No ensino superior, a base da formação é o conhecimento científico, o que pode gerar uma carga significativa de novos saberes
"Ligações entre neurônios podem ser fortalecidas com a mobilização do pensamento de qualidade"Será que estamos desperdiçando tempo e recursos preciosos ao oferecer experiências de aprendizagem ultrapassadas ou baseadas em modismo educacional? Nos últimos anos, a neuroeducação — a ciência que estuda como o cérebro realmente aprende — tem revolucionado o setor. Equipamentos de neuroimagem nos permitem ver a atividade cerebral em tempo real, identificando as metodologias de aprendizagem mais eficazes.
Muitas instituições de ensino superior ainda não se beneficiam do uso de metodologias e conhecimentos sobre como o cérebro se apropria, compreende ou esquece os conhecimentos. Compreender a neuroplasticidade e aprender a aprender são essenciais para usar o potencial do cérebro a nosso favor.
Essa revolução, no entanto, também expôs uma série de neuromitos: interpretações equivocadas sobre descobertas científicas que são incorporadas nas práticas educacionais. Por isso, é crucial que gestores e educadores se baseiem em evidências científicas contemporâneas.
Assim convido a refletir sobre suas práticas pedagógicas e a explorarem o poder transformador da neurociência. Vamos desmistificar crenças refutadas e promover uma educação que verdadeiramente potencialize a aprendizagem e o desenvolvimento cognitivo de nossos estudantes.
Já pararam para pensar por que fazemos tantas perguntas durante nossas aulas? No ensino superior, a base da formação é o conhecimento científico, o que pode gerar uma carga significativa de novos saberes. É comum que os estudantes se sintam pressionados a dominarem esses conhecimentos e a produzirem novos, desenvolvendo competências pessoais e profissionais. Essas situações podem gerar sentimentos e emoções de insegurança: “Sou capaz de aprender tudo isso? Como irei dar conta?”
Precisamos considerar que o cérebro humano é um órgão incrível, considerado um dos mais sofisticados. A neuroplasticidade, também conhecida como plasticidade neural, trata da grande capacidade de adaptação do cérebro por meio de alterações fisiológicas resultantes das interações com diferentes experiências e ambientes. Assim o cérebro se reprograma e durante a aprendizagem, pois os neurônios comunicam-se através de sinapses, criando correntes cerebrais. Aprender significa fortalecer essas correntes, tornando-as mais robustas e capazes de guardar ideias e saberes de maior complexidade.
Durante o processo de aprendizagem, ao se deparar com algo novo, as correntes cerebrais ainda são fracas, com poucos neurônios conectados. Cada neurônio pode ter uma pequena espinha dendrítica e uma pequena sinapse, e a “faísca” entre os neurônios não é muito grande. À medida que praticamos um novo conhecimento, mais neurônios se conectam e as correntes sinápticas entre eles ficam mais fortes. Mais neurônios e mais sinapses significam correntes cerebrais mais fortes. A verdade é que os neurônios são como uma espécie de massa de modelar: à medida que aprendemos, mudamos nosso cérebro por meio da neuroplasticidade. Ligações entre neurônios podem ser fortalecidas com a mobilização do pensamento de qualidade.
Acredito que o maior talento de toda nossa espécie é a capacidade de aprender. Podemos até dizer que o título Homo Sapiens não é suficiente, afinal, também somos Homo Docens, ou seja, uma espécie que ensina a si própria. Isso porque tudo que conhecemos do mundo não nos foi herdado pelos nossos genes – tivemos que aprender a partir do ambiente que nos cerca. E é na capacidade de aprender e produzir novos saberes que está alicerçada toda a história da humanidade. Fazer fogo, projetar instrumentos, plantar, construir, explorar e tantas atividades que garantiram a constante reinvenção da própria humanidade têm sua raiz na extraordinária capacidade cerebral que permitiu formular hipóteses, selecionar aquelas que combinam com nosso ambiente e torná-las realidade.
