Pesquisadora e professora de inglês, a francesa Lina Audin desenvolve método que associa os mundos real e lingüístico e permite melhorar a aprendizagem de outras disciplinas, como francês e matemática
Publicado em 10/09/2011
“In you a dog?” A frase poderia deixar qualquer um boquiaberto, especialmente se você soubesse que com ela o aluno queria perguntar ao vizinho se ele tem um cachorro. Persuadida de que por trás desse discurso turvo, tão pouco britânico, havia uma lógica, Lina Audin, pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisa Pedagógica (INRP, na sigla em francês) e professora de inglês no Colégio Georges Rouault, em Paris, aprofundou a questão. E encontrou a resposta: “As crianças traduzem “I live in Paris” por “j’habite à Paris” (Eu moro em Paris), prova de que, a seus olhos “in” significa “à” (em). Então, por que este “in” não poderia servir para traduzir a terceira pessoa do verbo “avoir” (no caso, “ter”) em francês, que é simplesmente “a”? De fato, para as crianças francesas ainda aprendizes, não há diferença entre “à” (preposição) e “a” (verbo “avoir” conjugado na terceira pessoa), ainda mais que, do ponto de vista sonoro, não existe nenhuma distinção. Assim, quando se atravessa todo esse caminho lingüístico, é nítido que elas estão traduzindo, logicamente, “as-tu un chien?” (você tem um cachorro?) por “in you a dog”. Assim conclui a professora, mortificada.
Navegador entre língua e realidade
Resultado: a França fica atrás em todas as pesquisas internacionais sobre o manejo de línguas vivas e, apesar de um plano lançado há alguns anos, os resultados dos jovens franceses nas avaliações não melhoraram muito. Os dados ministeriais mais recentes concluem que, em inglês, “um aluno a cada 20 ficou sem desenvolver nenhuma competência e um a cada sete só tem domínio extremamente reduzido das competências que se esperam no final do primeiro grau”.
Há muito tempo, Lina Audin sentia que as bases gramaticais de seus alunos eram frágeis demais para que pudessem assimilar uma língua estrangeira. Igualmente há muito tempo ela tentava tapar os buracos aqui e acolá, até que elaborou um ensino completamente novo. “Discutindo com vários colegas, percebi que se em inglês a coisa não ia bem, em matemática e em francês não era realmente melhor. Partindo daí, trabalhei na elaboração de um conteúdo transversal multidisciplinar que permitia a esses colegas ficarem mais à vontade com o aprendizado escolar.”
Lina Audin trabalha com a teoria das operações enunciativas de Antoine Culioli (veja texto na página 50), que ajuda os alunos a sair da realidade e a compreender que existe um simbolismo da língua, que a palavra remete a um objeto, mas não é o objeto; o que significa que o objeto tem uma existência em si mesmo. Partindo daí, a pedagoga, que é também pesquisadora, pediu a seus alunos que imaginassem um mundo intermediário que permitisse criar uma ligação entre o real e a língua. Ela o chamou de ARB (A para agente, R para relacionador e B para objetivo, em francês, “but”), e sua classe da quinta série no Colégio Georges-Rouault já sabe lidar com isso facilmente. Adam – que está bem longe de ser o primeiro da classe – regala-se com esse modo de análise e o explica com prazer, mesmo na volta de uma suspensão de uma semana. “Em todas as frases, existe um ARB. Para encontrá-lo, procuramos primeiro o relacionador, isto é, o verbo. Chamamos assim porque ele põe em relação A e B.
Depois, a gente procura o agente: ele faz a ação, e só falta achar o B, o objetivo da ação. No começo, parecia muito estranho, mas realmente dá certo para tudo em francês e em inglês. Em matemática, também faz entender bem os enunciados.”
Pois bem, com isso na cabeça, eles estão munidos para enfrentar enunciados corpulentos como “my mother’s dog likes cats very much” (o cachorro da minha mãe gosta muito de gatos)… Sabendo que em inglês, a ordem ARB na frase é mais freqüentemente respeitada que em francês. Um sistema que não elimina a gramática tradicional da frase – que poucos manejam bem no Georges Rouault, colégio que tem em suas classes muitas crianças estrangeiras -, e permite introduzir devagar noções como a do objeto direto, por exemplo. Uma hora por semana, durante o ano em que cursam a 5a série, os alunos se aprofundam nesse método com três professores, que se revezam de dois em dois na classe, estando Lina Audin sempre presente.
