Como educadores, é nosso papel não apenas ensinar conteúdos, mas também habilidades de vida, incluindo autoavaliação
Conexão entre a falta de independência e o comportamento de crianças e jovens em ambientes educacionais pode estar na superproteção (foto: Freepik)Como consultora em programas de formação de professores e estudiosa em metodologias ativas e processos avaliativos, tenho questionado o porquê da dificuldade de engajarmos os alunos e conseguirmos resultados mais eficientes, principalmente em atividades em grupos, em classe ou extraclasse, de acordo com os depoimentos de grande parte dos professores.
Na maioria das vezes tratamos o tema sob o prisma da avalanche de recursos digitais, a internet e redes sociais como influenciadores diretos na mudança de comportamento dos jovens, em relação ao tempo de atenção e na dificuldade do “saber fazer”, de colocar a mão na massa e resolver problemas reais. Além disso, pesquisas apontam que jovens revelam a falta de conectividade sobre o que estão aprendendo com os problemas reais e sua intencionalidade de carreira profissional.
Já sei que esse tema não é novidade entre os que estão inseridos no cenário da educação superior, mas outros fatores também surgiram nos últimos anos e que vêm sendo um desafio para as instituições de ensino. Um deles trata das questões emocionais de nossas crianças e jovens, e até adultos, com dificuldades nas suas relações interpessoais. Será que apenas inserir no currículo métodos ativos e projetos liderados por empresas que simulem o trabalho real será suficiente?
Não sou psicóloga, mas não é difícil avaliar o comportamento de crianças e jovens que vivem sob a total supervisão de seus pais ou responsáveis em relação a onde podem ir, como ir, com quem falar, como devem se comportar ou reagir, entre outros. A realidade da maioria das crianças é a do “isolamento”, principalmente por causa dos riscos que correm nas ruas, em quaisquer lugares em que estejam sozinhas ou mesmo em grupo com outras crianças. Esse controle também impacta suas atividades escolares, não importa em que nível.
Claro que também existe a realidade oposta em que crianças e jovens batalham por sua sobrevivência e por isso desenvolvem um alto índice de responsabilidade, mas também de individualidade. Então, como promover relações saudáveis entre elas na sala de aula, de modo que se interessem pelos estudos e por um trabalho coletivo que exige delas autonomia, autorregulação e tomadas de decisão, com um ensino de qualidade, que gere valor em suas vidas e impacte seu presente e futuro?
Os métodos ativos de ensino preconizam a autonomia e o protagonismo do estudante. Mas o que nossos jovens entendem sobre tomar decisões, fazer escolhas e resolverem problemas por si mesmos? Como as instituições de ensino têm trabalhado para promover as habilidades de convivência e para desenvolver competências importantes para o seu futuro pessoal e profissional? Para relacionar esse assunto com as metodologias ativas de ensino, recuperei alguns artigos sobre essas questões.
Em entrevista à BBC News, o psicólogo americano Peter Gray, que há anos estuda o tema: a atual “epidemia de psicopatologia” entre crianças e adolescentes está diretamente ligada a um fenômeno observado no último meio século: a redução gradual do nível de independência dos jovens. Nessa entrevista, Gray aponta alguns itens relevantes que devemos observar.
A conexão entre a falta de independência e o comportamento de crianças e jovens em ambientes educacionais pode estar na superproteção e na falta de oportunidades para que crianças e jovens tomem decisões por si mesmos, e isso está contribuindo para uma crise de saúde mental. Essa falta de autonomia pode levar a dificuldades de adaptação e comportamento nas escolas, onde se espera que os alunos gerenciem suas responsabilidades e tomem iniciativas.
Na transição para a universidade, jovens superprotegidos podem enfrentar maiores desafios ao lidar com a liberdade e as pressões acadêmicas, resultando em ansiedade e problemas de saúde mental. Gray sugere que pais e educadores incentivem a independência, permitindo que crianças e jovens enfrentem desafios e aprendam com suas experiências. Portanto, não basta dizer que o estudante seja protagonista da sua experiência de aprendizagem, se ele não sabe o que isso significa.