Aprender é o grande triunfo da nossa espécie! E sabe qual é uma das invenções humanas altamente relevantes? As salas de aula, sejam presenciais ou digitais. É em uma sala de aula que se amplia consideravelmente o potencial cerebral dos humanos. Afinal, é nas IEs comprometidas que podemos tirar grande proveito da plasticidade cerebral para desenvolver novos conhecimentos para atuação profissional.
A revolução na compreensão do cérebro e do sistema neurológico tem revelado avanços significativos, mas também refutado algumas interpretações equivocadas por parte de nós, educadores. Esses equívocos, conhecidos como neuromitos, surgem da má interpretação de dados científicos, criando crenças limitantes que se consolidam como verdades absolutas sem necessariamente respaldo na neurociência vigente.
Para se ter uma ideia, durante décadas acreditou-se que o ser humano nascia com um número finito de neurônios que se degradavam ao longo da vida sem serem substituídos. Essa visão foi desafiada pela descoberta da neurogênese adulta, um processo pelo qual o cérebro gera novos neurônios em várias fases da vida, não apenas na fase embrionária. Estudos indicam que essa produção neuronal pode ser influenciada por fatores como dieta, exercícios físicos, demonstrando que o cérebro é dinâmico e adaptável ao longo da vida.
Exemplos como esse carregam o potencial de transformar a oferta de experiências de aprendizagem, permitindo que concentremos nossos esforços e recursos de maneira mais assertiva. Apesar de muitos neuromitos circularem em torno de nossas IES, selecionei três deles para ampliar seu repertório e auxiliar no processo de reflexão.
Embora as pessoas possam ter preferências para o seu processo de aprendizagem, acreditar que o cérebro tem um mecanismo diferenciado para aprender com base nesse estilo é um mito. O cérebro processa informações de maneira integrada, independentemente do estilo. O estilo é só uma preferência pessoal e não um mecanismo neuronal diferenciado, e já está comprovado que atender os estilos pessoais não resulta em impacto significativo na performance cognitiva.
Segundo o estudo Learning styles: concepts and evidences (Estilos de aprendizagem: conceitos e provas), publicado pelo pesquisador Harold Pasher, da Universidade da Califórnia, sobre estilos de aprendizagem, apenas três estudos utilizaram um modelo experimental adequado e nenhum deles permite deduzir que o ensino baseado em estilos de aprendizagem gera maior performance cognitiva. Esta afirmação justifica o funcionamento natural do cérebro, que mantém conectadas diversas regiões em permanente atividade, impossibilita que nos concentremos em uma única modalidade sensorial, conforme o estudo.
A revisão sistemática de Pashler indica que essa categorização é simplista e não se sustenta cientificamente e revelou que, dos poucos estudos que seguiram um modelo experimental rigoroso, nenhum conseguiu demonstrar benefícios significativos do ensino adaptado a estilos de aprendizagem. Ao meu ver este neuromito é um dos mais polêmicos e impactantes e, na prática, a verdade é que as estratégias pedagógicas devem focar em metodologias mais ativas e diversificadas, baseadas em evidências, em vez de tentarem se adaptar a supostos estilos individuais quando se almeja uma melhor performance cognitiva.
Além dos neurônios, outras células, como as gliais, desempenham papeis cruciais na nutrição e proteção dos neurônios. As células gliais são fundamentais para a saúde do sistema nervoso. Elas não são meros coadjuvantes, mas sim protagonistas em funções vitais, como a manutenção do ambiente neural, suporte metabólico e modulação da sinalização sináptica. Ignorar a importância das células gliais é desconsiderar a complexidade do funcionamento cerebral.
