NOTÍCIA

Edição 279

IES precisam buscar novo modelo

Diante dos desafios que enfrenta o ensino superior, uma reestruturação poderia criar dois tipos de cursos de graduação: Cursos Superiores de Formação Vocacional (CFV) e Cursos Superiores de Formação Profissional (CFP)

Publicado em 08/11/2023

por Ensino Superior

Novo ensino superior Brasil continua com uma taxa de escolaridade superior muito baixa

Por Maurício Garcia, do Conselho Editorial*: Apesar do aumento no número de alunos matriculados nos últimos 40 anos, a taxa de escolaridade superior no Brasil ainda é baixa em comparação com países desenvolvidos e com nações em condições socioeconômicas similares. Além disso, o modelo de crescimento parece estar em declínio, com uma queda nas matrículas nos cursos presenciais compensada apenas pelos cursos a distância.

Diante desses desafios, deveria ocorrer uma reestruturação do sistema de ensino superior, com a criação de dois tipos de cursos de graduação: Cursos Superiores de Formação Vocacional (CFV) e Cursos Superiores de Formação Profissional (CFP). Os CFVs seriam de curta duração, que visam proporcionar uma rápida colocação no mercado de trabalho. Os CFPs seriam avançados para a formação profissional. A proposta também inclui a criação de um Exame Nacional Pré-Profissionalizante (Enap), que ofereceria aos candidatos uma rota alternativa para ingresso nos CFPs, sem passar antes num CSV. O exame seria elaborado pelo Inep/ MEC, mas aplicado por certificadoras privadas. Essas mudanças visam resolver os problemas causados pela redução da demanda, limitações no acesso e dificuldades na permanência dos estudantes. A proposta busca reduzir a evasão escolar, facilitar o acesso ao ensino superior, ampliar a oferta de vagas e melhorar a qualidade da educação Em resumo, a proposta busca modernizar o sistema de ensino superior no Brasil, tornando–o mais adequado às demandas da sociedade e do mercado de trabalho, bem como mais acessível aos estudantes, a fim de promover o desenvolvimento educacional e reduzir a desigualdade social.

 

O problema

 

Figura 1

 

Nos últimos 40 anos, o Brasil multiplicou por cinco a quantidade de alunos matriculados na graduação, enquanto a população em idade universitária (18 a 24 anos) apresentou um ligeiro crescimento até 2007, depois começou a cair e deve continuar caindo.

Essas matrículas estão principalmente alocadas nos cursos bacharelados tradicionais (administração, direito, engenharia, medicina etc.), com 5 milhões das matrículas, em um total de 9 (59%). Todavia, tem se observado uma queda nessa proporção, que já foi de 65% em 2015. Já os cursos de curta duração, majoritariamente os cursos superiores de tecnologia, têm aumentado essa proporção, indo de 14% em 2015 para 19% em 2021.

Todavia, mesmo com esse bom resultado de inclusão, o Brasil chegou a um impasse. Apesar do aumento, o Brasil continua com uma taxa de escolaridade superior muito baixa, bem atrás dos países desenvolvidos, mas também inferior à de países com condições socioeconômicas similares, tais como Colômbia, Chile, Peru, México, Costa Rica e Turquia (Figura 1).


Além disso, o modelo de crescimento parece ter se esgotado. De acordo com os dados do Censo da Educação Superior, do Inep/MEC, desde 2015 o ritmo de crescimento está se arrefecendo. Nos cursos presenciais tem havido queda nas matrículas. O aumento tem se mantido apenas pelos cursos a distância, cujo valor de mensalidade mais acessível tem suprido a redução do Fies, que chegou a 731 mil bolsas em 2014, baixando para 85 mil em 2019.

Na perspectiva do financiamento do segmento, estima-se ao redor de R$ 150 bilhões o gasto no ensino superior brasileiro por ano, dos quais R$ 80 bilhões são oriundos dos orçamentos públicos (federal, estadual e municipal) e R$ 70 bilhões vêm da cobrança de mensalidades.

