Educação

Colunista

Karina Tomelin

Educadora, psicóloga, pedagoga e mestre em educação

Como criar experiências de aprendizagem integradas com as IAs

Para construir junto com a IA, desenvolver a autonomia autoral digital docente será fundamental

IA Há grandes expectativas de que a IA vá reduzir o trabalho docente nos próximos anos, ajudando o professor a se concentrar no atendimento personalizado dos estudantes

No divã: Everton Renaud, professor, doutor em comunicação, mestre em educação e licenciado em filosofia

Eu sou professor, e desde os meus primeiros anos de escola, descobri que  tinha talento para o ensino, embora, na época, não tivesse consciência disso. Eu era aquele aluno inventivo que frequentemente brincava  de dar aulas. No ensino médio,  já tinha “minha turma de alunos”, formada pelos colegas que me procuravam para aulas de reforço em gramática. E o que me impulsionava era a busca por maneiras diferentes e empolgantes de fazer com que eles aprendessem o conteúdo.

Minha trajetória foi influenciada por uma série de experiências transformadoras. Minha formação acadêmica e os professores que tive me fizeram perceber que a sala de aula é um espaço dinâmico, em que o aprendizado se manifesta de maneiras únicas em cada indivíduo. Essa percepção me levou a explorar abordagens pedagógicas inovadoras, adaptadas às necessidades de aprendizagem. Acredito numa educação personalizada, com foco no desenvolvimento holístico dos estudantes, não apenas no domínio de conteúdo.

Como doutor em comunicação, mestre em educação e licenciado em filosofia, tenho dedicado minha carreira à busca incessante pelo conhecimento e à promoção do aprendizado. Já são mais de 15 anos, da educação básica à superior, na docência e na gestão. Tive o privilégio de liderar equipes de educadores, gerenciar projetos educacionais e colaborar com instituições de ensino para melhorar a qualidade da aprendizagem dos alunos. Além disso, o  envolvimento em projetos que exploram a interseção entre educação e comunicação me permitiu desenvolver uma compreensão abrangente das tecnologias educacionais e das estratégias de comunicação eficazes no contexto acadêmico.

 

Docência no divã #6: Como aproveitar as características individuais e coletivas dos estudantes?

 

Um dos marcos significativos da minha carreira foi a criação, implantação e gestão bem-sucedida de um projeto de formação online de docentes, beneficiando, aproximadamente, 14 mil professores. Essa experiência me permitiu aprimorar minhas habilidades em educação a distância e reforçou minha paixão pela educação mediada pelas tecnologias. Depois disso, foram muitas experiências transformadoras e toda a minha carreira é permeada pela educação, comunicação e tecnologias.

Aprender a aprender, e saber escolher e julgar as escolhas e fontes. Saber fazer perguntas. Tudo que sempre foi apontado como necessidade real para a educação, agora fica explícito no universo cada vez mais imerso nas Inteligências Artificiais. 

Para quais pontos de atenção do  processo formativo as IAs estão apontando? Como podemos criar experiências de aprendizagem integradas com as IAs? Do que o professor precisa para poder construir junto com elas?

Minha Frase: Acredito numa educação personalizada, com foco no desenvolvimento holístico dos estudantes, não apenas no domínio de conteúdo, mas no cultivo das habilidades essenciais para a vida.

 

Na teoria

 

Oi, Everton. Que legal sua trajetória e descoberta da docência. Sem dúvida é uma inspiração pensar como, atualmente, as monitorias ou mesmo o aprendizado colaborativo, ainda que não sistematizado, podem estimular e fomentar o desenvolvimento de novos professores. Há muitos adolescentes e jovens que vivem o prazer de ajudar seus colegas num esforço legítimo de compreender como eles poderiam aprender melhor.

Por outro lado, ter esta visão ampliada que você traz, conectando a educação da básica à superior, da presencial à online, da sala de aula aos espaços de gestão é, sem dúvida, um privilégio, já que observa diferentes realidades e dores dos educadores. A da Inteligência Artificial é a discussão do momento e tem impactado os professores em diferentes segmentos e níveis. Eu mesma recebo várias perguntas de professores preocupados em saber minha opinião sobre a substituição do professor pela Inteligência Artificial. Com certeza, parte dessa insegurança, presente no nosso imaginário coletivo, é reforçado pela linguagem ficcional de futuros distópicos e pessimistas que nós mesmos construímos. Mas isto é outra história. 

