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Edição 284

Salário não cresce, mas diploma do superior garante emprego

Aumenta o espaço de quem tem curso superior entre aqueles que compõem a força de trabalho no país; percentual quase dobrou de 2012 a 2023

Publicado em 25/06/2024

por Rubem Barros

Salário não cresce, mas diploma do superior garante emprego Janaína Feijó, do Ibre/ FGV: mercado mais exigente e beneficiado pelo número maior de formados (foto: divulgação)

O percentual da população brasileira com ensino superior que ocupa postos no mercado de trabalho cresceu de forma consistente nos últimos 11 anos. A evolução do número de diplomados no terceiro grau de 2012 a 2023, sempre levando em consideração dados do último trimestre desses anos, foi de 84%. Os formados no ensino superior saíram de um patamar de 13% da população ocupada naquela ocasião para 24% do total no final do ano passado.

É o que mostra levantamento feito com exclusividade para a revista Ensino Superior por Janaína Feijó, pesquisadora da área de economia aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), realizado com base na análise dos microdados da Pnad Contínua.

Além de quase dobrar sua participação entre as pessoas ocupadas, os indivíduos com títulos de graduação ou formação mais robusta (mestrado, doutorado) se mantiveram ganhando salários duas vezes maiores que a média geral do país. Seus salários médios mensais em dezembro de 2023 eram de R$ 6.139,00, contra R$ 3.032 da média nacional.

Esses rendimentos são 2,6 vezes os da média de quem tem ensino médio completo ou superior incompleto e 3,6 vezes mais do que de quem estudou até o ensino fundamental ou não terminou o médio. Nessas duas faixas, chama a atenção a queda da participação de quem terminou até o fundamental em meio aos ocupados, de 24,4%.

 

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“A composição educacional da mão de obra está mudando ao longo do tempo. Quase 25% dos ocupados hoje têm ensino superior ou mais. Isso se deve à oferta de mão de obra com mais pessoas preparadas e pelo fato de o mercado estar procurando gente com maior qualificação”, avalia Janaína.

Porém, apesar de outro levantamento, feito pela pesquisadora para o jornal O Estado de S.Paulo e divulgado em final de março, apontar que o mercado está se aquecendo, em especial para quem tem ensino superior (cinco vezes mais do que para o resto da população trabalhadora), não há motivo para comemorações. Isso porque o salário médio das admissões para os mais escolarizados recuou quase 2% de janeiro deste ano para janeiro de 2023, segundo o Novo Caged (Novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), do Ministério do Trabalho.

O que está acontecendo é que muita gente com ensino superior está ocupando cargos de nível médio, que não deveriam ou precisariam requerer esse grau de formação. Além disso, o mercado de trabalho brasileiro ainda não conseguiu voltar nem à taxa de participação registrada na força de trabalho em 2012, nem aos mesmos níveis médios de salário praticados então.

Esses postos para os quais os ocupantes seriam superqualificados (Over Qualified, em jargão mercadológico) garantem, no entanto, a empregabilidade. O desemprego de quem tem nível superior está na casa dos 3,6%, contra 8% para quem completou até o médio e 9,2% para aqueles com apenas fundamental completo. A média nacional de desemprego bateu na casa dos 7,4% em dezembro de 2023. Ou seja, o pessoal menos qualificado, conclui Janaína, pode, em alguns casos, estar se sustentando com dinheiro vindo das políticas de renda governamentais, como o Bolsa Família e/ou mergulhou fundo na informalidade, vivendo na mais absoluta corda bamba.

 

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Entre os dados da Pnad Contínua, é possível ter uma boa fotografia de quais as ocupações dos profissionais de nível superior. No topo da lista estão os profissionais do ensino, que são 15,5% do total, seguidos pelos da saúde (9,5%) e do direito e ciências culturais e sociais (8,4%). Algumas profissões chamam a atenção pelo alto percentual (sempre em relação ao total) de formados. Exemplo são os vendedores, em sexto lugar na lista, com mais de 1,6 milhão de pessoas com nível superior. Obviamente, o universo de vendas é muito amplo e, em muitos casos, exige uma mão de obra altamente qualificada, como, por exemplo, para negociar uma turbina eólica ou outros produtos que demandam conhecimento técnico específico. Mas, se lembrarmos que a participação da indústria de ponta na economia nacional vem caindo ano a ano, o mais provável é que haja muito engenheiro vendendo bugigangas por aí.

 

Diploma mal utilizado

Outro estudo, este realizado há bem mais tempo (2018) pela  Geofusion, analisando 100 mil registros de pessoas de nível superior e seus empregos, mostrou que, nos 10 cursos mais procurados pelos jovens, apenas 12% deles, ou 9 mil de 67 mil pessoas que haviam se formado há até dois anos, estavam trabalhando como empregados CLT nas áreas de sua predileção.

 

gráfico 1

 

Segundo a gerente de produtos da empresa e administradora especializada em planejamento estratégico, Isabela Albuquerque, esse movimento continua acontecendo. “Um dos objetivos desse estudo que fizemos foi o de sensibilizar o Ministério do Trabalho”, diz ela, para quem há um descompasso entre oferta formativa e postos disponíveis.