 

Quadro 1

 

Todo o orçamento brasileiro para o ensino superior, incluindo o das instituições públicas (federais, estaduais e municipais) e privadas (com e sem fins lucrativos), é equivalente à soma de quatro importantes universidades americanas (UCLA US$ 9 bilhões, Stanford US$ 7 bilhões, Harvard US$ 5 bilhões e MIT US$ 4 bilhões).

O Brasil ainda não chegou aonde deveria em termos de escolaridade superior, mas seu modelo de crescimento está esgotado.

  • Na base desse problema, há um conjunto de causas que podem ser agrupadas em três categorias (Figura 2):

 

Figura 2

 

  1. Redução da demanda: desde 2007 a população em idade universitária no Brasil vem se reduzindo. Segundo projeções do IBGE, até 2060 o Brasil terá 5 milhões de jovens a menos do que em 2007, uma redução de 30%. Além disso, a evasão no ensino médio agrava o problema. A cada ano, 500 mil jovens maiores de 16 anos abandonam a escola no Brasil, e apenas metade dos jovens brasileiros terminam o ensino médio até os 18 anos. A taxa de graduação do ensino médio no Brasil é de 60%, inferior à do México, Costa Rica, Colômbia e Chile.
  2. Limitações no acesso: as universidades públicas nunca tiveram condições de absorver a quantidade de egressos do ensino médio, o que tornou seu acesso historicamente elitista. De cada quatro alunos matriculados no ensino superior no Brasil, apenas um está em uma universidade pública. Além disso, o modelo brasileiro de universidade pública demanda um volume de recursos ao qual o orçamento do Estado não consegue suportar aumentos expressivos. Do lado da iniciativa privada, há limitada capacidade de os próprios alunos e suas famílias custearem suas mensalidades, já que programas como Fies e ProUni não dão conta de acomodar todos, exceto em cursos de baixa demanda.
  3. Dificuldades na permanência: da mesma forma que ocorre no ensino médio, a evasão é um ponto importante no superior. O estudo realizado pelo Semesp aponta 34% de evasão, ou seja, de cada 3 alunos que se matriculam em uma instituição de ensino superior no Brasil, apenas 2 se formam. Na base dessa evasão estão desde questões financeiras até dificuldades de aprendizado e falta de aderência com o curso escolhido.
    Propostas que tenham por objetivo aumentar a taxa de escolaridade superior no Brasil precisam ter em conta as causas sinalizadas nessas categorias.

 

Básica ou superior: qual a prioridade?

 

Muito se discute a respeito das prioridades das políticas públicas em educação, sobretudo em termos de investimento, e não é raro encontrar argumentos de que o foco deve ser a educação básica. Todavia, os parágrafos a seguir demonstram que não é possível separar a superior da educação básica e é um equívoco escolher prioridades com base nos níveis educacionais.

O Fullerton Longitudinal Study (FLS) é um estudo contínuo de quatro décadas sobre o desenvolvimento humano desde a infância até a idade adulta. É um estudo colaborativo de pesquisadores de várias universidades e seu sucesso se deve ao empenho e dedicação dos participantes e das suas famílias. Periodicamente publica resultados de suas análises e, dentre eles, está um estudo feito ao longo de 28 anos que correlaciona a quantidade de tempo em que mães leem para seus filhos pequenos, com o desempenho educacional na idade adulta. As conclusões são muito simples: quanto mais leitura nos primeiros anos, mais benefícios educacionais são obtidos no longo prazo.

Em outras palavras, a capacidade cognitiva de jovens na universidade depende dos estímulos que recebem nos primeiros anos de vida, mesmo antes do ingresso na educação básica. Esses achados são corroborados por inúmeros exemplos. Houve uma revisão crítica de 38 estudos sobre os efeitos de longo prazo de programas para a primeira infância em crianças em situação de pobreza e destacou os efeitos persistentes no desempenho e no sucesso acadêmico de adultos. Para o autor, as conclusões oferecem caminhos para investimentos públicos visando melhorar o desenvolvimento cognitivo de longo prazo e o sucesso acadêmico de crianças pobres.

