Incorporação bem-sucedida da IA no ensino superior depende da adesão aos princípios fundamentais da gestão educacional
Ao adotar a IA, o ensino superior se reposiciona como um ambiente de aprendizado transformadorA integração da Inteligência Artificial (IA) no setor educacional marca uma mudança revolucionária em direção a processos de aprendizagem e gestão personalizados, eficientes e inovadores. Para educadores e líderes institucionais do ensino superior, compreender e aproveitar a tecnologia de IA abre oportunidades sem precedentes para melhorar os resultados educacionais e agilizar as tarefas administrativas.
A IA – disciplina da ciência da computação focada na criação de máquinas capazes de simular a inteligência humana – chegou à educação, com a promessa de transformar metodologias de ensino e experiências de aprendizagem. As aplicações variam desde assistentes virtuais que fornecem suporte personalizado até sistemas de tutoria adaptativos que adaptam o conteúdo educacional às necessidades individuais dos alunos. Essas inovações oferecem benefícios significativos, incluindo experiências de aprendizagem personalizadas, monitoramento contínuo do progresso, maior eficiência administrativa e maior envolvimento dos alunos.
Mas como tem sido a gestão dessas inovações nas instituições de ensino? Elas foram implementadas? Atendem à demanda dos docentes e discentes? Quais IAs são mais usadas e por quê? A IA educacional adotada pela IES é acessível a professores e alunos? Há uma formação orientada para o uso de IAs em sala de aula ou fora dela? Que resultados se têm alcançado de fato? Quem monitora tudo isso?
A incorporação bem-sucedida da IA na gestão do ensino superior depende da adesão aos princípios fundamentais da gestão educacional. Estas incluem a promoção da autonomia pedagógica, a garantia da participação ativa de toda a comunidade escolar, a manutenção de práticas de gestão democráticas e transparentes, o envolvimento no planejamento estratégico e a promoção do desenvolvimento profissional contínuo dos envolvidos (docentes, funcionários e discentes). Ao abraçar estes princípios, os líderes podem implementar estrategicamente a IA para melhorar a qualidade educacional e a eficiência operacional.
Em março deste ano, o jornal digital Valor Econômico trouxe uma reportagem intitulada “Jovens impulsionam reinvenção do ensino superior. Reitores e especialistas de 25 países discutem novas experiências e projetos educacionais”, em que Stela Campos aborda o tema sobre a reinvenção do ensino superior. Dentre os vários aspectos relevantes que gestores de Instituições de Ensino Superior (IES) devem considerar, e sobre os quais fiz alguns questionamentos, a IA aparece, mas entre outros elementos que também se destacam:
Os estudantes atuais são menos passivos e mais questionadores sobre o propósito e impacto de suas aprendizagens, pois buscam entender como o conhecimento se conecta com o mundo real e como podem contribuir para solucionar grandes problemas globais. Como as IES têm se planejado para dialogar com seus estudantes e mediar de forma eficaz e ética respostas para suas dúvidas, principalmente quando a IA entra como coparticipante nesse processo?
Há uma necessidade premente das universidades se reinventarem, abrangendo mudanças nos currículos, infraestrutura e governança para atender às demandas dessa nova geração. Na reportagem, Eric Mazur, professor de Física na Universidade de Harvard,EUA, destaca que um dos maiores desafios dos professores é criar uma motivação intrínseca no alunos pelo conhecimento. Como gestores de IES têm percebido essa motivação nos estudantes para aprender, mas também nos professores para ensinar? Como a IA passou a fazer parte da transformação institucional e em que aspectos?
Os estudantes estão ativamente moldando seu processo de aprendizado, trazendo iniciativas inovadoras e sociais para as instituições, o que requer um ambiente educacional que suporte essa proatividade. Nossas IES estão dispondo desse ambiente educacional e engajando seus estudantes? Como a IA também tem orientado essas iniciativas e impactado não só nas ações, mas também nos resultados alcançados? Como a pesquisa e a extensão dialogam com as iniciativas sociais dos estudantes?
Stela Campos também trouxe temas preocupantes para os educadores e gestores, como a integração da IA no aprendizado, a criação de ecossistemas com empresas e comunidades, o desenvolvimento de habilidades futuras, e a inovação pedagógica. E qual tem sido o papel da IA na gestão escolar desde a análise de dados à aprendizagem personalizada? O potencial da IA para transformar a gestão é vasto, com aplicações em análise de dados, sistemas inteligentes de gestão escolar, ensino personalizado e ferramentas de monitorização e intervenção. Ao aproveitar o poder da IA, as instituições podem alcançar uma compreensão mais profunda do desempenho dos alunos, simplificar as tarefas administrativas, adaptar as experiências de aprendizagem às necessidades individuais e resolver lacunas de aprendizagem ou problemas comportamentais. Os desafios não serão minimizados, porém mais bem acompanhados e até previstos.
A necessidade de avaliações que não se baseiam exclusivamente em pesquisas e publicações, permitindo que os professores se concentrem em ensinar e criar projetos com impacto social, aponta para uma reforma na avaliação do desempenho docente. Não significa que a pesquisa não é importante, longe disso, mas a prática e a avaliação por meio de projetos ou outras estratégias mais realistas e coerentes com os espaços onde os estudantes atuam são pontos importantes que contribuem com a motivação intrínseca desses discentes.
