NOTÍCIA

Edição 280

Enade: Diversificar para crescer

Exame não atende necessidade de avaliação

Publicado em 14/12/2023

por Ensino Superior

diversificar Sociólogo Simon Schwartzman afirma que é preciso repensar o modelo do ensino superior (imagem: Freepik)

Por Rubem Barros*: O ciclo do Plano Nacional de Educação (PNE) iniciado em 2014 vai chegando ao fim e a fotografia deste momento está muito diferente do que se imaginava e queria quase dez anos atrás. É o que mostra o Censo da Educação Superior de 2022. De um lado, a meta 12, que trazia os objetivos das taxas bruta e líquida de matrículas, ficou com números bem abaixo do desejado. De outro, a ascensão da oferta e das matrículas em educação a distância teve um crescimento em sentido oposto, bem maior do que as vagas presenciais, em especial na educação privada.

Entre os 22,5 milhões de jovens entre os 18 e 24 anos no Brasil, apenas 20,2% (aproximadamente 4,5 milhões) estão matriculados em cursos de nível superior, número bem distante dos 33% previstos pelo PNE para a taxa líquida. Eles são pouco menos do que a metade daqueles da mesma faixa etária que completaram o ensino médio e não estão na universidade (43,4%). Os números da taxa líquida melhoram um pouco quando são computados aqueles entre 18 e 24 anos que já concluíram o ensino superior, 4% do total. Assim, a dita taxa líquida ajustada sobe a 24,2%.

 

Leia: Setor de EAD critica propostas do MEC

 

imagem 1

Em contrapartida, o número de cursos e vagas em educação a distância teve uma verdadeira explosão nos últimos anos. De 2018 a 2022, o crescimento foi de 189,1%, de 3,1 mil para 9,1 mil cursos. No mesmo período, a oferta de vagas presenciais diminuiu 11%, enquanto aquelas para EAD cresceram 139,5%.

E o que, afinal, significa toda essa salada de números? Depende da análise e do olhar. Há constatações indiscutíveis: a pandemia mudou o cenário, favorecendo o EAD, assim como as mudanças regulatórias instituídas em 2017. As IES, principalmente as privadas, ficaram com vagas presenciais ociosas e preferiram oferecer cursos a distância, mais acessíveis. Muitos deles, no entanto, são em áreas sensíveis, que demandam experiência prática do estudante, como educação e saúde.

 

Leia: Avaliação é ponto forte na reestruturação das IES

Esse fato preocupa o ministro da Educação, Camilo Santana, que anunciou a intenção de transformar o Enade em avaliação anual para as licenciaturas. Para o ministro, o Enade (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes), cujos resultados foram anunciados no final de outubro, “tem colaborado para que o Ministério aperfeiçoe suas políticas públicas e mostrado a importância das políticas afirmativas para dar acesso às pessoas de baixa renda”.

Algumas respostas do Questionário do Estudante confirmam essa última afirmativa. Quase 70% têm renda familiar entre 1,5 e 4,5 salários mínimos e mais da metade trabalha 40 horas semanais ou mais. Além disso, os pais de 67,2% não têm graduação.

Quanto à capacidade de o Enade proporcionar uma boa fotografia dos cursos e dos estudantes que estão se formando, a questão é controversa.

Simon Schwartzman

Simon Schwartzman (foto: divulgação)

Para o sociólogo Simon Schwartzman, ex–presidente do Inep, não só o Enade, mas o sistema universitário brasileiros são anomalias. No que diz respeito ao exame, ele diz que nenhum país faz esse tipo de avaliação na saída do aluno. “Um bom sistema de avaliação precisa ter dados, mostrar, por exemplo, qual é a empregabilidade daquele curso”, defende. Para ele, o modelo brasileiro oferece poucos caminhos e muito seletivos para o aluno.