No Brasil, também há estudos desse tipo. Em um deles, foi feita uma profunda análise do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e demonstrou a influência do nível socioeconômico do aluno em seu desempenho, afirmando que a renda familiar, a escolaridade dos pais e outros fatores socioeconômicos explicam 80% das notas obtidas. Em outro estudo, os autores analisaram a influências desses fatores na mobilidade social e concluíram que os casamentos seletivos desempenham papel relevante na persistência da renda familiar, e a renda dos pais está fortemente associada a vários resultados importantes de longo prazo, como educação, gravidez na adolescência, ocupação, mortalidade e vitimização.


Ainda que existam outliers, pessoas oriundas de famílias menos abastadas conseguem bons resultados acadêmicos na idade adulta, mas a grande maioria não consegue. Não é possível, assim, pensar em melhoria da educação no Brasil apenas de baixo para cima, ou seja, começando com a educação básica. Os estudos demonstram que o problema está em um ciclo vicioso: quanto pior a escolaridade dos pais, pior a performance acadêmica dos filhos, e quanto pior essa performance, pior a sua escolaridade enquanto pais. É como se fosse uma corrente. Não basta fortalecer apenas alguns elos, deixando outros mais frágeis. A força da corrente é medida por seu elo mais fraco. A educação básica depende da superior, e vice-versa.

 

Outros modelos

 

Norte-americano Nos EUA, os cursos superiores são divididos em “undergraduate” e “graduate”. Os cursos undergraduate são divididos em “associate” e “bachelor”, enquanto os graduate são divididos em “master” de “doctorate”. Apesar de alguns traduzirem para o português os undergraduate como “graduação” e os graduate como “pós-graduação”, essa é uma equivalência imprecisa, posto que o modelo americano tem diferenças importantes. Por exemplo, um curso de graduação em medicina nos EUA é classificado como graduate / doctorate, enquanto um curso de administração pode ser tanto undergraduate / bachelor quanto graduate / master. O master e o doctorate nos EUA não são equivalentes ao “mestrado” e “doutorado” no Brasil, exceto quando são especificamente designados como “Master of Science (MSc)” ou “Philosophy Doctor (ph.D.)”.

São critérios um pouco confusos, ainda mais considerando particularidades de cada estado. Mas o importante aqui é entender a divisão do undergraduate em associate e bachelor. Dos cerca de 20 milhões de alunos que estão nos cursos superiores nos EUA, mais de 10 milhões encontram-se em cursos associate, principalmente nos chamados “community college”, um tipo de instituição capilarizada no território americano e que representa um primeiro acesso à educação superior em muitos casos. O primeiro community college nos EUA é o Joliet Junior College, fundado em 1901 e tem como origem os junior colleges criados pelos land grant colleges, a partir do Morris Act de 1862.

Modelo europeu

 

Na Europa, os cursos superiores de graduação tradicionalmente eram bacharelados de longa duração e foi com base neles que o modelo brasileiro foi inspirado, principalmente na segunda metade do século XX. A maioria das universidades públicas do Brasil adotou esse sistema, o qual depois veio influenciar fortemente o modelo empregado nas instituições privadas.

Todavia, a própria Europa vinha criticando esse modelo, a ponto de, em 1999, os ministros da educação de 29 países assinarem a “Declaração de Bolonha”, reformando e padronizando a educação superior, permitindo a mobilidade e intercâmbio de estudantes através do chamado “Programa Erasmus”. Atualmente, 48 países fazem parte desse acordo, que dividiu os cursos superiores em ciclos de 2a3anos (“bachelor”, “master” e “doctoral”).

Vale notar que, da mesma forma que ocorre nos EUA, o master e o doctoral na Europa não equivalem necessariamente ao mestrado e doutorado no Brasil. Na maioria dos casos, são aprofundamentos profissionais em determinadas áreas. A estrutura básica do modelo de Bologna é o 3-2-3, ou seja, bacharelado em 3 anos, mestrado ou qualificação profissional em mais 2, e formação avançada – doutorado, medicina – em mais 3.

Modelos asiáticos Na China, a educação superior possui quatro estágios:
• zhuanke (•科): non-degree, 2 a 3anos – benke (本科): bachelor, 4 a 5 anos – shuoshi (•士): master, 2 a 3 anos – boshi (博士): doctor, 3 a 4 anos.