Entender a importância das células gliais e sua interação com os neurônios pode transformar a abordagem educacional. Gestores e professores podem aplicar esse conhecimento de várias maneiras para otimizar a aprendizagem dos estudantes:
1) Ambientes de aprendizagem enriquecidos: espaços de experiências e aprendizagem, bem projetados, oferecem estímulos sensoriais variados e oportunidades para interação social, e isso resulta em uma melhor aprendizagem e desenvolvimento cognitivo.
2) Foco na nutrição e saúde física: compreendendo que a saúde cerebral é influenciada por fatores como nutrição e exercício físico, escolas podem incorporar programas que promovam uma alimentação saudável e atividades físicas regulares. Estas práticas não apenas beneficiam a saúde geral, mas também melhoram a função cerebral e a capacidade de aprendizagem.
3) Metodologias ativas: a interação entre diferentes tipos de células cerebrais sugere a importância de estímulos variados para o desenvolvimento cognitivo. Professores podem utilizar uma gama diversificada de metodologias de aprendizagem ativa como projetos colaborativos, atividades práticas, discussões em grupo e uso de tecnologias interativas, para estimular diferentes áreas do cérebro e promover uma aprendizagem mais robusta.
4) Suporte emocional e social: as células gliais são essenciais para a manutenção do ambiente neural, assim como o suporte emocional e social é vital para o ambiente de aprendizagem. Criar um ambiente de segurança psicológica na sala de aula pode melhorar significativamente o engajamento e o desempenho acadêmico dos estudantes.
5) Educação sobre saúde do cérebro: incorporar os aprendizados sobre neurociência básica no currículo pode ajudar os estudantes a entenderem como suas ações e estilos de vida impactam a saúde do cérebro. Conhecimento sobre a neurogênese e a importância das células gliais pode motivar os estudantes a adotarem hábitos saudáveis e aderirem mais a participação das estratégias de aprendizagem mais ativas e interativas no seu processo formativo.
Embora ouvir música possa melhorar o humor e a concentração, não há evidências de que aumente a inteligência. A crença no “efeito Mozart” se baseia em um estudo mal interpretado e amplamente divulgado na década de 1990. O neurologista espanhol Pablo Irimia apresentou dados de que a aprendizagem e a estimulação constante do cérebro, através de leitura, interação social e outras atividades cognitivas, são fundamentais para evitar a deterioração cerebral, e não somente a exposição a músicas específicas.
Além disso, estudos posteriores tentaram replicar o “efeito Mozart” e falharam em encontrar os mesmos resultados, sugerindo que o efeito era temporário e não relacionado a um aumento duradouro na inteligência. A verdadeira chave para a saúde cognitiva reside em manter o cérebro ativo através de atividades desafiadoras e variadas. A prática musical, em geral, pode ser benéfica para a memória e a coordenação motora, mas não se deve esperar que ouvir música passivamente aumente a inteligência.
A ciência do cérebro é fascinante e complexa, e evitar simplificações exageradas nos ajuda a compreender melhor o potencial dos estudantes. Adotar práticas pedagógicas e comportamentais fundamentadas em evidências científicas sólidas é essencial para uma vida mais saudável e produtiva. Ao desvendar esses neuromitos, podemos promover uma educação mais resolutiva e um melhor entendimento das capacidades e limitações do cérebro humano.
Ao reconhecermos os avanços científicos e a imensa capacidade de adaptação e aprendizagem do cérebro, percebemos que as limitações que os acadêmicos muitas vezes sentem são ilusórias. Conscientizar-se disso pode ser emancipador. Cada aula, cada desafio e cada pergunta impulsionam a expansão dos horizontes e fortalecem as conexões neuronais, tornando-os mais hábeis e conhecedores. A neuroplasticidade não é apenas um conceito científico, é a prova viva de que podemos continuamente evoluir, superar obstáculos e alcançar níveis mais altos de compreensão e inovação. Afinal, é essa incrível jornada de aprendizagem que define e eterniza a essência da humanidade.
Por: Thuinie Daros | 22/07/2024