NOTÍCIA

Edição 280

Preços, inclusão e tecnologias, os desafios

IES traçam estratégias para enfrentar 2024

Publicado em 29/12/2023

por Sandra Seabra Moreira

Desafios 2024 Fortalecimento da metodologia híbrida, com tecnologia, e aumento de cursos são estratégias do IESB para continuar a expansão, inclusive no EAD (foto: divulgação/IESB)

O novo ano traz desafios ao sistema da educação superior. Nele, a participação das IES privadas é de 78%, o equivalente a 7,3 milhões de alunos. A responsabilidade é gigantesca. O setor enfrentou a crise econômica provocada pela pandemia, aos poucos se recupera, e mantém seu crescimento alavancado pelo ensino a distância.

O EAD faz o setor expandir e promete tornar real a democratização do acesso, enquanto provoca concorrências locais e a guerra de preços, desafio com o qual os gestores de IES tradicionais se defrontam sem rota de fuga, exceto os daquelas em nichos mais abastados. As metas do Plano Nacional de Educação (PNE) para o ensino superior não foram atingidas, o que sugere a necessidade – e oportunidade – de expansão. Por outro lado, são milhões de vagas disponíveis e não preenchidas.

O MEC pretende revisar os marcos regulatórios do EAD, assim como os processos de avaliação, colocando os gestores de sobreaviso, mas com o intento de colaborarem para que a qualidade da educação superior se eleve.

“Nós estamos maduros o suficiente para pensarmos mais em qualidade do que em regulação. Precisamos melhorar aspectos como o uso da tecnologia e buscar os mecanismos de avaliação do EAD para induzir à qualidade”, diz Luiz Cláudio Costa, reitor do Centro Universitário IESB – Instituto de Educação Superior de Brasília.

Nesse cenário, as IES traçam suas estratégias para enfrentar 2024.

 

O posicionamento da marca

 

Para Costa, também membro do Times Higher Education Impact Rankings e do Conselho Estratégico do BNDES, um desafio para 2024 é o posicionamento da marca. “O IESB tem 25 anos, ótima reputação, cerca de 25 mil alunos e está em fase de crescimento. Vamos sofrer com a guerra de preços. Mas, com tantas opções, o estudante se torna exigente e a guerra de preços não se sustenta. As IES já perceberam isso. As marcas locais devem se fortalecer, oferecendo experiências diferenciadas.”

“As IES locais têm apenas 19% do mercado, as demais não são instituições tradicionais de Brasília. O mercado agora é assim.” É possível, entretanto, mudar a perspectiva. “Eu faço a conta diferente. Se tem só 19% do mercado, há 81% que são de fora. Isso para mim é oportunidade de crescimento”, continua.

“Estamos fortalecendo a metodologia híbrida, com tecnologia. Aumentamos o portfólio, crescemos exponencialmente no EAD e vamos crescer de novo. Hoje o market share de Brasília mostra que estamos na frente, principalmente em relação aos novos ingressantes, porque crescemos. É importante nacionalizar, fortalecer a marca – e expandir”, conclui Costa.

 

Universidade e empresas – parcerias

 

Silvia Teixeira Penteado

Sílvia Teixeira Penteado, reitora da Unisanta (foto: divulgação/Unisanta)

Em Santos, cidade do litoral paulista, a Unisanta, com 40 mil alunos, atua há 64 anos e oferece 42 cursos de graduação, cinco mestrados com 10 linhas de pesquisa, doutorados e pós–doutorados, além de cursos lato sensu e de educação corporativa. No planejamento estratégico para 2024, o objetivo é consolidar cada vez mais a marca por meio do aprimoramento da qualidade. Para isso, há duas diretrizes.

A primeira é o investimento na educação corporativa. A Unisanta tem forte conexão com o polo industrial de Cubatão e quer atender à emergência da qualificação profissional. “Vamos investir nas conexões com diversos organismos da região e fora dela, para atender as empresas que nos procuram. Na Unisanta, a ligação teoria e prática é muito evidente. Muitos gestores de empresas são nossos egressos, o que facilita”, conta Sílvia Teixeira Penteado, reitora.

É um posicionamento a partir da necessidade do mercado e da própria vocação. “Não é apenas um departamento universidade-empresa que faz essa conexão. É uma filosofia institucional desde o nascedouro, quando o pool de indústrias de Cubatão veio aqui e falou ‘precisamos de mão de obra nacional’, quando tínhamos só multinacionais na região.”