Sutilezas da matemática
A fim de ajudar a professora de inglês na criação de um banco de dados de exercícios de ARB, Jean-François Clair, o Fanta, professor de matemática, percebeu que convivia com os mesmos problemas que ela para fazer com que as crianças trabalhassem a matemática. Entrou com o programa que Lina praticava havia um ano com o professor de francês. “Os problemas que os alunos têm com a matemática na 5a série freqüentemente derivam de problemas de linguagem. Cremos sempre, nós adultos, que uma noção como a de igualdade é automática para os alunos. Então avançamos. Na 5a e na 6a série isso passa batido, mas quando se chega às equações, de repente, eles empacam, porque essa noção de base não foi compreendida”, lembra Jean-François Clair.
Daí surgiu a idéia de construir um trabalho multidisciplinar em torno do verbo “ser” e de seus sentidos. “É um trabalho que serve tanto para as aulas de matemática quanto de francês ou inglês”, assevera Lina Audin.
Fanta morre de vontade de explicar as conclusões desse trabalho: “Ser pode tanto marcar uma localidade quanto uma identidade ou aparência”. Tudo está na sutileza. No entanto, essa classe que tem dificuldades de se concentrar, de trabalhar mais de 30 minutos sem que seja preciso chamar a atenção de ao menos dois alunos, parece também esclarecida sobre os pressupostos que separam dois enunciados matemáticos: “a direita é um eixo de simetria da figura” e “a direita é o eixo de simetria da figura”. Quase toda a classe entende que no primeiro caso há identidade entre a direita e o eixo de simetria, enquanto na segunda há uma aparência num conjunto. Para Jean-François Clair, os resultados são indubitáveis e a diferença se vê em termos de notas, tanto em matemática como em inglês. “Tenho duas classes de 5a série. Esta e uma outra que no começo do ano parecia bem melhor. Hoje, digo sem contestar que esta, que segue o projeto “Refletir e agir com a língua”, realmente passou à frente.
Eles não aprendem melhor as lições, mas compreendem mais profundamente. Temos alunos que não parecem muito bons se avaliarmos seus resultados, mas que têm um progresso, que se questionam sobre sua aprendizagem”, revela o professor. Em inglês, disciplina na qual o colégio aplica uma prova comum a todas as 5as séries, essa classe obteve quase as mesmas notas que a classe bilíngüe (em que o aprendizado de duas línguas ocorre a partir da 5a). E os alunos desta última, como é de esperar, são mais exigidos nessa disciplina.
É um bom motivo para a coordenadora, Nadine Waiter, prosseguir, na próxima volta às aulas, com essa operação exigente em termos de horas de ensino: “É uma classe que progride mais que as outras, e nós fazemos de tudo para continuar esse trabalho com o qual os professores estão muito envolvidos”. Uma verdadeira proeza na relação ambição-resultado que, no ano passado, estava 4,6 pontos abaixo das médias nacionais da educação prioritária nas avaliações feitas na entrada da 5a série de francês e 5,3 pontos abaixo em matemática. A gramática não é mais objeto de tanta estranheza e se torna uma ferramenta que permite progredir em todas as aprendizagens escolares, porque autoriza um outro olhar sobre os enunciados e, mais amplamente, sobre a língua.
A teoria Culioli simplificada
O lingüista Antoine Culioli, nascido em 1924, é o autor da teoria das operações enunciativas, que defende que toda oração pertence ao “mundo da língua”, mas remete a noções que pertencem “ao mundo da realidade”. Na classe, faz-se como se todos os alunos sejam capazes de navegar entre língua e realidade, porque são coisas que se aprendem normalmente durante a infância na maioria das famílias. No entanto, essas bases não são sempre efetivamente adquiridas e, sem elas, o aprendizado escolar fica muito difícil. “Quando o aluno se coloca resolutamente ao lado da realidade, não consegue trabalhar com a língua”, explica Lina Audin. “O fato de saber achar a relação ordenada entre esses elementos essenciais poderá facilitar o acesso ao sentido desde o início da aprendizagem”, acrescenta ela. É para isso que serve o ARB, elaborado pela professora a partir dos dados de Culioli. É um modelo lingüístico passível de ser explorado, que permite passar da realidade à lingüística e compreender que há grupos de palavras que têm, em comum, por exemplo, o fato de serem verbos. Como, ao situar-se do ponto de vista da realidade, colocar junto “hate” e “like” em inglês? Impossível, pois têm sentidos opostos. Do ponto de vista da língua, ao contrário, pode-se criar uma categoria que reagrupa os verbos e permite inserir juntos “hate” e “like”.
(Tradução: Mônica Cristina Corrêa)