NOTÍCIA
Além da telemedicina, os sistemas de inteligência artificial começam a fazer parte da rotina de médicos e estudantes de medicina
Publicado em 26/09/2023
Na área da medicina, a tecnologia provocou mudanças significativas, transformando especialidades. Assim como ocorreu em outros campos de atuação, trouxe a possibilidade de atendimentos a distância, a telemedicina ou a teleconsulta, prática já reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). Sistemas de inteligência artificial começam a fazer parte da rotina dos médicos e dos estudantes. Esses aspectos impactam a formação de novos profissionais e as motivações para a escolha de especialidades.
Das 53 especialidades hoje registradas no CFM, as mais desejadas “são aquelas com resiliência, plasticidade e adequação aos processos tecnológicos”, afirma Mauro Tavares, diretor executivo da Afya, que reúne 32 instituições do ensino superior. Trinta delas oferecem o curso de medicina; na pós-graduação, são 15 unidades com educação continuada na área médica e de saúde. É também um hub de desenvolvimento de soluções digitais.
Tavares elenca a clínica médica, a pediatria e a cirurgia como especialidades que estão à frente na preferência dos estudantes.
A pediatria foi indesejada por muito tempo. Esse fato fez surgir a necessidade de mais profissionais, o que valoriza a especialidade, os salários sobem e os egressos se motivam. Já na cirurgia o que atrai as novas gerações é o grande campo da cirurgia robótica. Entre as especialidades em baixa estão “as mais antigas”: radioterapia, cirurgia de mão, genética. “São especialidades preteridas por causa da complexidade da formação, baixa remuneração e pouca realização profissional.”
Cirurgia robótica e videocirurgia são especialidades da cirurgia geral. Na formação, o estudante aprenderá, basicamente, a trabalhar com as respectivas tecnologias. Na prática, elas se unem. “Um cirurgião dos EUA consegue orientar um cirurgião no Einstein, por exemplo. O cirurgião está com o paciente, o robô posicionado e, à distância, está um cirurgião mais experiente, do Memorial Hospital de Nova York. Eles trabalham com a mesma facilidade com que se joga videogame online com parceiros no mundo todo.” A robótica é tecnologia presente em praticamente todas as especialidades cirúrgicas, “mas na oftalmologia tem importância fundamental, pois são cirurgias muito delicadas”.
Com o impacto da inteligência artificial no imaginário coletivo, um robô na sala de cirurgia dá o que pensar. Até onde ele chegará? Todas as tomadas de decisão no campo cirúrgico são do médico, relata Tavares. “É como uma tesoura, pinça ou lupa, como um alicate na mão de um joalheiro, quem decide é o joalheiro e ele precisa de uma ferramenta. O robô faz a incisão mas quem determina o local, o tamanho, a profundidade, o momento de seccionar ou suturar é o cirurgião”, explica. “A precisão é maior do que a da mão humana.”
Por meio de algoritmos, os alunos são convidados a analisar as inúmeras possibilidades envolvendo, por exemplo, uma mancha no rosto. O aluno insere dados como a cor, as características da borda, se a mancha cresceu ou não. Ao alimentar os algoritmos, eles apontam as hipóteses. Quanto mais informações inseridas, maior a base de dados, mais chances de acerto da IA. “No entanto, ela ainda erra”, diz Tavares.
Acerca dos limites da IA, Tavares exemplifica com a dificuldade que os sistemas de IA têm para desenhar as mãos humanas, “por causa da complexidade e multiplicidade de movimentos que ela realiza”. Expressões faciais e olhos também são desafiantes para os algoritmos reproduzirem. As tomadas de decisão envolvem inúmeras variáveis e uma delas são os procedimentos éticos. A IA – ainda – não assume essa função. O uso da IA na medicina requer detalhamento ético. “A telemedicina precisou amadurecer, evoluir, ser entendida, apropriada em todas as suas facetas para que fosse considerada ética, sobretudo a relação médico-paciente, para, então, seguir com a validação. Assim também acontecerá com a IA.”
Detentora de um hub de empresas de desenvolvimento de tecnologia, a Afya prioriza a apresentação das ferramentas tecnológicas aos estudantes nos últimos períodos da graduação. “Há o estudante que gosta de tecnologia, há o outro que quer ir para o interior, é mais vocacionado para a atenção primária. A nossa função como formadores é apresentar as possibilidades.”
A telemedicina, afirma o diretor, também é instrumento importante na formação. “Nossas instituições têm excelentes estruturas e ofertas de conteúdo, conseguimos dar suporte a locais muito distantes, onde não há especialistas para a devida assistência à população. Uma neuropediatra de uma escola nossa em Palmas, no Tocantins, pode entrar via telemedicina, oferecendo suporte a um atendimento ambulatorial, presencial, que acontece em Cruzeiro do Sul, no extremo norte do Acre.”
O ITPAC Palmas abriga o Centro de Simulação em Saúde. Em fevereiro, o CSS recebeu uma certificação norte-americana, o Selo de Acreditação da Sociedade de Simulação em Saúde. “Os alunos treinam em simuladores, manequins de todos os níveis, para que eles possam, uma vez em contato com o paciente real e acompanhados por orientadores, executar procedimentos com uma margem mínima de erro.”
*Esta reportagem sobre a transformação dos cursos de medicina faz parte da edição 278 da Revista Ensino Superior. Assine e tenha acesso à edição completa.