as velas. Os homens e as mulheres passaram então a andar para onde iam com velas acesas nas mãos. A caverna se iluminou. Pelo poder do fogo, nasceram então a culinária, a cerâmica, o vidro, a fundição dos metais, em resumo, a civilização.
Mas os homens descobriram mais: que o fogo mora em muitos outros lugares que não a madeira. Mora no petróleo, nas quedas d’água, no vento, no carvão, nos átomos, no Sol. E o calor do fogo aumentou.
Pelo poder do fogo, as invenções se multiplicaram sem cessar, trazendo conforto e riqueza para todos os moradores da caverna. Passaram os homens então a avaliar o bem-estar dos habitantes da caverna pelo número de velas que gastavam. Ter velas acesas dava status… Os que queimavam muitas velas eram ricos; os que queimavam poucas velas (ou nenhuma) eram pobres… Milhares de velas, milhões de velas, bilhões de velas…
Mas a caverna, que era muito grande, tinha limites. Era uma caverna fechada, sem saídas. Fechada, nada podia sair de dentro dela. As nuvens de fumaça produzidas pelo fogo aumentavam sem parar. Quanto mais fogo, mais calor, mais riqueza, mais fumaça. E os moradores da caverna começaram a sofrer com o excesso de calor.
A solução era simples: bastava que os ricos apagassem metade das suas velas. Reuniram-se todos então aqueles que queriam pôr fim a essa situação para chegar a um acordo sobre a diminuição de velas. Mas ninguém queria apagar as suas velas… "O progresso não pode parar. Crescer, crescer sempre…"
Só tarde demais os homens se deram conta de que a sua caverna, a nossa linda Terra, se transformara num forno. Mas já era tarde demais. Morreram eles então como leitões no forno que eles próprios haviam construído com o seu progresso…
Rubem Alves – Educador e escritor –
rubem_alves@uol.com.br