 

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Outra diretriz é investir no que a IES já tem estruturado. O ensino presencial no Brasil teve uma pequena reversão na tendência de queda e, em 2022, voltou a subir, com 1,6 milhão de ingressantes. Nessa modalidade, diz Silvia, essa tendência aparece nos cursos de curta duração da área tecnológica, “para os quais o mercado está com maior disposição”. Mas não apenas nestes. “Estamos vendo um crescimento nos cursos presenciais na área da saúde, que já estão consolidados, e outros para novas áreas que surgem com muita força. Por exemplo, relações internacionais e as conexões com o direito internacional e os cursos de comércio exterior.”

O ticket precisa ser acessível, com análise curso a curso, diz a reitora. “Não se trata de baixar o valor, mas nivelar de forma que haja equiparação entre investimentos na qualificação da escola, insumos e valorização crescente dos professores”, afirma Silvia.

 

Expandir com qualidade

 

Há cerca de dois anos, a Vitru Educação reuniu as marcas Unicesumar e Uniasselvi. Nos últimos quatro anos, ambas vêm crescendo em torno de 20% a 25% ao ano. Juntas, têm hoje 916 mil alunos. Na modalidade EAD, são 830 mil na graduação e 60 mil na pós-graduação. Na modalidade presencial, 26 mil. “A Vitru está orientada a crescer e atender esse jovem conectado ao mundo digital e que, pela relação com a tecnologia, não quer voltar ao presencial”, afirma o CEO William Mattos.

William Matos

William Matos, CEO da Vitru (foto: divulgação/Vitru)

Tudo indica que continuarão a crescer, seguindo a tendência de expansão do EAD. “Hoje, o aluno reconhece o que tem ou não qualidade. Uma das alavancas de crescimento é a indicação dos próprios alunos.” Mais de 40% dos ingressantes chegam por essa via.

Mattos afirma que não há previsão para novas aquisições em 2024. Neste momento, o foco está “dentro de casa, num projeto de combinação de negócios e busca de sinergias, em função dessa grande fusão de marcas já bem estabelecidas”.

 

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Ele considera que talvez alguns players tenham exagerado na aceleração do crescimento. A Vitru, diz, é focada na qualidade. Para isso, há investimentos nos polos, que têm sala de aula, laboratório. “O aluno precisa do processo de pertencimento. Trazemos os alunos para perto de nós, com polos, tecnologia e metodologia. Na Uniasselvi, trabalhamos com o semipresencial, temos mais de três mil tutores espalhados pelo Brasil.”

Em relação aos preços das mensalidades, Mattos afirma que a Vitru tem estratégias para entender o movimento do mercado e, na medida do possível, o grupo tenta “não participar daquilo que o mercado às vezes experimenta de uma forma um pouco irracional”. O contexto macroeconômico é relevante para esse cálculo, assim como o perfil socioeconômico dos estudantes. “A educação a distância atende as classes menos favorecidas – C, C-, D+ – e essas classes vêm sofrendo no pós-pandemia, assim como durante a pandemia, para fazer a aquisição de um curso superior. Então definimos o preço de maneira criteriosa.”

 

Inclusão é urgente

 

O Enem é um bom termômetro de quanto o jovem ainda sonha com a faculdade. “Já teve 8 milhões de inscritos”, lembra Luiz Cláudio Costa, remetendo-se a períodos anteriores, como o ano de 2016. São cinco anos de decréscimo no número de jovens e adultos inscritos no Enem. Neste ano, entretanto, a tendência se reverteu. Houve o aumento de 13% em relação a 2022.

Luiz Claudio Costa

Luiz Clausta, reitor do IESB (foto: divulgação/IESB)

Apesar dessa boa notícia e da expansão do EAD em 2022, apenas 25% dos jovens brasileiros de 18 a 24 anos estão presentes nas 2.595 instituições do país, entre públicas e privadas. A exclusão persiste.

Gênero, raça e condição socioeconômica são vetores que influenciam o acesso – e permanência – no ensino superior. Para Costa, é urgente acabar com a pré-evasão, “que é dolorosa, uma perversidade”. Membro da equipe de transição do atual governo, ele afidio Corma que é preciso aprimorar o programa de financiamento para o estudante carente. “Esse estudante precisa ter o sonho de estudar.”