O modelo, ainda que longo, permite articular os níveis. Por exemplo, concluintes de cursos zhuanke podem obter um diploma benke com mais 2 a 3 anos.

Na Coreia do Sul, o modelo é semelhante ao norte-americano, com o junior college (2 a 3 anos) como nível de entrada. A Índia, por sua vez, segue um modelo similar ao europeu pós-Bolonha, com bachelor (3 a 5 anos), master (1 a 2 anos) e doctoral (3 a 6 anos).

 

A proposta

 

O texto a seguir apresenta uma proposta que consiste em separar os cursos superiores de graduação em dois ciclos: formação vocacional e formação profissional, de forma semelhante ao que é feito nos EUA, na Europa e na Ásia. Também é sugerida a criação de um exame para validação de conhecimentos básicos adquiridos (Enap). A proposta traz diversos benefícios, tais como democratizar o acesso à educação superior e fomentar a qualidade da educação em todos os níveis (Figura 3).

 

Figura 3

 

Cursos superiores de formação vocacional (CFV)

 

São cursos com carga horária de 1.200 a 2.400 horas totais, que buscam uma rápida colocação do egresso no mercado de trabalho, em atividades não regulamentadas.

Os atuais cursos tecnológicos estão abrigados nessa categoria e continuam seguindo as mesmas definições que constam no Catálogo Nacional dos Cursos Superiores de Tecnologia do MEC.

Também estarão nessa categoria os cursos de formação genérica, similares aos cursos em “liberal arts” dos “community colleges” dos EUA, tais como os “bacharelados interdisciplinares” atualmente existentes em algumas instituições. Os cursos podem ter percursos flexíveis, que permitam ao aluno completá-los em diferentes instituições e mesmo criando formações ainda inexistentes, que possibilitem capturar rapidamente novas demandas da sociedade e do mercado de trabalho.

 

Processos regulatórios

 

Os processos regulatórios são simplificados; é feito cadastro prévio no eMEC e anualmente a instituição passa por auditoria independente, privada, credenciada e supervisionada pelo Inep. Essa auditoria substitui os atuais processos de autorização, reconhecimento e renovação do reconhecimento.

Não há diferenças regulatórias para as modalidades presencial e a distância. As condições de oferta são auditadas em função do que se encontra apresentado nos projetos pedagógicos.

Alunos dos CFVs não fazem Enade, portanto não há indicadores como CC e CPCV para esses cursos, porém será feito o controle da qualidade acadêmica no âmbito institucional, por ocasião de auditoria anual.

Poderá haver um credenciamento institucional diferenciado, para instituições que queiram ofertar apenas CFVs, ou seja, não ofereceriam CFPs. Nesse caso, o credenciamento é simplificado, com um cadastro prévio no eMEC, sendo que a instituição é submetida à auditoria anual citada acima.

Instituições com credenciamento diferenciado que não possuam indicadores como CI e IGC. A qualidade é assegurada através de auditoria anual.

Instituições com credenciamento diferenciado podem oferecer cursos de pós-graduação lato sensu, mas não stricto sensu.

 

Corpo docente

 

Professores dos CFVs seguem necessitando de diploma de pós-graduação, mas serão também aceitos docentes sem esse diploma, desde que possuam ao menos 180 horas em curso de extensão em formação para o magistério.

Ainda que o foco do corpo docente dos cursos com terminalidade vocacional seja a experiência de trabalho, a exigência mínima de formação para o magistério seria uma transição mais segura com relação às atuais exigências de pós-graduação.

Professores graduados em licenciaturas estão dispensados desse curso de formação para o magistério.

A própria instituição pode oferecer esse curso de formação para o magistério.

 

Cursos superiores de formação profissional (CFP)

 

Os atuais bacharelados e licenciaturas são considerados como CFPs, porém só podem admitir alunos que tenham feito previamente um CFV, ou seja, o processo passa a ser dividido em dois ciclos.