Isabela Albuquerque

Isabela Albuquerque, gerente de produto da Cortex Intelligence: um país de assistentes administrativos com ensino superior (foto: divulgação)

Para Isabela, as formações que estão sendo oferecidas estão defasadas em relação à evolução e os rumos do mercado atual. Como ela aponta, nem profissões que ainda mantêm um alto nível de empregabilidade, como as da área médica, estarão livres do aluvião tecnológico. “Nos últimos anos, todas as empresas viraram digitais. Estão em alta os profissionais de áreas como tecnologia, comunicação, designers e gestão, pessoas que investiram no uso das novas ferramentas digitais. Temos visto até médicos fazendo cursos para a captação de sua clientela”, exemplifica a gerente da Cortex.

 

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Algumas profissões, como a própria medicina e o direito, podem causar certas distorções quando pensamos nos 12% de egressos do superior trabalhando em regimes sem CLT ou em áreas diferentes de sua formação. Isso porque é comum que nessas profissões as contratações não se deem com carteira assinada. Mas, mesmo assim, há muita gente trabalhando em postos inferiores à qualificação, como advogados contratados como técnicos jurídicos ou contabilistas que viraram assistentes administrativos. “O Brasil está virando um país de assistentes administrativos com ensino superior”, alerta.

Mesmo nesses casos, os profissionais têm de estar atentos para mudanças que tendem a acontecer de forma cada vez mais célere. “O risco que a inteligência artificial traz é que ela entra também em trabalhos intelectuais, não apenas nos repetitivos. Exemplos disso são a análise processual, entre os advogados, e os diagnósticos médicos”, alerta Isabela. Por isso, recomenda investimento no aprendizado ao longo da vida, pois as mudanças vão continuar ocorrendo, muito em função do volume de dados a que estamos expostos. “Para se ter uma ideia, o Excel, que até pouco tempo atrás era uma ferramenta sofisticada e que pouca gente sabia utilizar em todo seu potencial, já não dá conta da quantidade de dados a serem processados”, completa. E isso não levando em conta operações mais complexas, que exigem computadores de ponta.

Janaína Feijó, do Ibre/FGV, avalia que as profissões emergentes, que darão mais possibilidades de bons empregos no futuro, são as ligadas às áreas de STEM (sigla em inglês para Ciência, Tecnologia, Engenharias e Matemática), as chamadas ciências duras. Mas a capacidade lógico-matemática já não é vista como suficiente para trabalhar com IA.

 

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Em um artigo publicado no site europeu Futurity, o pesquisador dinamarquês Claus Brabrand, da Universidade de Copenhague, diz, no título, que “os nerds das palavras [da linguagem] podem ser mais rápidos no aprendizado de como programar do que os espertos em matemática”.

Isso porque, explica ele, criar códigos implica o aprendizado de uma segunda língua, assim como habilidade para aprender seu vocabulário e estrutura gramatical, algo importante no trabalho em equipe e na comunicação de ideias e intenções. “Outras funções cognitivas ligadas a ambas as áreas, como a resolução de problemas e o uso da memória de trabalho, também desempenham papéis fundamentais”, escreve.

Outra questão para os ingressantes ou recém–ingressados no mercado diz respeito a um jargão lembrado pela professora Janaína: “nos tempos atuais, muitas contratações acontecem em fun-ção das hard skills. E as demissões ocorrem pelas soft skills”. Ou seja, mesmo com uma sólida formação intelectual, se as habilidades comportamentais não estiverem bem desenvolvidas, isso pode representar a volta ao desemprego.

 

Caminho do ensino técnico

Quanto mais anos de formação de seus funcionários, maior tende a ser a produtividade de uma empresa. Mas a universidade não é o único caminho para melhorar a qualificação dos alunos para o mercado. O ensino técnico é outra possibilidade formativa e costuma proporcionar oportunidades de emprego mais cedo aos jovens, fazendo com que melhorem a renda e tenham possibilidade de tentar a faculdade depois.

No total, segundo números do Inep/MEC, há cerca de 9 milhões de jovens entre os 15 e os 29 anos que não completaram o ensino médio, muitos deles nem mesmo o fundamental. Desse total, 73% dizem que querem voltar a estudar e finalizar a educação básica, segundo a pesquisa “Juventudes fora da escola” (Itaú Educação e Trabalho e Fundação Roberto Marinho, 2024). Entre aqueles que saíram da escola e querem completar o médio, 77% dão preferência ao ensino técnico. Foram ouvidos 1,6 mil de jovens em todo o Brasil.

 

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Ana Inoue

Ana Inoue, do Itaú Educação e Trabalho: ampliar vagas com qualidade e adesão produtiva (foto: André Seiti/Fundação Itaú)

Entre os motivos para conclusão da etapa, são apontados a possibilidade de melhora profissional (37%) ou de arrumar um emprego (15%). “É preciso viabilizar o acesso desses jovens para isso”, diz Ana Inoue, superintendente do Itaú Educação e Trabalho. Para ela, apesar de a educação técnica profissional ainda ocupar pouco espaço, com matrículas girando em torno de 8% ou pouco mais do ensino médio, o momento é ascendente. “Entrou na pauta dos estados e da educação em geral. Desde agosto, o marco referencial do ensino técnico está em construção em um grupo de trabalho interministerial. Deve ficar pronto em 2025”, informa.

A superintendente defende um ecossistema integrado entre o ensino superior e o técnico. “É preciso que haja uma ressignificação que permita criar condições para quem não pode ir para a universidade diretamente”, finaliza.

 

Autor

Rubem Barros


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