NOTÍCIA
Diretor do Instituto Nacional de Educação (NIE) de Cingapura, Lee Sing Kong defende a valorização do professor como a principal forma de incentivar os educadores a prosseguir com a missão de transformar o futuro de uma nação
Publicado em 20/07/2016
Há pouco menos de 60 anos, Cingapura deu início a uma reforma educacional que possibilitou a essa cidade-estado figurar no 2º lugar do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) e transformar uma sociedade que possuía índices altíssimos de analfabetismo e abandono escolar em um fornecedor de mão de obra qualificada para empresas de todo o mundo.
Apesar de ter alcançado um nível de excelência educacional já no final dos anos 1990, o governo local promoveu recentemente, entre os anos de 2006 e 2015, uma revisão sistemática dos programas de formação de professores tendo por base orientadora o currículo nacional. Essa revisão originou um modelo batizado de Thinking teachers, cujo objetivo é desenvolver valores, habilidades e conhecimentos que respondam aos desafios da educação no mundo contemporâneo.
Além de diretor do organismo responsável pela formação local de professores, Lee Sing Kong é membro do Centro Nacional para Educação e Economia (NCEE) dos Estados Unidos, órgão que tem como objetivo analisar a economia e a educação no mundo, identificando os melhores caminhos para a política educacional dos Estados Unidos.
Em entrevista concedida durante visita a São Paulo, por ocasião do Ciclo de Debates sobre Gestão Educacional, organizado pela Fundação Itaú Social, Lee falou sobre outros avanços obtidos por meio da reforma educacional realizada em Cingapura, e ressaltou a importância da valorização docente como condição para o desenvolvimento de uma nação.
Desde o ano passado, a base nacional curricular brasileira está sendo elaborada e discutida em todo o país. Como esse processo foi desenvolvido em Cingapura?
Antes de falar sobre o desenvolvimento do currículo, gostaria de dizer que o nosso sistema funciona muito por meio da identificação do que os estudantes precisam aprender e que a organização de um documento como esse deve ser um processo muito participativo. No caso de Cingapura, consultamos educadores, gestores, organizações da sociedade civil e pais de alunos. Depois que recebemos todos os feedbacks, nós os cristalizamos e decidimos quais conhecimentos as crianças precisariam ter, em quais áreas e assim por diante. Então, o currículo, no fim das contas, é o documento em que constam os conceitos fundamentais com os quais nossos alunos devem ser educados antes de chegarem à universidade.
Qual é o grande desafio da educação de Cingapura?
Considero que o desafio de qualquer sistema educacional hoje é formular um currículo que seja capaz de atender às mudanças das demandas, que estão cada vez mais rápidas. A tecnologia se transforma de forma muito acelerada e, conforme isso se dá, as habilidades requeridas nos empregos também mudam. Então, a pergunta que todos devemos fazer é: como elaborar um sistema educacional que forme estudantes relevantes para as novas necessidades? O que precisamos que os estudantes saibam? Eles precisam dominar os conteúdos em detalhes? Quais são os conhecimentos fundamentais que precisamos fornecer? Na minha opinião, alguns muito básicos: linguagem, conceitos de ciências e de matemática.
Em Cingapura, o salário do professor pode ser equiparado ao de um médico ou engenheiro. O salário inicial de um professor brasileiro é menos da metade do de um engenheiro, por exemplo. Como tornar essa carreira atrativa, tendo em vista os baixos salários e as condições de trabalho ainda precárias?
Creio que a questão salarial não é mais importante do que a valorização dos profissionais da educação pela sociedade. Isso determina muito o moral dos professores de um país. O salário é um componente importante, sem dúvida. Porém, se a remuneração é baixa e a sociedade atribui muito respeito aos professores, pela contribuição que dão para a construção e o desenvolvimento de uma nação, acredito que isso seja capaz de levantar o moral deles e fazê-los seguir em frente. A sociedade e os líderes precisam começar a celebrar o bom trabalho dos professores e ajudá-los a serem reconhecidos positivamente pela contribuição que dão na educação das crianças, que serão o futuro da nação. Isso, obviamente, tem de ser uma política de governo. Em Cingapura, em toda primeira sexta-feira de setembro é comemorado o Dia do Professor. Nessa data, o presidente convida os educadores para uma cerimônia em seu palácio, na qual alguns deles são premiados.
