É papel das IES auxiliar seus estudantes a superarem os paradoxos que experimentam no dia a dia
Não se trata simplesmente de estar sozinho, mas sim da sensação de isolamento e desconexão, independentemente da presença física de outras pessoas ao redorTodos sabemos que a solidão tem afetado a vida das pessoas e que esse tema ganhou maior relevância após a pandemia da covid-19. No entanto, não temos discutido esse fenômeno, que marca principalmente e de forma significativa a experiência dos estudantes na educação superior, com a devida profundidade. Associada aos estados depressivos e transtornos de ansiedade, a solidão vem se configurando como um dos principais problemas de saúde pública no mundo todo, afetando tanto a saúde mental quanto a física. Está ligada diretamente com a forma com que nos conectamos socialmente com os outros e como mantemos ou não essas conexões.
Em 2023 o Instituto Gallup, em colaboração com a Meta, publicou um importante estudo sobre as relações entre as conexões sociais e a solidão, o “The Global State of Social Connections”. Esta pesquisa abrangeu 142 países, com número de 500 a 1.000 entrevistas por país e ao final forneceu uma visão abrangente sobre como as relações sociais influenciam o bem-estar e a saúde das pessoas no mundo todo.
Com relação à solidão os resultados da pesquisa revelaram ser uma experiência comum para todas as populações estudadas, afetando pessoas de diferentes idades, gêneros e contextos socioeconômicos. A solidão foi mais prevalente entre jovens adultos (18-29 anos) com índice de que chega a 27% da população; foi ligeiramente maior entre as mulheres em todas as faixas etárias. Nos mais jovens a solidão está fortemente associada a problemas de saúde mental, enquanto nos idosos está frequentemente correlacionada com declínios na saúde física e mental.
A solidão é uma experiência subjetiva que surge quando há uma discrepância entre o número e a qualidade das relações sociais que uma pessoa deseja ter e aquelas que ela realmente possui. Não se trata simplesmente de estar sozinho, mas sim da sensação de isolamento e desconexão, independentemente da presença física de outras pessoas ao redor. As conexões sociais que desenvolvemos ao longo da vida fornecem suporte emocional, validam nossa identidade e nosso valor pessoal, essenciais para o bem-estar e saúde mental. A rede de apoio que formamos nos oferece conforto durante momentos críticos e contribui para a sensação de pertencimento e integração nos grupos sociais que vamos participando em cada momento da vida. Quando essas conexões estão ausentes, frágeis ou percebidas como insuficientes, a sensação de solidão pode se intensificar.
Pensemos então no estudante que chega à universidade, cujo comportamento segue moldado por complexos fatores socioeconômicos, culturais e tecnológicos. São nativos digitais, que cresceram num mundo repleto de tecnologia, acostumados a um fluxo constante de informações e comunicação instantânea, que muito contribuem para a redução de interações sociais reais. São multitarefa e rejeitam a concentração numa atividade apenas. Nasceram sem tempo, o seu próprio e o da família, sua primeira fonte de interações sociais. Buscam sentido de realização social e impacto positivo na sociedade, ao mesmo tempo que permanecem cada vez mais e por mais tempo na casa dos pais. Apesar de mais acostumados às mudanças constantes e aparentemente serem resilientes, sofrem mais e mais os impactos da saúde mental que vem se deteriorando em todas as faixas etárias.
Esses estudantes preferem trabalhar em espaços colaborativos de aprendizagem, que envolvam aprendizagem ativa. Priorizam os trabalhos em equipe, ainda que as dificuldades de conexão social estejam aumentando a olhos vistos. Exemplo disso é o número de casos crescentes que chegam ao Comitê de Ética do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo. Em 2024 esse número triplicou, comparado ao semestre anterior e a queixa básica é a intolerância e dificuldades de convivência com os colegas. Muitas vezes essa queixa se estende às dificuldades de convivência com os professores.
A cultura imediatista, da gratificação instantânea, merece destaque quando abordamos o tema solidão. Os estudantes estão habituados com respostas rápidas e soluções imediatas. Esse imediatismo pode diminuir a capacidade de lidar e tolerar atrasos, dificuldades, atendimento de expectativas. Sem dúvidas isso os faz muito menos tolerantes à frustração, que é sempre mais evidente quando pessoas interagem com pessoas. São mundos de emoções e comportamentos que precisam coexistir num mesmo espaço, de outra forma os laços não serão mantidos.
Entendo que é papel das universidades auxiliar seus estudantes a superarem os paradoxos que experimentam no dia a dia. Como podemos contribuir para uma sociedade melhor se não melhoramos o material humano que chega ao mundo do trabalho? Vamos pensar em alguns pontos cruciais: nossos jovens usam tecnologia demais e isso os afasta das pessoas e das relações reais; querem estudar de forma colaborativa, mas suportam cada vez mais as peculiaridades dos outros com os quais se relacionam; são multitarefa, mas cada vez mais se concentram menos e entregam menos; apesar de serem mais habituados a mudanças, nem sempre são resilientes e persistentes; são cada vez menos capazes de lidar com a frustração e com as expectativas.
Temos que entender essas questões no seu detalhe e buscar meios de auxiliar cada um dos nossos estudantes a encontrarem as defesas para os males que enfrentam, principalmente o da desconexão social. É como se os ajudássemos a encontrar um lugar no mundo, como se tivéssemos que ensinar-lhes que pode existir muito prazer em dar ou responder bom dia com um sorriso. Por mais que isso possa parecer lugar comum, não praticamos. Não mostramos as consequências do que estão experimentando e as repercussões para toda a vida, não entendemos que o nível de satisfação de cada um deles se refletirá no bom desempenho profissional e acima de tudo no seu bem-estar e daqueles que os cercam.
Minha reflexão de hoje foi sobre a solidão e sobre seus motivos na vida dos jovens. Em como esse mal-estar e perda de perspectiva pode afetá-los de forma definitiva. Em como e quanto somos responsáveis (também) pela vida de cada um que escolhe nossa instituição. Afinal não fazemos educação? E o que é educar? É prover meios para desenvolver e ampliar as capacidades nas diversas dimensões humanas. Isso inclui cuidar de todos e de cada um de nossos estudantes.
Por: Josiane Tonelotto | 17/06/2024