A carga horária dos CFPs seria bem flexível, conforme a natureza de cada curso, a partir de 2.400 horas totais. Por exemplo, um CFV inicial de 1.600 horas em ciências sociais poderia ser complementado com um CFP de 2.400 horas que daria um título de economista ou sociólogo. Isso também vale para as engenharias, com um CFP de 2.400 horas precedido por um CFV de 1.600 ou 2.400. A medicina, por sua vez, seria um CFP de 3.200 horas ou mais.

Aqui também vale a possibilidade de percursos flexíveis, que permitam ao aluno completar o curso em diferentes instituições e/ou criando formações ainda inexistentes, desde que entre instituições credenciadas para a oferta de CFPs.

 

Processos regulatórios

 

De maneira geral, os processos regulatórios dos CFPs continuam da mesma forma que atualmente, sejam institucionais (credenciamento e recredenciamento), sejam de curso (autorização, reconhecimento e renovação do reconhecimento). Permanecem os atuais indicadores CC, CI, Enade, CPC e IGC, ressalvados os comentários anteriores sobre uma eventual reforma no processo de avaliação atualmente vigente.

Todavia, deixam de existir as diferenças regulatórias para as modalidades presencial e a distância. As condições de oferta são auditadas em função do que se encontra apresentado nos projetos pedagógicos.

Corpo docente

Os professores dos CFPs continuam precisando ter pós-graduação, mas as instituições poderão admitir até 10% de professores sem pós–graduação, desde que possuam ao menos 180 horas em curso de extensão em formação para o magistério ou sejam licenciados.

A Capes deve recomendar a inclusão de 180 horas de formação para o magistério, especialmente nos mestrados acadêmicos.

 

Exame nacional pré-profissionalizante (ENAP)

 


O presente texto também propõe a criação de um exame para a validação de conhecimentos básicos adquiridos que poderá ser usado pelas instituições como critério opcional de admissão aos CFPs, o “Exame Nacional Pré-Profissionalizante” (Enap). Seria um percurso alternativo de acesso aos CFPs, dispensando a necessidade prévia de um CSV.

Atualmente, existem dois exames realizados pelo Inep/MEC relacionados à educação superior: Enem, o Exame Nacional do Ensino Médio (realizado antes do início da graduação) e Enade, o Exame Nacional de Desempenhos dos Estudantes (realizado ao fim da graduação).

A proposta é criar um terceiro exame, intermediário aos existentes, passando a ficar Enem, Enap (Exame Nacional Pré-Profissionalizante (realizado antes do início dos CFPs) e Enade (realizado ao fim da graduação)

A prova do exame seria elaborada pelo Inep/ MEC, a partir de um banco de questões. Mas a sua aplicação seria feita por certificadoras privadas, credenciadas e fiscalizadas pelo Inep/MEC. As certificadoras pagariam taxas ao Inep/MEC, suficientes para custear a elaboração do banco de questões e as despesas com fiscalização. As certificadoras, por sua vez, cobrariam das pessoas que querem se submeter ao Enap, o qual seria realizado em fluxo contínuo, a qualquer momento. As pessoas portadoras de um certificado de aprovação no Enap poderiam apresentá-lo às IES, as quais poderiam ou não aceitar para fins de admissão em seus CFPs, dispensando a necessidade de prévia conclusão de um CFV. Guardadas as devidas proporções, o Enap seria uma espécie do antigo “supletivo” para a educação superior.

Novamente, no caso de se considerar oportuna a discussão da reforma do processo de avaliação atualmente existente sob a égide da Lei do Sinaes, incluindo os exames Enem e Enade, a conveniência de se introduzir um novo exame deve ser revista.Todavia, deve ser preservada a essência desse novo exame, enquanto instrumento para facilitar o acesso à educação superior.

 

Como resolver os problemas

 

No início deste texto foram sinalizados três grupos de causas que limitam a expansão do acesso à educação superior no Brasil: redução da demanda, limitações no acesso e dificuldades na permanência.

Quanto à redução da demanda, obviamente não há o que ser feito em termos demográficos, já que o envelhecimento das populações é

um fenômeno mundial. Todavia, essa proposta traz avanços no sentido de reduzir a evasão do ensino médio. O recente estudo Firjan/Pnud 9 aponta um conjunto de recomendações com “potencial para combater a evasão escolar entre jovens brasileiros”. Dentre elas está a interação com o mundo do trabalho, e separar a etapa da graduação em ciclos vocacionais e profissionais é um grande passo nesse sentido.