E como funciona o plano de carreira docente?
Há três caminhos possíveis. No passado, havia apenas uma possibilidade de carreira, na qual o professor só podia ascender a cargos de gestão escolar, deixando assim o dia a dia da sala de aula. Isso significava que os professores que tinham os melhores desempenhos não eram promovidos. Agora, eles podem ocupar os cargos de professores seniores, professores líderes, mestres e assim por diante. Financeiramente falando, o salário de um professor mestre e de um diretor escolar podem ser equiparados. Há ainda uma situação mais específica, para educadores que são muito habilidosos em desenvolver currículo, elaborar sequências didáticas e dar consultorias. A evolução da carreira depende, portanto, da expertise do profissional e, claro, do desempenho deles.
Como funciona o processo seletivo dos professores em Cingapura?
Temos um processo seletivo muito rigoroso. Antes de um professor ser contratado, ele tem de passar por uma entrevista, como acontece em quase todas as outras profissões. Depois de aprovado na primeira triagem, ele é encaminhado ao Instituto Nacional de Educação para receber treinamento. Nessa etapa, ele participa de estágios em escolas; 35% do tempo de todo o treinamento é realizado em instituições de ensino. Se durante esse período de testes diante dos alunos ele falhar nas práticas, fica definido que esse profissional não será admitido.
Como funciona o Thinking teachers (programa de formação de professores do país)?
Os professores precisam ter as competências para ajudar os alunos a atingir as expectativas de aprendizagem, porém, o papel desses profissionais mudou muito nos últimos anos e é por isso que passamos quase dez anos reformando nossa forma de ensinar. Quando eu era estudante, sentava na carteira e ficava ouvindo o professor e não fazia muita coisa durante o processo de aprendizagem. Hoje, os alunos conseguem fazer isso por poucos minutos e logo ficam entediados. Chamamos os estudantes da atualidade de epic, ou seja, eles gostam da experiência, de compreender o que estão aprendendo passo a passo. Sentem necessidade de participação no processo de aprendizagem, guiados pelo imediatismo, e gostam de ficar conectados enquanto grupo para estudar.
Então, nossos professores são treinados para promover o aprendizado de modo colaborativo, de forma a incentivar os estudantes a aprenderem juntos.
Qual é o papel dos gestores?
Os gestores devem entender como desenvolver os professores para fazer deles melhores educadores, precisam elaborar novos programas para engajar os estudantes e ajudá-los no processo de aprendizagem. E o ministro, embora tenhamos um sistema educacional centralizado, dá muita autonomia aos líderes escolares. Toda instituição recebe uma verba calculada a partir do número de alunos que possui. O diretor tem o poder de decidir como esse dinheiro será usado, sem precisar consultar o ministro para aprovar as ações.
Quão próximos eles são?
Muito próximos. Todas as políticas desenvolvidas pelo ministro são comunicadas aos líderes e os líderes são consultados no desenvolvimento das políticas.
De que forma o abandono escolar foi superado?
Isso era um problema nos anos 70 em Cingapura. No período, 20% dos estudantes não completavam dez anos de educação. Já nos anos 80 foram desenvolvidos programas de recuperação para esses alunos, que podiam condensar dez anos de estudos em quatro ou cinco, dependendo do caso. Com essa medida, reduzimos o abandono escolar de 20% para 2%, em dez anos.
Quais ações o senhor acha que poderiam ser reproduzidas em países como o Brasil?
Não acho que existam modelos que possam dar conta de toda e qualquer situação. O que precisa ser avaliado, caso a caso, é o porquê de os alunos deixarem a escola. Acham estudar desinteressante? Ou eles não conseguem acompanhar o que é ensinado por alguma falha cometida em etapas anteriores? Para os entediados, é necessário ter professores que façam das aulas algo mais interessante, que os engaje. Quando um país possui problemas educacionais, é preciso entender as razões disso. Só depois de um exame aprofundado do cenário é possível transformá-lo.