NOTÍCIA
Num mercado em retração e com grande concorrência, a implementação do ensino ativo pode ser essencial para a permanência no negócio, se for feita uma série de medidas para ajuste da receita e da despesa
Publicado em 02/08/2021
Questões financeiras são uma das principais razões alegadas por instituições para não investir em ensino participativo (ou ensino ativo). Os motivos e as resistências são legítimos, não apenas no ensino privado, mas também no ensino superior público, e de fato há muitas questões que impactam a sustentabilidade financeira das instituições na adoção de metodologias ativas. Como o ensino centrado no estudante é mais significativo e efetivo para a aprendizagem, restringi-lo apenas a quem estuda em alguns cursos é injusto e elitista.
As metodologias de ensino estão diretamente ligadas ao projeto pedagógico do curso e, por conseguinte, ao modelo de negócios, que deve ser sustentável a longo prazo. É comum entre dirigentes, a percepção de que o ensino participativo leva a custos maiores. Em um contexto educacional no qual se busca economia de escala (turmas grandes e aulas padronizadas), realmente pode ser mais difícil implementá-lo. Se a instituição de ensino que sobrevive é aquela que consegue equilibrar despesas e receitas, esse é um obstáculo. Posicionamento de mercado, marca e tradição também estão intimamente atrelados às escolhas de negócio e à saúde financeira das organizações.
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Então, de modo prático, como fazer para que uma instituição de ensino superior seja financeiramente viável adotando essa metodologia mais custosa? Analisaremos, primeiro, os fatores que acarretam mais despesas num ensino participativo. Destrinchando tais elementos poderemos redesenhar modelos de negócios possíveis e considerá-los na promoção, ao mesmo tempo, da perenidade da organização e, sobretudo, da qualidade do ensino. Depois, apresentamos ideias para o lado das receitas. O objetivo é sugerir caminhos para viabilizar uma proposta de ensino participativo sustentável.
Não dá para comparar as despesas do ensino de massa com as do ensino participativo. A conjugação de disciplinas oferecidas a distância com aulas gravadas, grandes turmas para poucos professores e aulas teóricas sem grande necessidade de infraestrutura é resultado justamente da procura por redução de custos e ganho de escala – sinergias também em despesas com marketing, materiais didáticos e serviços administrativos, como argumentam Sarfati e Shwartzbaum, em estudo de 2013 sobre fusões e aquisições no setor educacional. Métodos expositivos exigem pouco mais do que um professor e um microfone – e a remuneração, geralmente, será por hora ministrada.
Um ensino personalizado e transformador implica mais despesas com professores, para capacitá-los, atualizá-los e dar-lhes condição para acompanhar a turma e preparar materiais ao longo do curso – ao contrário da ideia de que tutoria significa a precarização da posição docente. Também há gastos com estrutura e livros, periódicos, biblioteca e laboratórios para que os estudantes possam executar dinâmicas, simulações e projetos individuais ou em grupos. Monitores, tutores ou professores assistentes para acompanhar a sala de aula e auxiliar os docentes e discentes nas dinâmicas e na trajetória de todo o curso também podem ser despesas adicionais.
Para reduzir custos, na concepção da grade é possível levar a sério a ideia de que turmas heterogêneas favorecem a aprendizagem e criar disciplinas que combinem estudantes de diferentes anos. Softwares de acesso livre ou código aberto e bibliotecas digitais são boas alternativas para oferecer preparação aos estudantes em escala. Programas de monitoria dentro da própria instituição voltados para formação docente (especialmente para pós-graduandos), é uma forma de combinar treinamento, contato entre pessoas de diferentes anos e aprendizado com menor custo. Quanto a trabalhar com turmas menores, um modelo híbrido, parte online e parte presencial, pode reduzir despesas, especialmente por meio do uso de simuladores que dispensam insumos e materiais.
Pensando no viés de receitas, a sustentabilidade financeira está atrelada, em primeiro lugar, à apresentação de diferenciais competitivos frente a outras organizações para atrair um público disposto realizar esse investimento. Uma proposta de curso prático e significativo, com clareza das vantagens, atrai alunos em um contexto de concorrência com cursos mais baratos e massificados. Se ele oferecer, junto com o diploma, pequenos certificados conforme trilhas de aprendizagem cursadas pelo estudante, poderá apresentar um diferencial para empregabilidade. Se disciplinas de projeto aproximam empresas e estudantes, são maiores as chances de inserção no mercado de trabalho. A formação de habilidades interpessoais e outras necessárias para gestão de carreira, como presença digital e networking, também é bastante atrativa.
A realização de parcerias e disciplinas patrocinadas como fonte de financiamento alternativa para docentes, monitores e elaboração de materiais. O patrocínio contribui para a concepção de casos, videoaulas e traduções que serão utilizados para edições posteriores. Um ciclo inteiro de disciplinas ou uma trilha de aprendizagem pode ser financiado e, neste caso, a elaboração de casos ricos pode ser em detalhes serve para vários docentes em diferentes anos.
Outra fonte de recursos é um fundo criado pelos próprios ex-alunos, o chamado endownment, que sustente cursos ou mesmo estudantes individualmente, principalmente os de baixa renda. Nos EUA, por exemplo, as contribuições de egressos não apenas respondem por uma parcela significativa dos recursos das universidades, mas também fomentam a execução de pesquisas com liberdade acadêmica. Essa solução é mais facilmente implantada se o programa cria uma identidade comum entre os estudantes e se abre para essa colaboração.
A cooperação para projetos com empresas e institutos não é atrativa apenas para patrocínios. Se a organização fomentar uma mentalidade empreendedora entre alunos e professores, obterá recursos com startups incubadas, patentes e outros negócios. A Universidade de Oxford, por exemplo, tem sua própria empresa de inovação, que é sócia, por exemplo, da empresa fundada pelos professores detentores da patente da vacina contra o novo coronavírus (atualmente licenciada para a Astrazeneca). O exemplo mostra, ainda, que além de proporcionar receita, a execução de projetos pode ter impacto social no meio onde a instituição se insere. Vale lembrar que a Lei de Inovação prevê que instituições científicas e tecnológicas criem núcleos de inovação para gerenciar esses processos.
Tornar mais viável o ensino participativo sem precarizá-lo é um enorme desafio. As alternativas enumeradas possivelmente não refletem todas as dificuldades nem resolvem todos os problemas da realidade das IES brasileiras para tornar esse tipo de ensino financeiramente viável. Porém, abrem caminho para soluções aplicáveis a grande parte de instituições. Cada uma terá seus pontos mais sensíveis.
Com criatividade e inovação, ampliando as fontes de captação da instituição, é possível superar alguns desses entraves de modo a não perder qualidade do ensino – nem na metodologia de ensino, nem nos objetivos de aprendizagem. Com planejamento e experimentações, pode-se imaginar arranjos institucionais que possibilitem a adoção de um ensino mais significativo com sustentabilidade financeira. No fim, todos saem ganhando: estudantes, educadores e sociedade.
Guilherme Forma Klafke é líder e gestor de projetos no Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação da FGV Direito SP (CEPI), onde também é professor do programa de pós-graduação lato sensu
Marina Feferbaum é coordenadora do Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação (CEPI) e da área de metodologia de ensino da FGV Direito SP, onde também é professora dos programas de graduação e pós-graduação
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