NOTÍCIA
Não há como construir um ensino verdadeiramente centrado nas e nos discentes, se mulheres não participarem do processo de aprendizagem em condições de igualdade
Publicado em 01/06/2021
Cada vez mais identificamos como a desigualdade de gênero estrutura nossa sociedade e é reproduzida nos mais diversos campos sociais, incluindo o ambiente universitário. Quando nos damos conta de que a dinâmica da sala de aula também reproduz essa desigualdade, é como se uma venda caísse e, nós, mulheres, passássemos a enxergar e dar sentido a muitas das nossas vivências na academia.
Sabemos que a mudança de paradigma do ensino tradicional para o participativo, na qual estudantes devem ser protagonistas da aula, já não é um enfrentamento simples. Por outro lado, não há como concretizar essa mudança, e construir um ensino verdadeiramente centrado nas e nos discentes, se mulheres não participarem do processo de aprendizagem em condições de igualdade.
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Em nossa trajetória acadêmica era comum e, infelizmente, “natural” cursar disciplinas em que as únicas “vozes” presentes eram masculinas: a do professor, a de alguns estudantes que costumavam dominar as discussões e a dos autores nas referências bibliográficas.
Conforme breve panorama sobre dinâmicas de gênero em sala de aula realizado pelo Teaching Ressource Center da University of Virginia, as aprendizes mulheres geralmente têm mais dificuldades para falar e serem ouvidas, sendo desestimuladas a participar. Como levantar a mão para fazer uma colocação se com frequência suas falas são invalidadas ou interrompidas por homens? Os comentários de mulheres têm probabilidade menor de serem creditados, desenvolvidos, adotados e até mesmo lembrados em sala de aula.
Existem também diferenças na forma de comunicação: mulheres são mais propensas a fazer comentários mais curtos e de forma indireta, utilizando expressões menos assertivas, como “talvez” e “eu acho”. Em um paradigma tradicional de ensino, que valoriza a individualidade e a competitividade, esse estilo de fala geralmente é considerado menos qualificado: estudantes com uma postura pouco confiante tendem a ser menos notados por professores e menos encorajados a assumir papéis de liderança.
Por outro lado, quando mulheres fazem comentários extensos e assertivos, existe uma maior probabilidade de serem vistas como “agressivas” ou “rudes”, enquanto os homens que o fazem são geralmente considerados inteligentes ou interessados.
Se ensinar é um ato político, é necessário que comecemos a transformar a estrutura de nossas aulas considerando as desigualdades presentes nesse espaço de aprendizagem. Devemos reconhecer padrões de gênero e nos conscientizar dos nossos próprios estereótipos. Outros fatores como raça e classe também impactam as interações em sala de aula e são igualmente importantes de serem reconhecidos.
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Prestar mais atenção a essas dinâmicas leva a uma melhor aprendizagem para todos: abre espaço para a participação de mais vozes e diferentes perspectivas na construção do conhecimento. Permite também o desenvolvimento de habilidades e atitudes fundamentais, como empatia, colaboração, escuta-ativa e consciência crítica sobre relações de poder na nossa sociedade.
Mas, como superar essas desigualdades e dirimir vulnerabilidades para que se construa um espaço de sala de aula seguro e respeitoso, em que todos e todas se sintam encorajados a participar?
Prestar atenção à dinâmica de interação de gênero em sala de aula e reconhecer essa desigualdade como um problema estrutural é o primeiro passo. Inspiradas nas práticas do Graduate School of Arts & Sciences Teaching Center da Columbia University e do Teaching Ressource Center da University of Virginia, deixamos algumas ideias e princípios que poderão nortear nossas escolhas pedagógicas:
Por fim, acreditamos na importância de refletirmos constantemente sobre nossas práticas, compartilhando desafios e estratégias com colegas docentes, e pedindo feedbacks para estudantes. Precisamos saber acolher nossos erros como oportunidades de mudança. De forma coletiva poderemos promover muito mais avanços para a construção do ambiente acadêmico que sonhamos.
Clio Radomysler é líder de projetos do Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação (CEPI) da FGV Direito SP e coordenadora do Núcleo Direito, Discriminação e Diversidade (DDD) da Faculdade de Direito da USP
Marina Feferbaum é coordenadora do Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação (CEPI) e da área de metodologia de ensino da FGV Direito SP, onde também é professora dos programas de graduação e pós-graduação
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