Educação

Colunista

Daniel Sperb

Consultor em inovação e gestão universitária

Gestão universitária: um framework para a inovação

Obsolescência dos atuais modelos de gestão universitária está prestes a enfrentar um novo ciclo de desgaste brutal e implacável

Framework para IES

O segmento educacional carece de reinvenção frente à nova ordem econômica e tecnológica que sepulta modelos de negócios tradicionais a uma velocidade jamais vista pela humanidade. A obsolescência dos atuais modelos de gestão universitária, já corroídos por uma degradação acelerada, está prestes a enfrentar um novo ciclo de desgaste brutal e implacável.

Me atrevo a dizer que, em menos de cinco anos, teremos uma legião de gestores universitários amargando a dor do arrependimento por não terem mergulhado de cabeça na inteligência artificial (IA) para criar valor e eficiência. Percebo o setor dividido em três grupos:

 

Os Despertos, que estão empenhados no uso da IA tanto na atividade-fim quanto nas atividades-meio;

Os Deslumbrados, que, fascinados pelo hype da inovação, comprometem recursos em teses instáveis em detrimento do investimento em tecnologia;

Os Destemidos, que, em meio aos seus ritos milenares e morosos, não fazem a menor ideia do que está acontecendo.

 

Diante desse cenário de transformação acelerada e desafios complexos, torna-se imperativo para as instituições de ensino superior (IES) adotarem estratégias inovadoras e robustas que possam não apenas responder às demandas atuais, mas também antecipar e moldar o futuro da educação.

É nesse contexto que o framework proposto por este ensaio se apresenta como uma alternativa e também uma provocação. Trata-se de modelo estratégico, fundamentado em princípios de inovação pelo design, que visa capacitar as universidades a lidarem com perguntas desconfortáveis,  que desafiem seus modelos de gestão e fomentem uma cultura de inovação sustentável.

 

A estruturação do framework

 

O framework proposto encontra suas fundações nas “4 Ordens do Design” de Richard Buchanan, criadas para abordar os chamados Wicked Problems (WP) — desafios complexos e mutáveis, marcados por uma profundidade e interconexões que desafiam definições claras e soluções definitivas. Os WPs variam de acordo com a perspectiva e envolvem julgamentos subjetivos, que exigem estratégias sistêmicas e adaptativas para seu enfrentamento.

Na esfera da gestão universitária, os WPs manifestam-se como desafios complexos e dinâmicos, que vão desde a incorporação de novas tecnologias até a adaptação a modelos financeiros instáveis e o manejo de expectativas divergentes dos stakeholders.

O framework apresenta as 4 Ordens do Design como base para organizar os “10 Tipos de Inovação” criados pela Doblin, empresa da Deloitte. Também integra o modelo dos “3 Horizontes de Inovação” popularizado pela McKinsey & Company, que orienta as organizações a distribuírem seus recursos estrategicamente: 70% em inovações que reforcem o negócio principal, 20% em inovações adjacentes e 10% em inovações transformacionais ou disruptivas.

Assim, este framework representa uma arquitetura sofisticada que combina as “4 Ordens do Design”, os “10 Tipos de Inovação” e os “3 Horizontes” para proporcionar que IES possam praticar a ambidestria organizacional, conceito desenvolvido por Michael Tushman e Charles O’Reilly que promove o equilíbrio entre eficiência operacional e inovação disruptiva. Trata-se de um modelo estratégico holístico para navegar com sucesso em um mundo BANI (Volátil, Incerto, Complexo e Ambíguo).

 

Manifestações do design

 

1. Design para Branding

 

Branding é o processo estratégico de construção e gerenciamento da identidade de uma marca. Envolve elementos como identidade visual, posicionamento no mercado, promessa de valor, personalidade, experiência do consumidor e cultivo de lealdade. Ele visa criar uma conexão emocional distinta com seus diferentes públicos e diferenciar sua marca da concorrência, influenciando a percepção do consumidor e contribuindo para o sucesso da empresa a longo prazo. No contexto do ensino superior privado, com declínio acentuado nas matrículas, o branding assume significativa importância.

