Passada a estupefação causada pela divulgação dos resultados do Enem e do Saeb nos meios de comunicação, especialistas ponderam que o universo dos participantes mudou, mas concordam que há muito a melhorar
Publicado em 10/09/2011
Em manchetes ruidosas, quase todos os grandes jornais do país destacaram os resultados de três estudos divulgados no dia 7 de fevereiro pelo Ministério da Educação: o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), o Censo da Educação Básica e o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Embora sejam estudos bem diferentes entre si, o tom das notícias era o mesmo: o ensino brasileiro piorou, e muito, nos últimos anos.
O resultado mais negativo foi o do Enem, do qual participaram quase 3 milhões de alunos cuja média foi a pior desde 2002. O Censo indicou que, entre 2005 e 2006, o ensino médio perdeu cerca de 125 mil alunos. E o Saeb também não registrou um bom resultado, com exceção da 4ª série do ensino fundamental, que teve pequena evolução em Matemática e Língua Portuguesa.
A aridez dos dados das pesquisas, contudo, requer mais do que uma mera visão dos números absolutos. "É difícil afirmar, com base nesses resultados, que o ensino piorou. O Saeb, por exemplo, mostrou que a 4ª serie deu uma melhoradinha. No caso do Enem, as provas não são comparáveis de um ano para outro, e o acerto no exame depende muito da população que o responde. E, em 2006, foram 600 mil estudantes a mais que prestaram o Enem em relação ao ano anterior. Tudo isso deve ser considerado", pondera o professor Ruben Klein, matemático e consultor na área de avaliação educacional no Cesgranrio, do Rio de Janeiro.
O problema, segundo Klein, é encontrar parâmetros confiáveis: "Acredito que a prova tenha sido um pouco mais difícil do que em 2005, e isso poderia justificar. Além disso, a composição dos alunos do Enem mudou muito nos últimos dois anos, por causa do ProUni. Saiu de pouco mais de 1 milhão de alunos para quase 3 milhões".
Sandra Zákia, especialista em avaliação e política educacional da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (Feusp), é igualmente cautelosa. "Estou evitando atribuir a determinado fator a causa do bom ou mau desempenho dos estudantes nesses exames", afirma. Em relação ao Saeb, Sandra diz que o resultado oferece um bom quadro da performance dos alunos em âmbito nacional: "De qualquer maneira, temos de olhar com certo cuidado, porque esses últimos resultados reafirmam o baixo desempenho dos alunos frente aos padrões estabelecidos. Essa é a grande mensagem dos dados. Não é que a escola brasileira piorou: a escola brasileira continua ruim. As provas dos alunos continuam ruins".
O Enem, diferentemente do Saeb, feito por amostragem, não espelha a condição da escola brasileira. "Trata-se de um exame voluntário, e não é procedente pegar o somatório dos resultados dos alunos que decidiram prestá-lo para dizer que o conjunto desses resultados individuais reflete a realidade do ensino médio. Os dados do Saeb, estes sim, dão uma idéia mais objetiva de como está o aluno ao final do ciclo", diz.
O que fazer
De qualquer forma, pela própria natureza desses exames, os resultados deveriam, obrigatoriamente, fornecer subsídios para orientar um salto de qualidade no ensino brasileiro. Para Ruben Klein, há muito a fazer. "Em primeiro lugar, a escola tem de ensinar e o aluno precisa passar de ano. Um sistema que funcione regularmente, com os alunos ingressando na escola na idade correta, certamente será melhor do que outro em que a mesma série tenha estudantes de várias idades. Outro problema é a repetência, que no Brasil chega a 30% na 1ª série e até a 50% em alguns estados. Isso é inacreditável, pois essa taxa deveria ser inferior a 2%." Klein diz que a experiência brasileira mostra que, onde há mais repetência, também piora o desempenho dos alunos promovidos: "Ou seja, o pior dos mundos".
"Os resultados reafirmam o baixo desempenho dos alunos frente ao padrão estabelecido", diz Sandra Zákia, especialista em avaliação e política educacional |
A escola também precisa assumir sua responsabilidade, segundo Klein: "Tem de ter metas, formar e capacitar os professores e medir essa capacitação pelos resultados dos alunos, oferecer a eles uma carreira atraente. Não adianta só aumentar salários, pois é necessário aprender conteúdos. Só se valoriza o professor quando ele realmente é bom. Aí, ele é naturalmente valorizado". Acima de tudo, Klein afirma que, para melhorar o ensino médio, antes é preciso melhorar o ensino fundamental.