O Fies é um belo programa, diz, e enfatiza que “o Fies não é para beneficiar a IES, mas o estudante. E não é um empréstimo pensado sob a perspectiva de uma política econômica, é uma política social”. Nas universidades públicas, também a permanência dos estudantes menos favorecidos, principalmente diante da mobilidade, precisa do aumento do Programa Nacional de Assistência Estudantil.

As cotas sociais e raciais, que este ano completam 20 anos, são importantes instrumentos de inclusão. “Diziam que a qualidade da universidade ia cair, não caiu. Eu estava na presidência do Inep e fizemos o primeiro estudo, há outros que comprovam. Alunos do Prouni, nas universidades privadas, também têm rendimento satisfatório.”

 

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“Nós temos de ser mais diversos em todos os sentidos e acabar com qualquer tipo de preconceito.” No IESB, há o compromisso de confrontar, por exemplo, a homofobia. “A pessoa coloca o nome que ela escolher no diploma”, afirma, em relação às pessoas trans. Quando atuou no MEC, Costa foi responsável por introduzir a possibilidade de uso do nome social no Enem.

Para Silvia, da Unisanta, “a inclusão requer um olhar profundo em relação a essa diversidade que chega à universidade. Aqui ela encontra guarida pela proximidade de grupos de pesquisa, inclusive cadastrados no CNPq, que fazem levantamentos junto a essas comunidades dentro da Unisanta”, explica. Silvia menciona o Observatório de Direitos do Migrante, no âmbito do grupo de estudos da pós-graduação de direito da saúde, vinculado não só com a área internacional – através da Unesco, de ajuda que vem para refugiados – como também acesso a bolsa de estudos.

O custo baixo e a penetração em territórios longínquos, num país continental, faz da educação a distância um instrumento de inclusão, segundo Mattos. “Chega aos ribeirinhos, quilombolas, nas comunidades periféricas”, diz. “Numa base de mais de 900 mil alunos, o diverso já faz parte. Temos tecnologia e programas específicos para atender as pessoas com deficiência – PCDs –, que são excluídas principalmente dos processos de aprendizagem, sem condições de frequentar o ensino presencial.” A inclusão, afirma o CEO, também requer núcleos de apoio psicopedagógico, para docentes e discentes. “O professor precisa ser preparado para atuar com os menos favorecidos, as minorias.”

 

As assombrosas tecnologias

 

As metodologias de ensino, revolucionadas pela tecnologia digital, sofreram outro abalo sísmico no final de 2022, quando o que já era conhecido em círculos menores tornou-se disponível para o mundo todo. E é para a IA generativa que a comunidade docente se volta.

“O melhor ensino é aquele que consegue extrair as vantagens de vários métodos num processo que pode mesclar IA e outras abordagens ao longo da aprendizagem. Mas a regra número um é não excluir o professor. Ele é o grande mentor desse processo”, detalha a reitora da Unisanta. Lá, os professores recebem apoio, inclusive emocional, para lidar com as transformações, que não são apenas científicas. “É uma transformação de mentalidade e principalmente exigirá habilidades, conhecimento e atitude.”

No IESB, a primeira orientação que os professores receberam foi: “não façam perguntas que o ChatGPT responda”. É preciso provocar a inquietude, a criatividade, e ensinar o estudante a fazer as perguntas, afirma Costa. “O ChatGPT muda completamente o conceito de avaliação, algo que já deveríamos ter mudado há muito tempo”, afirma.

 

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Um protótipo dessa IA generativa está em desenvolvimento no IESB na disciplina de análise e desenvolvimento de sistemas, que funcionará coordenando fóruns, dando respostas, conversando com o estudante. É uma especialidade em engenharia de Prompt em que primeiro estão os professores participando e aprendendo. Em seguida, o curso será oferecido aos estudantes. “Tenho a convicção de que o profissional do futuro não será substituído pela IA, mas o profissional que não souber trabalhar com IA será substituído por aquele que sabe”, conclui Costa.

A Vitru se organizou em quatro frentes. A primeira, estabelecendo a governança da IA, definindo rumos; a segunda, capacitando professores e tutores. Partiram para a experimentação interna com a parceria de big techs como Google e Microsoft, pilotando programas no setor administrativo e no atendimento ao aluno – um tutor IA – e aos funcionários. A quarta frente são parcerias com startups e centros de inovação. “A IA vem favorecer esse movimento que já era disruptivo e tecnológico, vem fortalecer o processo de aprendizagem do aluno, consolidar e garantir a aceleração que a tecnologia é capaz de fazer com a educação.”

Autor

Sandra Seabra Moreira


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