1.1. Marca: A gestão eficaz de uma marca vai muito além da coesão da imagem da IES. A gestão do portfólio de marcas é uma disciplina normalmente negligenciada pelas IES, seja pelos serviços oferecidos, unidades de negócios ou marcas parceiras dentro do ecossistema educacional que não necessariamente desdobram a missão, valores e promessa da instituição. Provocação: entre no site da Apple e perceba como ela organiza seu portfólio de produtos e serviços.

1.2. Canal: As IES podem revolucionar sua comunicação e serviços ao aluno através da adoção de tecnologias de IA, implementando chatbots e assistentes virtuais que permitem respostas instantâneas a dúvidas acadêmicas e administrativas, melhorando a eficiência e otimizando o tempo dos funcionários para tarefas mais complexas. Sistemas de reconhecimento de voz e imagem podem facilitar o acesso a recursos educacionais, tornando a busca por informações mais intuitiva e acessível. Provocação: pesquise como a Amazon aplica IA em seus canais de atendimento e como criou sua jornada de venda.

 

2. Design para Produtos

 

Produtos educacionais referem-se ao conjunto de soluções oferecidas pela IES. Como satisfazer as exigências de todos os stakeholders envolvidos, sejam alunos, professores, gestores ou o próprio mercado?

2.1. Desempenho: Adaptando a abordagem de Buchanan, trataremos “cursos e soluções educacionais” como “produto”. Nesse sentido, surge uma provocação: o que aconteceria se cada curso convidasse os principais players de seus respectivos mercados, incluindo empresas líderes e fornecedores de tecnologias de ponta, para se unirem aos alunos em sessões de descoberta? Será que essa abordagem colaborativa geraria currículos verdadeiramente inovadores, que refletiriam as necessidades e tendências reais do mercado? (contém ironia). Porém, para que isso se concretize, professores e gestores precisarão sair do Olimpo administrativo e reconhecer que, no coração da inovação, está o design – uma filosofia centrada no cliente. Provocação: pesquise sobre por que edtechs estão comprando IES.

2.2. Plataforma: Uma das lógicas mais subestimadas em IES são as suas concepções de centros, institutos, áreas ou escolas, seja qual for a nomenclatura. Esse desenho deveria ir além da simples congregação de cursos de um portfólio. Em um primeiro nível, cursos de uma mesma escola deveriam operar com currículos e projetos integradores. Em um segundo nível, escolas deveriam interagir entre si promovendo interação de cursos de diferentes escolas. Adicione a este cenário o suporte tecnológico por meio de um sistema capaz de gerenciar todas as atividades e ainda por cima curricularizar a extensão. Provocação: pesquise como a Microsoft parou de vender produtos e começou a vender sistemas de produtos com o SaaS (Software as a Service).

 

3. Design para Serviços

 

O Design para Serviços na gestão universitária é essencial para criar uma experiência de aprendizagem envolvente e suporte abrangente para alunos, professores e funcionários. A integração do físico com o digital (phygital) é crucial para uma experiência educacional moderna e acessível.

3.1. Jornada: Uma jornada é o percurso completo que uma pessoa realiza ao interagir com um serviço ou produto, englobando todas as suas experiências, expectativas, necessidades e desafios encontrados. No contexto universitário, compreender em profundidade as jornadas de personas-chave como alunos, professores, funcionários e gestores é vital. Cada uma dessas personas possui expectativas únicas, necessidades específicas e pontos de fricção que podem afetar sua experiência com a IES. Ferramentas de Service Design são fundamentais para mapear essas jornadas, permitindo identificar onde os usuários enfrentam obstáculos e onde há oportunidades para superar suas expectativas. Provocação: pesquise o método H.E.A.R.D da Disney.