 

Leia: Inep anuncia mudanças nas avaliações

“É um sistema muito centrado nas carreiras tradicionais, o mesmo modelo criado em 1968, muito aristocrático. O governo fica obcecado em criar mais vagas e não observa o que está acontecendo no resto do mundo. Em muitos países, metade dos universitários faz cursos tecnológicos, ensino profissional. Mesmo na América do Sul, como é o caso de Chile e Colômbia”, exemplifica.

Rodrigo Capelato, diretor executivo do Semesp, também coloca o Enade em xeque: “É uma prova bastante controversa. Você não vê outros países aplicando uma prova de 40 questões para avaliar uma jornada de 4 ou 5 anos do aluno no ensino superior. Um estudo da OC-DE reprovou esse modelo de avaliação”. Mas, se o exame for mantido, ele acha bom que a avaliação seja anual, com a nota podendo constar do histórico escolar do aluno. E não precisaria ser aplicado em carreiras práticas, onde a prova teórica perde sentido, avalia o executivo.

 

imagem 2

Ele se alinha à ideia de variedade de cursos, com opções que exijam menos tempo para que o aluno se forme (entre dois e três anos). Capelato dá o exemplo de Estados Unidos, Alemanha e Coreia do Sul, países cuja taxa de cobertura do ensino superior é bem maior, com grande parte dos alunos atendidos por cursos de duração menor, mais voltados ao mercado de trabalho, como nos community colleges norte-americanos. Como Schwartzman, ele acredita que esta pode ser uma boa opção também para o Brasil, onde os jovens precisam trabalhar para se manter.

 

Nota de entrada

 

Membro da Comissão Nacional de Avaliação do Ensino Superior, o pesquisador Renato Pedrosa, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, não acha que o Enade deva acabar ou que não traga informações importantes. Apenas que a prova não avalia tudo que o estudante aprendeu ou deixou de aprender no ensino superior. Avalia um conjunto mais reduzido de coisas.

“Controlar a qualidade de saída dos estudantes é algo muito difícil. Se está bom ou ruim, o Enade não diz, mas ele mostra as diferenças de desempenho dos cursos”, diz Pedrosa. Essas diferenças, segundo estudo feito pelo pesquisador, podem trazer achados que contrariem a visão prévia de muitos a partir de alguns comparativos. Um dos aspectos da análise do pesquisador é a nota dos estudantes no Enem, o resultado que lhes garantiu acesso à universidade. Segundo o estudo, “a nota das médias do Enem de um curso prevê de forma substantiva a média das notas desse curso no Enade”. Ou seja, de 60% a 70% da variabilidade da nota do Enade é explicada pela nota do Enem.

Para que o exemplo se torne mais concreto, ele comparou as notas dos alunos de cursos de Administração presenciais e a distância no Enade. No geral, os cursos presenciais ficaram 5,2 pontos acima daqueles de EAD. No entanto, quando o pesquisador faz o comparativo entre alunos das duas modalidades que tiveram a mesma nota de ingresso no Enem, essa diferença diminui para 2,6 pontos, ou 50%.

 

Leia: Falta prática didática na formação docente

Em outro cotejo, ele comparou um grupo de alunos de renda familiar mais alta e pais com escolaridade superior com um de renda mais baixa e pais de baixa escolaridade. No geral, o de renda familiar mais alta saiu-se melhor. Mas, ao colocar o mesmo filtro e comparar os estudantes dos dois grupos que haviam entrado com a mesma nota no Enem, os resultados do grupo de menor poder socioeconômico foram melhores.

O estudo conclui que, no geral, os cursos das universidades públicas vão melhor porque seus alunos tiveram melhor nota de entrada. “Tem uma diferença e essa diferença permanece.”

O pesquisador realizou vários outros comparativos que seguiram o padrão de praticamente igualar as notas daqueles que ingressaram com notas similares no Enem. Além da variável socioeconômica, ele testou a comparação EAD/presencial, pretos e pardos/brancos e homem/mulher.