Enquanto lia sua pergunta, lembrei de um um cientista e futurista americano chamado Roy Charles Amara (1925-2007), que criou uma lei que  tem o nome dele, Lei de Amara. Ela nos ajuda a interpretar a forma como compreendemos o impacto da tecnologia no presente e a longo prazo, como, por exemplo, da Inteligência Artificial. Para o cientista, “tendemos a superestimar o efeito de uma tecnologia no curto prazo e a subestimar seu efeito no longo prazo”.

 

Docência no divã #5: Como evitar o burnout docente?

 

No caso da Inteligência artificial, ela não é recente, mas quando surgiu, há mais de 70 anos, era difícil compreender o impacto que traria nos dias de hoje. Ainda estamos buscando compreender sua influência e como ela mudará os futuros que teremos pela frente. Por isso, sua primeira pergunta, “para quais pontos de atenção do  processo formativo as I.A. estão apontando?”, tem nos mostrado que a fluência ou letramento digital é extremamente importante para a compreensão do funcionamento da IA, somado ao pensamento analítico, à compreensão dos dados, como de aprendizagem, quando olhamos para a educação. Contudo, à medida que estamos compreendendo as fragilidades e desafios provocados pelo uso das ferramentas, outra área, até então pouco valorizada, vem ganhando destaque, que é a Filosofia, por meio das discussões e impasses éticos envolvendo a IA.

São muitos os dilemas que a IA tem nos colocado, como, por exemplo, ela pode ajudar a reduzir o preconceito na tomada de decisões, diminuindo a subjetividade humana no processo de avaliação, apoiado na análise de dados, mas também pode estar fundamentada em dados tendenciosos ou não fidedignos à realidade que se pretende analisar.

Com a IA generativa, temos a oportunidade de criar e cocriar elementos, objetos e textos que colocam em xeque a questão da autoria de projetos e pesquisas, tanto de estudantes quanto de professores.

 

Docência no Divã #4: Como avaliar as competências da dimensão ontológica?

 

Como falamos, a IA não é recente, mas se popularizou por meio de uma aplicação na construção de textos, conteúdos e imagens, por meio da IA Generativa. Mas, na educação, por exemplo, há forte indício do uso da IA tanto preditiva como generativa. A primeira utiliza dados dos  estudantes para nos apoiar na compreensão de sua trajetória, desde o  risco de evasão até déficits de aprendizagem, podendo nos ajudar a atuar de forma preventiva no sucesso acadêmico. 

Por outro lado, a IA generativa pode contribuir para a elaboração de conteúdos e objetos de aprendizagem multimodais, a partir de recomendações e orientações produzidas pelo professor. 

Independentemente de qual forma utilizar, não há dúvidas de que ela impactará muito os processos de aprendizagem nos próximos anos, o que exige de nós, educadores, o desenvolvimento do letramento digital mais profundo. 

 

Na sala de aula 

 

Mas para além do medo ou pensamentos catastróficos, o que podemos fazer enquanto professores? Ficar parado, sem dúvida, não é uma opção. Infelizmente, o medo da mudança pode nos paralisar, por isso, o primeiro passo é identificar como enxergamos e compreendemos os discursos que ouvimos sobre a IA e como elas ecoam dentro de nós e de nossas práticas. 

Então, o que você sabe sobre inteligência artificial? O que você leu e ouviu a respeito? Como você imagina que ela impactará a profissão docente? Reconhecer de onde vem esses discursos e como eles compõem nossa forma de pensar é fundamental para desenvolver uma mentalidade que incorpore a IA como uma ferramenta no processo de ensino e aprendizagem. 

Gosto de usar o exemplo dos vieses cognitivos. O viés cognitivo, como você sabe, é um erro de pensamento provocado pelo cérebro para facilitar o processamento das informações e evitar a sobrecarga. É um atalho para simplificar a forma como vemos o mundo. Um exemplo do viés que pode guiar a nossa concepção sobre a IA é o de ancoragem. Quando ouvimos notícias no início do ano sobre o uso do Chat GPT pelos estudantes das escolas americanas,  era evidente a preocupação dos professores com relação ao impacto negativo desta ferramenta na construção das avaliações. 