3.2. Engajamento: A adoção de IA nas IES está revolucionando a experiência educacional, proporcionando personalização do conteúdo de aprendizagem e otimização dos serviços administrativos. Essa transformação não apenas melhora os processos, mas também fortalece as relações humanas dentro do ambiente acadêmico. No entanto, para que a IA possa atuar efetivamente, uma questão deve emergir na área de TI da IES: “Qual é a nossa estratégia de gestão de dados?”. A capacidade de coletar, armazenar, processar e analisar dados de forma segura e eficiente é a pedra fundamental para aproveitar ao máximo o potencial da IA e garantir uma experiência universitária verdadeiramente transformadora. Provocação: pesquise como a Google estrutura seu portfólio de produtos e serviços.

 

4. Design para Negócios

 

A inovação em modelos de negócios é uma estratégia poderosa para desbloquear novos fluxos de receita, impactar a cultura, otimizar processos e a construir ecossistemas.

4.1. Modelo: O modelo 70-20-10 dos horizontes de inovação, proposto pela McKinsey, sugere alocar recursos e esforços de inovação em três horizontes: 70% em melhorias incrementais (Horizonte 1), 20% em inovações adjacentes (Horizonte 2) e 10% em inovações radicais (Horizonte 3). Experimente utilizar o consagrado canvas de modelo de negócio e construir um para cada horizonte. Provocação: pesquise como a 3M aplica essa técnica.

4.2. Ecossistema: Para fortalecer o ecossistema educacional, é crucial construir redes de cooperação que vão além da competição tradicional. Colaborar com o mercado e até com concorrentes pode impulsionar a inovação e o crescimento. Gerenciar essas redes para maximizar benefícios mútuos envolve criar ou integrar hubs de inovação locais, fomentando uma estratégia colaborativa. Me atrevo a dizer que as IES que não possuem teses bem construídas de fusões e aquisições estão fadadas à obsolescência. Provocação: pesquise ecossistemas de inovação de empresas como Natura, Gerdau e Randoncorp.

 

Leia: IES e o mindset das gigantes da inovação

 

4.3. Processos: A inovação de processos é crucial para manter uma organização competitiva, pois pode levar a custos mais baixos, maior qualidade e tempos de entrega mais rápidos, beneficiando tanto a empresa quanto seus clientes. O Duolingo, por exemplo, revolucionou o aprendizado de idiomas ao gamificar a experiência educacional, incentivando a participação contínua com pontos e recompensas. Ela faz uso de algoritmos de espaçamento repetitivo para otimizar a revisão e retenção de vocabulário, e oferece feedback instantâneo, permitindo correções em tempo real. A plataforma personaliza o conteúdo de acordo com o progresso individual, garantindo um aprendizado adaptativo e eficaz. Além disso, emprega crowdsourcing para o desenvolvimento de cursos, enriquecendo seu material didático, e integra tecnologia de reconhecimento de voz, aprimorando a prática de pronúncia e tornando a experiência mais interativa. Provocação: pesquise sobre o algoritmo de recomendação da Netflix.

4.4. Cultura: A inovação organizacional desempenha um papel crucial por meio do redesenho de estruturas corporativas. A Google criou a holding Alphabet para separar suas operações principais das mais arriscadas. A Spotify implementou o “Spotify Model”, organizando suas equipes em squads e tribes para aumentar a agilidade e inovação. Provocação: pesquise o case Zappos com a adoção da holocracia.

 

Considerações Finais

 

À medida que o cenário educacional se transforma, as IES enfrentam a máxima implacável da reinvenção. Não é mais uma questão de se, mas de quando e como. O framework proposto neste ensaio não é apenas uma alternativa, mas uma provocação urgente para as IES despertarem para a realidade do setor.

A inovação pelo design transcendeu o status de luxo para se tornar uma necessidade, essencial para criar valor e eficiência em um mundo intolerante com a inércia. As IES que entrarem de cabeça na IA, na inovação pelo design, se tornarão ambidestras e não só evitarão a obsolescência, mas estarão na vanguarda da educação.

 

Leia também: MEC anuncia a criação de uma Agência Reguladora

Por: Daniel Sperb | 06/11/2023


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