Da forma como o sistema está estruturado hoje, há uma grande distância entre a conclusão do ensino médio e da graduação superior, especialmente sob a perspectiva da visão de curto prazo típica dos jovens. Os CFVs representam uma aproximação entre esses dois níveis educacionais, ajudando no planejamento da escolha dos itinerários formativos e da carreira profissional pós-ensino médio. Além disso, os jovens ganham mais tempo para tomar a decisão sobre qual profissão seguir e decidirão em idade com mais maturidade. Dois anos nessa idade, por exemplo, fazem muita diferença.

Outro ponto importante é que os CFVs podem aliviar a pressão no vestibular/Enem, permitindo que as escolas de ensino médio possam ser mais criativas e inovadoras em seus modelos pedagógicos, sem ter a pressão de formar para uma prova. Essas escolas podem, por exemplo, focar mais na formação para a cidadania, bem como estimular a recuperação das aprendizagens para evitar a reprovação, outra importante recomendação da Firjan/Pnud 9.

Sob a ótica da limitação do acesso, seria possível expandir consideravelmente a oferta de vagas nas instituições públicas, já que a natureza dos CFVs, menos complexa, permite um modelo mais escalável e mais eficiente na alocação dos recursos. Por exemplo, a criação de “institutos federais de formação vocacional” poderia viabilizar uma rápida expansão de vagas, sem o peso do atual modelo das universidades públicas, as quais, por sua vez, manteriam sua missão científica e profissional, recebendo alunos mais qualificados, o que permitiria uma melhor aplicação de seu orçamento.

Nas instituições privadas, os CFVs poderiam ser oferecidos com valores de mensalidade mais acessíveis e, ao chegar aos CFPs, os alunos já teriam uma formação vocacional prévia, conquistando melhores empregos e, para aqueles que trabalham enquanto estudam, mais condições de custear suas mensalidades.

Além disso, a possibilidade do ingresso em etapas mais adiantadas através do Enap, ainda que seja opcional para as instituições, permitiria o surgimento de inúmeras iniciativas de inclusão. ONGs, coletivos em comunidades, igrejas, municípios e diversos tipos de organizações poderiam oferecer programas de formação para o Enap, sem onerar o orçamento público. O Brasil tem quase seis mil municípios. Se em cada um houver ao redor de 200 alunos nesses programas de formação, em um piscar de olhos, haverá mais de um milhão de alunos estudando, sem que o governo precise gastar um tostão.

Quanto às dificuldades na permanência, além das vantagens no custeio das mensalidades citadas no ponto anterior, haveria mais engajamento dos alunos por conta da perspectiva mais curta de obtenção de um diploma. Todos os que evadem hoje na educação superior saem de mãos vazias. Pela proposta apresentada, boa parte deles teria ao menos um diploma de um CFV.

Outro ponto importante a destacar é a possibilidade de haver percursos flexíveis, mencionada nessa proposta. Com ela, as instituições podem ter uma oferta adaptativa, considerando não apenas o interesse e afinidade de cada aluno, mas também suas dificuldades e necessidades em termos de aprendizado, com substancial impacto na sua permanência.

Além disso, nos CFPs, cursos como medicina, enfermagem, direito, psicologia, engenharia, entre outros, teriam a vantagem de receber alunos mais bem preparados e com mais maturidade.



*Maurício Garcia é cientista digital e membro do Conselho Editorial da Revista Ensino Superior. Este artigo foi capa da edição 279. Para ler na íntegra, acesse.

 

Autor

Ensino Superior


Leia Edição 279

FCMSCSP

Santas Casas: Desafios não impedem expansão

+ Mais Informações
Reforma agrária

Assentados da reforma agrária alcançam o ensino superior

+ Mais Informações
Novo ensino superior

IES precisam buscar novo modelo

+ Mais Informações
Internacionalização

Internacionalização: mundo conectado exige mudança nas IES

+ Mais Informações

Mapa do Site