 

Docência no Divã #3: O que realmente importa incluir no currículo escolar?

 

Esta informação ancora em nós, de forma que passamos a enxergar a IA como algo ruim para a docência. Somado a isso, crenças limitantes como a de que nós, professores, imigrantes digitais, somos menos fluentes digitais do que nossos estudantes, que são nativos digitais, também podem impactar na compreensão e nos possíveis usos das tecnologias e da IA na educação. 

Bem, reconhecendo os vieses e crenças que nos movimentam, podemos partir para suas próximas perguntas: Como podemos criar experiências de aprendizagem integradas com as IA? Do que o professor precisa para poder construir junto com elas?

Desenvolver uma mentalidade digital, movida pela curiosidade e o desejo de experimentar é o segundo passo para nos mobilizar a testar. Isso não significa que devemos adotá-la de maneira intensa, mas passar a experimentar alguns recursos e entender como pode ser útil na prática. Isso significa que passar a ver a IA (inteligência artificial) como uma AI (assistente inteligente) pode fazer todo o sentido para o professor. 

Há grandes expectativas de que a IA vá reduzir o trabalho docente nos próximos anos, ajudando o professor a se concentrar no atendimento personalizado dos estudantes. O relatório do departamento de educação americana, intitulado Inteligência artificial e o futuro do ensino e aprendizagem, traz vários dados e relatos de professores sobre os usos e expectativas com relação à inteligência artificial. Em um deles, o professor diz o seguinte: “Uma oportunidade que vejo com a IA é poder reduzir a quantidade de atenção que tenho para dar às coisas administrativas e aumentar a quantidade de atenção que posso dar aos meus alunos com suas necessidades de aprendizagem na sala de aula”. 

 

Docência no Divã #2: Como professores podem se manter relevantes no mercado?

 

Um relatório da McKinsey sugeriu, pela primeira vez, que o benefício inicial da IA poderia melhorar os trabalhos de ensino, reduzindo o trabalho administrativo do professor de uma média de 11 para 6 horas semanais. 

Seja a IA generativa, aquela que apoiará o professor na criação de conteúdos, avaliações e objetos de aprendizagem, ou a IA preditiva, que analisará os dados dos estudantes, fornecendo feedbacks e estratégias de intervenção, há diferentes formas de apoiar o professor na otimização do tempo e eficiência da aprendizagem. Uma mais cocriativa e outra mais gerencial. 

E para conseguir construir junto com a IA, desenvolver a autonomia autoral digital docente será fundamental. Isso significa compreender que o professor pode ter outros recursos auxiliares à aprendizagem, além do quadro e dos slides. Que há uma infinidade de aplicativos e ferramentas que podem potencializar a experiência de aprendizagem dos estudantes; mas para que ele possa identificar e selecionar, precisa conhecê-los. 

 

Docência no divã #1: Como planejar momentos educacionais que sejam empolgantes?

 

Para te ajudar, selecionei dois estudos da UNESCO que buscam produzir orientações sobre a IA na educação:

Orientações para IA generativa na educação e na pesquisa, que trata da preocupação com o uso rápido da AI e nossa dificuldade em nos adaptarmos e regulamentarmos o seu uso. 

Oportunidades e desafios da era da inteligência artificial no ensino superior, que enfatiza a importância de conhecermos sobre IA para que decisões possam ser tomadas, especialmente, considerando o papel das universidades na formação de novos profissionais que atuarão em um mundo em que a IA estará cada vez mais presente. 

Espero que ajude! Precisamos nos apoiar não só na leitura e informação sobre o tema, mas também nos debates e desafios que virão. 

 

Esse foi o Everton no divã, o próximo pode ser você. Envie seu relato para mim e participe das próximas colunas.

Karina Nones Tomelin | Educadora, psicóloga, pedagoga, mestre em Educação. Colunista na Revista Ensino Superior

 

Por: Karina Tomelin | 19/10/2023


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