Adaptar estratégias de ensino para atender às necessidades individuais dos alunos é parte fundamental de uma formação eficaz. Para isso, as IES devem alinhar constantemente com seus professores e setores responsáveis pelo acompanhamento dos estudantes ações como:
A discussão sobre o engajamento dos alunos e a eficácia das atividades, seja em grupo ou individual, é profunda, complexa e multifacetada. Não basta dizer que se quer fazer isso, ou usar tal proposta inovadora principalmente como estratégias de marketing das instituições. Alguns pontos-chave estão relacionados aos métodos ativos de ensino e ao papel dos professores:
Nada exclui a certeza de que cada aluno é único e pode responder de maneira diferente a essas estratégias. Portanto, é importante que os professores sejam flexíveis e estejam dispostos a adaptar suas abordagens conforme seja necessário. Promover a autonomia não significa deixar os alunos à própria sorte. Em vez disso, envolve fornecer o apoio e a estrutura necessários para que os alunos possam tomar a iniciativa de seu próprio aprendizado.
Incentivar a autoavaliação dos alunos é uma parte importante do processo de engajamento para promover a aprendizagem. Para isso, é preciso ensinar os alunos a como refletir sobre seu próprio aprendizado, fornecer a eles critérios claros e específicos para avaliar seu próprio trabalho, seu rendimento e seu nível de participação e entrega às atividades propostas. Isso pode incluir perguntas orientadoras, rubricas, listas de verificação ou exemplos de trabalhos de alta qualidade. A incorporação da autoavaliação também ajuda os alunos sobre como está seu progresso em relação às metas de aprendizagem e seus propósitos.
O professor pode modelar a autoavaliação ao demonstrar como ele se autoavalia e mencionar que ela é parte importante do processo da aprendizagem, do desenvolvimento pessoal e profissional. Quando se cria um ambiente em que os alunos se sintam confortáveis, sendo honestos sobre suas forças e fraquezas, revela-se a importância do crescimento e do aprendizado contínuo. A autoavaliação é uma habilidade que precisa ser ensinada e praticada.
Finalizo reforçando que a promoção da autonomia e do engajamento do estudante no cenário educacional contemporâneo é multifacetada e desafiadora. Os métodos ativos de ensino surgem como ferramentas potentes para estimular o protagonismo dos alunos em sua jornada de aprendizagem, conectando-os com situações reais e preparando-os para enfrentar desafios futuros com confiança e competência. No entanto, para que esses métodos sejam eficazes, é necessário que professores e instituições de ensino criem ambientes de aprendizado que incentivem sua independência, ofereçam suporte emocional e promovam habilidades sociais e colaborativas. É vital que as abordagens educacionais sejam adaptáveis e personalizadas, levando em consideração as individualidades de cada aluno, suas necessidades emocionais, estilos de aprendizagem e aspirações de carreira.
Como educadores, é nosso papel não apenas ensinar conteúdos, mas também habilidades de vida, incluindo autoavaliação, tomada de decisões e resolução de problemas. A autoavaliação em particular é uma ferramenta poderosa que pode capacitar crianças, jovens e adultos a assumirem a responsabilidade por sua própria aprendizagem e desenvolvimento. Ao adotar essas práticas, estamos não apenas educando para o presente, mas estamos equipando-os para um futuro em que possam ser cidadãos autônomos, resilientes e adaptáveis.
Portanto, deixo aqui uma questão reflexiva e desafiadora para os professores: como podemos, em nossas práticas diárias, cultivar um equilíbrio entre fornecer a estrutura e o apoio necessários aos alunos, engajá-los e permitir que eles naveguem pela sua aprendizagem com a independência necessária para se tornarem solucionadores de problemas eficazes e membros proativos da sociedade?
Que tenhamos uma boa resposta para iniciar o próximo ano.
Por: Ana Valéria Reis | 20/12/2023