NOTÍCIA
Cursos de formação de professores que se encontram em funcionamento deverão se adaptar no prazo de dois anos
Publicado em 03/06/2024
A decisão do Ministério da Educação de que os cursos EAD para formação de professores sejam 50% presenciais tem gerado discussões assíduas no universo educacional. Nesta reportagem, especialistas opinam sobre as novas diretrizes e apresentam suas dúvidas acerca da resolução.
Anunciada por Camilo Santana, a determinação aconteceu no dia 27 de maio, através da Resolução nº 4/2024, que homologou o documento elaborado pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) com as novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para a Formação Inicial de Profissionais do Magistério.
Os cursos de formação de professores que se encontram em funcionamento deverão se adaptar no prazo de dois anos. “Muita água ainda vai rolar embaixo da ponte”, diz Jeferson Vinhas Ferreira, CEO do Grupo Integrado, para quem haverá mobilização do setor, sobretudo entre os grandes players, para reverter a medida.
Segundo o Mapa do Ensino Superior, em seu capítulo especial sobre licenciaturas, 17,7% do total das matrículas do ensino superior brasileiro – cerca de 1,67 milhão de alunos – são em cursos de licenciaturas e, deste total, 64,2% são de matrículas no EAD. Na modalidade EAD, 78,2% das IES que ofertam cursos de licenciaturas são privadas.
Em uma década, de 2012 a 2022, a rede pública perdeu 3,3% dos alunos em cursos de licenciaturas e a rede privada cresceu 183%. O crescimento das matrículas EAD em Pedagogia, na rede privada, foi de 136%. Com a nova regulação, o MEC pretende frear esse crescimento dos cursos EAD.
O Grupo Integrado, no noroeste do Paraná, é uma IES de pequeno para médio porte, com sete mil alunos, 2,5 mil deles no EAD. Vinhas afirma que IES desse porte, que também oferecem cursos presenciais, não se ancoram nas licenciaturas para garantir a sustentabilidade financeira. “As licenciaturas EAD são muito mais um produto de combate, de proteção territorial.” De acordo com ele, nas estratégias das IES estão o interesse nos cursos de medicina e na geração de valor para os cursos presenciais. “E aquelas que têm menor número de EAD ainda tentam escalar, voltadas para o semi-presencial com valor agregado”, estratégia que está em sintonia com a Resolução.
Remodelar os cursos de pedagogia e licenciatura significa investimentos em estrutura física e corpo docente. Com mais custos, o ticket aumenta. “Nós não vamos investir, vamos deixar de ofertar, porque não faz sentido. Nosso curso semi-presencial tem ticket de R$ 600,00, não consigo passar de R$ 200,00 – valor atual do curso EAD – para R$ 600,00. Ainda que consigamos chegar aos R$ 500,00, não teremos público.”
O interesse nos cursos de pedagogia e licenciaturas vem baixando. Para Vinhas, a maioria dos que optam por esses cursos na modalidade EAD o fazem para acessar algum tipo de formação a custo baixo. “Não é objeto de desejo”. Para ele, apenas uma minoria quer realmente ser professor e aceita pagar R$ 600,00 ou R$ 700,00 numa formação híbrida. Vinhas concorda que a formação, no geral, não é boa, “mas não sei dizer se a melhor forma de melhorar é regulando o produto”. A desvalorização da carreira, os baixos salários, podem estar na base da falta de qualidade tão propalada.
Por outro lado, o CEO aponta a inexistência de cursos 100% EAD. No novo formato exigido pelo MEC, estão as 400 horas dedicadas a estágio supervisionado, e as 320 horas – 10% da carga horária – em atividades de extensão. “Isso já é assim, os alunos EAD fazem o estágio nas escolas e a extensão na comunidade.” O que não tem nos cursos EAD é o oferecimento das 880 horas que, de acordo com a Resolução, terão de ser presenciais também.
Para Mozart Neves Ramos, docente da USP de Ribeirão Preto, em São Paulo, a formação prática é o grande problema das licenciaturas e pedagogias. “Não me preocupo tanto com a modalidade na parte teórica. Se esse presencial exigido for um conteúdo teórico que poderia ser aplicado no EAD, não vejo razão para impedir o formato”, explica o especialista, que enxerga a necessidade de uma reformulação dos cursos. “Se esses 50% forem destinados a uma formação mais prática do professor, serei favorável. A formação prática profissional do nosso professor, atualmente, é muito ruim”.
Ramos enfatiza que a decisão do MEC terá sido um “avanço importante”, caso os 50% de carga horária presencial forem voltados para uma boa formação prática e “para levar as habilidades e competências necessárias para que o futuro professor desenvolva bem o processo de ensino-aprendizagem na escola.”
“O presencial no Brasil sempre foi ruim e o EAD pode ser até melhor, desde que tenha um professor qualificado. Não adianta trazer para o ensino a distância um professor que foi preparado para o presencial, assim como não funciona usar no EAD um material preparado para a modalidade presencial. É preciso ter um currículo na formação do professor que saiba usar as tecnologias no processo de ensino-aprendizagem e também o material pedagógico adequado”, declara Ramos. Na avaliação do educador, o ensino a distância também requer a atuação de um tutor. “É um elemento central, um tutor bem pago e que possa prestar um bom serviço.”
Guiomar Namo de Mello, doutora em educação pela PUC-SP, corrobora com a visão de Ramos acerca da qualidade dos cursos ofertados. “O ensino a distância não é culpado pelo barateamento e pela deterioração da formação de professores, esse esvaziamento antecede essa modalidade.” Para Guiomar, “o EAD é tão ruim quanto o ensino presencial. As IES sérias que oferecem bons cursos presenciais também têm bons cursos a distância.”
A doutora em educação compreende a regulamentação do ensino a distância, mas acredita que isso ignora os movimentos que têm ocorrido no desenvolvimento tecnológico. “A tendência é que os cursos sejam híbridos para que as pessoas aprendam em espaços e tempos diferentes o que for conveniente. Esse hibridismo já deveria ser levado em conta mas, infelizmente, o Brasil ainda não está pensando nesse futuro e, hoje, regulamenta o que, na minha opinião, está com os dias contados: o EAD clássico.”
A decisão do MEC gerou dúvidas em especialistas e estudantes dos cursos em questão. À Ensino Superior, os profissionais compartilharam alguns de seus questionamentos, como: