Empresas que cooperam entre si tendem a crescer mais rápido e abrem espaço para praticar a ambidestria organizacional
Efetividade dos ecossistemas de inovação depende de infraestrutura, capital humano e financeiro (foto: Freepik)O egocentrismo, considerado um comportamento normal até a segunda infância, é associado à dificuldade de se colocar no lugar dos outros e à tendência de ignorar pontos de vista diferentes dos seus. Contudo, é nessa fase que ocorre o aumento da capacidade de fazer amizades e trabalhar em grupo.
Por outro lado, a humildade é uma característica pessoal que envolve a consciência e o reconhecimento realista das próprias limitações e falhas, bem como das virtudes e habilidades. Ela está associada à empatia, ao altruísmo e à capacidade de manter relações interpessoais equilibradas e respeitosas.
Características humanas como o egocentrismo e a humildade encontram uma relação direta com o comportamento organizacional, particularmente nas instituições de ensino superior. Assim como uma criança em desenvolvimento, muitas IES ainda não atingiram a maturidade em práticas profissionalizadas de gestão, governança e, principalmente, colaboração e inovação aberta.
A grande maioria das IES continua operando em silos em detrimento de estratégias mais sofisticadas de colaboração e geração de valor, o que acarreta em um efeito colateral de redução dos tickets médios pela concorrência acirrada e consequente depreciação da marca.
Nem mesmo os consórcios universitários ou as IES locais costumam colaborar de forma mais efetiva, adotando posicionamentos estratégicos articulados para potencializar a oferta de cursos e gerar economia de escala com aquisições, compartilhamentos de recursos, valorização da interdependência e da co-criação de valor.
Estamos falando de um setor que opera sob a lógica de escassez em detrimento da lógica de abundância que ainda reluta em inovar e fazer uso de dados para tomada de decisões racionais.
Mudar essa realidade e construir ecossistemas, redes autopoiéticas de colaboração, pressupõe humildade no reconhecimento de limitações e maturidade para identificação de potencialidades coletivas.
Na biologia, um ecossistema é definido como um conjunto de organismos vivos interdependentes que coexistem e se adaptam em resposta às mudanças ambientais.
Na década de 1940, o austríaco Bertalanffy desenvolveu a Teoria Geral dos Sistemas (TGS), enfatizando a importância da organização e da estrutura do sistema, pois a maneira como as partes estão organizadas e interagem afeta o comportamento do sistema como um todo.
Nas décadas de 1970 e 1980, outro austríaco, Capra, expandiu o alcance e a aplicabilidade da TGS, aplicando seus princípios a questões globais e enfatizando a importância do pensamento sistêmico.
No mesmo período, os biólogos chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela introduziram o conceito de autopoiese, que se refere à capacidade dos organismos de se auto ajustarem e se auto produzirem.
A transição do entendimento dos ecossistemas da biologia para os ecossistemas de inovação nos leva a uma aplicação prática desses conceitos. A interação entre empresas, IES, governos e comunidades forma a base para ambientes inovadores. Trata-se de uma forma efetiva de transformar estruturas isoladas em redes colaborativas de inovação, adaptando-se às rápidas mudanças do mundo contemporâneo.
O conceito de ecossistema de inovação proposto por Etzkowitz e Leydesdorff versa sobre uma rede de relações em que informações e talentos integram sistemas de co-criação de valor social e econômico sustentado.
O ecossistema de inovação está ligado a outro conceito, a inovação aberta, que consiste em uma abordagem mais participativa e descentralizada do processo de inovação, com envolvimento de partes externas às IES, como clientes, fornecedores, entre outros.
A efetividade dos ecossistemas de inovação depende de infraestrutura, capital humano e financeiro para potencializar ambientes de pesquisa e desenvolvimento que visam solucionar problemas de mercado, criando novos produtos, serviços, negócios e sistemas que atendam necessidades reais e latentes do mercado.
Empresas que cooperam entre si tendem a crescer mais rápido e abrem espaço para a ambidestria organizacional, equilibrando a exploração de novas oportunidades com a eficiência em operações existentes. Estamos falando de vantagens competitivas significativas em comparação àquelas que enfrentam a curva de aprendizado ensimesmadas.
Para as IES que buscam desenvolver seus próprios ecossistemas de inovação, é preciso entender que não se trata apenas de estabelecer políticas de fusões e aquisições e adquirir startups aleatoriamente. Criar ecossistemas com base na conveniência ou oportunidades ocasionais em detrimento de decisões baseadas em dados pode custar caro.
A liderança de um ecossistema não deve ser negligenciada. É necessário um líder experiente que saiba ouvir acima de tudo, com profundo conhecimento em inovação, que possa agir racionalmente, valorizar talentos e compreender os riscos do microgerenciamento para a sustentabilidade do negócio.
A inclusão de empresas no ecossistema deve ser um processo cuidadoso e preciso, visando preservar a coerência do portfólio de soluções, motivação e lealdade dos envolvidos. O sucesso de um ecossistema depende, em grande medida, de líderes críveis, inspiradores e com forte capacidade de unir pessoas em torno de um propósito.
Em última análise, não se trata apenas da estruturação de parques tecnológicos ou da criação de hubs de inovação, mas da sinergia dinâmica entre diferentes entidades. O sucesso depende da colaboração ativa entre os setores público e privado, de marcos legais e políticas de fomento que sustentem e garantam a contínua evolução e adaptação.
Um ecossistema de inovação robusto é formado pela colaboração de diversos agentes como aceleradoras, startups, provedores de conteúdos, fundos de venture capital, parques tecnológicos, big techs, associações, governo e IES. Contudo, ao analisar o histórico dos maiores ecossistemas de inovação do mundo, percebe-se o papel determinante das startups.
Brad Feld defende que o sucesso de um ecossistema de inovação está atrelado a liderança de um empreendedor, mas alerta que sem o apoio incondicional de todas as outras entidades mencionadas no parágrafo anterior, estará fadado ao fracasso.
Destaco dois modelos que preconizam a colaboração, a adaptabilidade e o crescimento orgânico. O modelo de Hwang e o de Isenberg.
A Teoria da Rainforest, desenvolvida por Hwang e Horowitt, é uma metáfora que compara os ecossistemas de inovação com florestas tropicais. Elas são ricas em biodiversidade e interações complexas entre suas espécies e preconizam:
Diversidade e conexões: a inovação prospera em ambientes saudáveis livres de toxicidade onde pessoas de diferentes backgrounds se conectam e colaboram.
Ambiente orgânico: assim como uma floresta, um ecossistema de inovação deve crescer organicamente, adaptando-se e evoluindo de acordo com as necessidades e condições locais.
Não-linearidade e flexibilidade: o processo de inovação não costuma ser linear e demanda flexibilidade e adaptação constante.
Já o modelo de Isenberg representa diretrizes para o desenvolvimento de ecossistemas de inovação eficazes. Isenberg nos orienta para:
1. Esquecer o Vale do Silício: embora seja um modelo de sucesso, possui suas próprias características e contexto.
2. Identificar potencias locais: cada região deve desenvolver seu próprio ecossistema de inovação, considerando circunstâncias e forças locais únicas.
3. Engajar setor privado: todos os atores são importantes, mas é fundamental a participação efetiva do setor privado do planejamento inicial até a execução
4. Favorecer o potencial: governos devem identificar empreendedores com grande potencial e ambição para que possam impulsionar o crescimento e inspirar outros.
5. Conquistar o grande feito: considere ter um grande marco tangível, inspirador e capaz de congregar os atores.
6. Enfrentar a mudança cultural: combata com forte ímpeto a cultura da aversão ao erro.
7. Medir a aplicação de recursos: é fundamental estimular a inovação e o crescimento, evitando a acomodação e valorizando soluções criativas.
8. Deixar que clusters cresçam de forma orgânica: governos devem apoiar e reforçar a formação natural de clusters e oferecer suporte permanente.
9. Criar marcos legais: o foco precisa ser sistêmico, holístico, com ações objetivas e ágeis que beneficiem os ecossistemas e facilitem a rápida recuperação perante os fracassos.
Em resumo, a construção de ecossistemas de inovação no ensino superior é um desafio complexo. Vai muito além da simples aquisição de startups ou da criação de políticas de M&A. Demanda uma liderança visionária e inovadora, capaz de fomentar um ambiente de colaboração genuína. Os modelos de Hwang e Isenberg destacam a importância da adaptabilidade e do crescimento orgânico, alertando que não se trata apenas de uma escolha, mas de uma necessidade para se manter relevante em um cenário de perda vertiginosa de matrículas onde o ensino superior entra em xeque.
Dada a crescente complexidade e os desafios enfrentados pelas IES, torna-se imperativo dar o primeiro passo, mesmo com iniciativas modestas, mas estrategicamente alinhadas. Dessa forma poderão servir como laboratórios para testar e adaptar conceitos de ecossistemas de inovação, materializando o caminho para uma transformação mais ampla e significativa no âmbito educacional.
Por: Daniel Sperb | 06/12/2023