A criação de programas que permitam aos alunos desenvolver suas próprias especializações, focando em desafios mundiais relevantes, exige uma abordagem curricular mais flexível e interdisciplinar. A Unesco e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) têm papel fundamental nesse contexto. Através de suas diretrizes educacionais, a Unesco enfatiza a necessidade de um ensino que promova o desenvolvimento sustentável e prepare os alunos para enfrentar os desafios globais. Os ODS são uma garantia de uma educação inclusiva e equitativa de qualidade, e a promoção de oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos.
As IES enfrentam o desafio de atender a uma população estudantil cada vez mais diversa, o que requer políticas inclusivas e conteúdo adaptado para contemplar diferentes perspectivas e necessidades. A inclusão e a diversidade no ensino superior são fundamentais para criar um ambiente educacional que atenda a todas as pessoas, respeitando suas variadas experiências, habilidades e perspectivas. As IES têm reconhecido que a diversidade não se limita a questões étnicas e socioeconômicas, mas inclui também a idade dos alunos. Há um crescente número de estudantes mais velhos, muitos dos quais estão voltando à educação formal ou entrando nela pela primeira vez, em busca de novas habilidades, mudança de carreira ou crescimento pessoal.
Este cenário traz à tona a importância da andragogia – a arte e ciência de ajudar adultos a aprender. Para atender a esta população diversificada, as IES precisam adotar políticas e práticas inclusivas, como horários de aulas mais flexíveis, métodos de ensino adaptativos, suporte para equilibrar a educação com compromissos familiares e profissionais, e material didático que considere diferentes estilos de aprendizagem. A formação de professores também precisa ser adaptada para incluir estratégias de ensino que sejam eficazes para adultos, reconheçam e valorizem a sabedoria e a experiência que eles trazem para a sala de aula.
Diante disso, a IA é vista tanto como uma ferramenta para personalizar a aprendizagem quanto um desafio para garantir que todos os estudantes possam aproveitar suas potencialidades. A identificação de lacunas de aprendizado e o suporte aos alunos menos preparados foram destacados como usos potenciais da tecnologia na reportagem de Stela Campos. A integração da IA no ensino superior não é apenas uma atualização tecnológica, mas um movimento estratégico no sentido da modernização e melhoria do panorama educativo
Experiências práticas e a colaboração com parceiros externos são cruciais para o desenvolvimento de competências relevantes, como inteligência emocional, criatividade e pensamento de design. O ensino superior moderno reconhece a importância de sair de um modelo puramente acadêmico e avançar para uma abordagem mais holística, na qual os estudantes se engajam em projetos que requerem inovação, colaboração e resolução de problemas complexos. Parcerias com empresas, organizações não governamentais e comunidades locais são vitais para essa abordagem, pois permitem que os alunos trabalhem em problemas reais, recebam feedback do mundo real e entendam o impacto do seu trabalho.
Além disso, ao interagir com parceiros externos, os alunos podem ganhar insights sobre as demandas do mercado atual, tornando-se mais adaptáveis e preparados para os desafios futuros. Eles podem, por exemplo, trabalhar em projetos de design que exigem não apenas competências técnicas, mas também a capacidade de entender as emoções humanas e projetar soluções com empatia.
As competências futuras, tais como inteligência emocional, são cada vez mais valorizadas pelos empregadores, já que não podem ser replicadas por máquinas ou IA. A criatividade e o pensamento permitem que os indivíduos encontrem soluções inovadoras e sustentáveis para questões complexas. Assim, a educação experiencial no ensino superior não é apenas um complemento ao aprendizado tradicional, mas uma necessidade para preparar os estudantes para serem líderes transformadores e inovadores em suas futuras carreiras.
Neste cenário em constante transformação, os desafios do século 21 se apresentam cada vez mais complexos e interconectados. O ensino superior deve se posicionar como uma ponte inovadora entre o conhecimento tradicional e as soluções futuras. A integração da IA no cenário educacional é um exemplo emblemático dessa transição, representando não apenas uma ferramenta de automação ou análise de dados, mas também um campo fértil para o cultivo de uma nova geração de profissionais capacitados, criativos e eticamente engajados.
A IA, nesse contexto, surge como um aliado estratégico no aprimoramento da gestão educacional e na personalização da aprendizagem, permitindo que as IES se reinventem em consonância com as necessidades atuais dos estudantes e os imperativos do mercado de trabalho. Isso envolve a reestruturação curricular para promover a interdisciplinaridade e a flexibilidade, e a adoção de métodos de ensino que propiciem uma experiência educacional mais rica e prática.
Os líderes educacionais devem, portanto, abraçar esses princípios de inovação pedagógica e gestão estratégica, utilizando a IA como um meio de enfrentar os desafios globais, promover a inclusão e a diversidade, e preparar os estudantes para contribuir de forma significativa com o mundo. Ao fazer isso, as IES não só estarão em consonância com os ODS da Unesco, como também estarão na vanguarda da formação de lideranças éticas que valorizam a colaboração, a sustentabilidade e o empreendedorismo social.
Portanto, ao adotar a IA, o ensino superior não está simplesmente incorporando uma nova tecnologia, mas se reposicionando como um ambiente de aprendizado transformador e indispensável para a sociedade do conhecimento. Com isso, as IES assumem um papel crucial na configuração de um futuro em que a tecnologia, a humanidade e a educação caminham lado a lado, em direção a um mundo mais justo, sustentável e humano. Espera-se.
Por: Ana Valéria Reis | 17/04/2024