Segundo Pedrosa, ele já havia realizado o mesmo estudo para o ingresso na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) cerca de 20 anos atrás, comparando alunos que haviam feito o ensino médio em escolas privadas e em escolas públicas. Foi o que motivou a instituição do PAAIS (Programa de Ação Afirmativa e Inclusão Social) na universidade paulista. O programa, pioneiro no Brasil, oferece bônus de 20 a 60 pontos por fase para os alunos de escolas públicas no vestibular.

 

Leia também: Graduação em matemática e tecnologia da inovação é a nova oferta do IMPA

No entendimento do pesquisador, para que o Enade pudesse ter um padrão que avaliasse o nível mínimo de proficiência a ser exigido dos licenciandos, por exemplo, teria de introduzir uma escala interpretativa e uma matriz, como acontece no Saeb, a avaliação dos diferentes níveis da educação básica. “É a escala referenciada por critério, não em relação à norma. O critério permite dizer o que é habilidade fundamental a ser atingida”, explica. Para melhorar a questão do ingresso e da qualidade no ensino superior, além desse ponto, Pedrosa sugere que a política pública que faria mais diferença seria melhorar o ensino médio, ou seja, aproximar os alunos de um mesmo ponto de partida. E também avaliar a partir de provas comparáveis entre si e instituir avaliações dos aspectos práticos das carreiras. Nas licenciaturas, com estágios avaliados efetivamente pelas instituições.

No caso do ensino médio, a efetiva melhora da etapa talvez possa fazer com que o número de inscritos chegue mais perto de seu recorde histórico, em 2013, quando 8,7 milhões de alunos se habilitaram para fazer a prova. Em 2023, são 3,9 milhões, número um pouco melhor que o do ano passado, de 3,3 milhões. Um pouco dessa queda pode ser explicado pelo envelhecimento da população e uma consequente parcela menor de jovens. Mas nem de longe explica uma queda tão grande em 10 anos.

 

Ensino médio

 

Volta então o dilema do ensino médio. A reforma tirou muito de sua substância, mas dava flexibilidade em termos de percursos, ao menos teoricamente. Mas, se o médio ainda não encontrou o caminho, ele parece ser um dos pontos de partida. Os outros seriam as etapas anteriores. Rodrigo Capelato opina: “É preciso melhorar a qualidade da educação básica, principalmente o ensino médio, para diminuir a evasão e dar oportunidade a um maior número de jovens se formarem nessa etapa e ingressarem no ensino superior”, vaticina. Em segundo lugar, seria preciso aproximar o ensino médio do ensino superior, evitando que os jovens parem de estudar ao final da educação básica. “Dá para fazer isso com programas que tragam esse aluno para a realidade do ensino superior, como foi feito no Pronatec, por exemplo, em que os alunos faziam o curso técnico na universidade”, relembra.

O ponto principal é instituir políticas de acesso ao ensino superior, pois os estudantes não têm condições de pagar mensalidades. “É preciso ter programas de bolsa como ProUni ou financiamento estudantil. E ampliar o sistema de cotas nas universidades públicas. Você não consegue aumentar o número de vagas nas públicas, pois custa muito caro para o estado, mas dá para reservar mais vagas para os mais carentes”, finaliza. Em qualquer um dos casos, é preciso fazer a economia crescer, algo que depende da escolaridade da população.

 

imagem 3

 

Esta reportagem de Rubem Barros faz parte da edição 280 (novembro/dezembro) da Revista Ensino Superior. Confira outros conteúdos.

Autor

Ensino Superior


Leia Edição 280

Desafios 2024

Preços, inclusão e tecnologias, os desafios

+ Mais Informações
Conservação e restauração

Conservação e restauração, oportunidade para IES

+ Mais Informações
Análises 2024

Os caminhos para se diferenciar em 2024

+ Mais Informações
diversificar

Enade: Diversificar para crescer

+ Mais Informações

Mapa do Site