Ainda assim, mostra-se otimista: "Vejo como positivas até mesmo as manchetes dos jornais falando dos resultados do Enem. É sinal de que estão se preocupando com avaliação. Antigamente isso não existia, nenhum jornal dava espaço ao tema. Estamos num momento de mudanças, espero".
Iluminando políticas
Para além da estupefação causada, os dados devem ser o ponto de partida para instituição de políticas públicas. "Cabe aos gestores uma análise mais cuidadosa dos dados em relação aos fatores associados às escolas de melhor e pior desempenho de cada rede de ensino. São dados capazes de subsidiar políticas para o conjunto da rede e políticas específicas para cada escola, com base no desempenho apresentado", alerta Sandra Zákia. A professora lembra que há escolas com perfil semelhante e desempenho diferente: "Cabe ver o que está fazendo diferença naquela escola, quais fatores podem potencializar a possibilidade de ela contribuir para uma boa performance dos alunos".
Enem não é ranking
Interpretar os resultados é também a recomendação de Maria Inês Fini, chefe do Departamento de Psicologia da Faculdade de Educação da Unicamp e consultora da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. No MEC, trabalhou na consolidação estrutural do Saeb e depois fez a proposta do modelo do Enem, que coordenou por cinco anos.
Para a professora, o Enem não foi concebido com a finalidade de possibilitar comparações, pois não revela os dados do contexto de desenvolvimento do aluno: "O Enem fornece um belo retrato dos jovens brasileiros, mas não se destina a avaliar escola. Dá, sim, uma referência para análise, desde que se meça de fato a matriz de referência que estrutura o exame. Isso não tem acontecido e ninguém fala disso".
Na opinião de Maria Inês, ninguém está sabendo explorar os dados do Enem, que apontam para uma rápida e necessária intervenção em algumas questões, como, por exemplo, a dificuldade de leitura dos alunos do 3º ano do ensino médio. "A coisa mais bonita do Enem é que, quando a prova é publicada, mostra aos professores como deveriam ter ensinado seus alunos a serem capazes de desempenhar suas tarefas. A maior beleza do Enem é o apoio que dá para a estruturação do ensino médio. E isso foi esquecido", completa.
ESCOLA COM MAIOR PONTUAÇÃO TEM LATIM, FILOSOFIA E XADREZ
Para a diretora Maria Stela, dedicação profissional é marca do Dom Barreto, de Teresina (PI), escola que ficou em primeiro lugar no Enem |
Engana-se quem imagina que, por estar em Teresina, uma das menores capitais brasileiras, com cerca de 700 mil habitantes, o Instituto Dom Barreto seja uma escola "pequena" ou "humilde". Nada disso. Basta conhecer sua estrutura para entender por que foi o primeiro colocado no Enem, com 74,17 pontos, e poderia, tranqüilamente, disputar espaço em qualquer um dos grandes centros do país.
Com cerca de 2.500 alunos, dos quais 600 no ensino médio, o Dom Barreto foi fundado em 1944 por um grupo de missionárias católicas. A essa tradição, somou-se a decisão de formar "cidadãos sensíveis, críticos e capazes de contribuir para a sociedade", como afirma a diretora da instituição, Maria Stela Rangel da Silva. Além disso, o colégio valoriza e envolve a comunidade escolar e tem idéias inovadoras, como a inclusão de xadrez, latim e filosofia na grade curricular.
"A marca do Dom Barreto é ser uma escola formada por profissionais dedicados. É claro que existem diferenciais: o amor pelo que fazemos, uma comunidade ativa de pais e alunos e um corpo de professores que se capacita continuamente, não se acomoda a modelos e sempre quer melhorar", diz Maria Stela.
Muitos alunos cursam a escola da educação infantil ao ensino médio. "Passam conosco boa parte da vida, e essa convivência cria laços estreitos. Mesmo quando entram na universidade, tornam-se monitores da escola, acompanhando e orientando os alunos mais novos", relata a diretora.