Educação

Colunista

Daniel Sperb

Consultor em inovação e gestão universitária

A universidade orientada pelo design: um framework para a inovação

Design é agente da mudança, produz ativos intangíveis e valores inéditos

Universidade orientada pelo design Gestão tradicional opera no paradigma do status quo, enquanto o design projeta futuros (foto: Freepik)

Enquanto a gestão tradicional opera o presente, o design projeta o futuro. Instituições de Ensino Superior (IES), assim como empresas, não foram feitas para inovar. Foram feitas para funcionar. 

Entretanto, de nada adianta operar sob os mais modernos preceitos de gestão, governança, tecnologia e eficiência, se estivermos produzindo “fitas cassete” ou “cursos de datilografia”. 

A história é um cemitério de gigantes caídos pela miopia do foco em produtos em detrimento do foco em negócios. A ausência da centralidade genuína no cliente e do design de cenários são os principais catalisadores desses destinos.

E quanto ao ensino superior? Sabemos a data de validade de nossos produtos e serviços? Até que ponto nossas universidades não estão protagonizando o papel dos dinossauros em relação ao cometa que os exterminou? 

Cuidado, pois a tecnologia não é o cometa que ameaça as IES; é a obsolescência de suas estratégias. Planejado ou não, toda IES opera sob um modelo de negócio. A questão é: esse modelo está preparado para o futuro ou fadado ao fracasso?

O óbvio precisa ser dito: há ferramentas ausentes na gestão tradicional, mas presentes no design. O design aplicado pela Apple e pelas empresas mais valiosas do mundo pode ser compreendido na definição da World Design Organization, onde trata o design como um processo estratégico de resolução de problemas que impulsiona a inovação e constrói o sucesso nos negócios por meio de produtos, sistemas, serviços e experiências.

Em tempos de inovação perpétua, ou você inova ou faz mais do mesmo. Design é agente da mudança. Produz ativos intangíveis e valores inéditos. Os dois ativos mais importantes em uma estratégia corporativa são: marca e entrega. Todo o resto, finanças, marketing, vendas, tecnologia, relacionamentos com investidores, são subsistemas. Marcas fortes impactam o crescimento orgânico de suas organizações.

 

Glauson Mendes: Estratégias de eficácia e efetividade para inovação

 

Embora as aquisições sejam capazes de trazer uma melhora temporária na rentabilidade, o crescimento orgânico é a base da geração de receitas. Quando chega o momento em que não é mais possível aumentar riquezas, será preciso gerá-las.

Em um mundo onde a régua de experiência de consumo é ditada por gigantes como Amazon, Netflix, Google e Apple, o segmento universitário tende a perder relevância. Essas empresas não desenharam suas experiências on-line com departamentos de tecnologia resistentes à mudança ou soluções enlatadas que despertam ódio de estudantes e professores pela falta de intuitividade. 

Mas o que está por trás do sucesso dessas empresas? É possível mensurar o real valor do design em suas estratégias e posicionamentos? A resposta é sim e foi dada pela pesquisa mais extensa e rigorosa sobre as ações de design que os líderes podem realizar para gerar valor comercial. 

O McKinsey Design Index (MDI) da McKinsey & Company analisou 300 empresas de capital aberto por 5 anos, em diferentes setores e países. Entrevistou líderes experientes de negócios e design e coletou mais de 2 milhões de dados financeiros e 100.000 ações de design. O estudo apontou dois fatores essenciais para discussões em reuniões executivas. São eles:

Design centrado no usuário: o design com foco na experiência do usuário cria produtos e serviços competitivos.

Avaliações contínuas: além do NPS, o eNPS para funcionários e a avaliação constante em todas as interações com clientes e equipe é indispensável.

 

Além dos dois fatores acima, o relatório da McKinsey, joga luz acerca de quatro premissas básicas para que as organizações possam performar orientadas pelo design.

 

Premissa 1. Design é mais que um sentimento – é liderança analítica

 

Empresas de alto desempenho financeiro integram o design à alta administração, avaliando-o com o mesmo rigor que aplicam a receitas e custos. Os melhores retornos financeiros vieram de empresas que uniram design e liderança em uma visão centrada no cliente, incorporada nas decisões de alto escalão.

Dica: cuidado ao ouvir exclusivamente gestores administrativos em detrimento de gestores de inovação. Embora ambos sejam importantes, somente um deles é capaz de inovar gerando novas receitas.

 

Premissa 2. Design é mais que um produto – é a experiência do usuário

 

Empresas de alta performance integram design físico, digital, de serviço e de negócio, focando em experiências holísticas de usuários. Elas vão além de produtos e serviços isolados, mapeando toda a jornada do cliente para identificar pontos problemáticos e oportunidades de satisfação. Elas também não se limitam ao seu próprio setor e buscam insights disruptivos em outros segmentos para se manterem à frente.

Dica: em reuniões de diretoria, balanceie o tempo entre dissecar planilhas e implementar ações para elevar a qualidade educacional e a satisfação dos estudantes. 

 

Premissa 3. Design é mais do que um departamento – é um talento multifuncional

 

Empresas que fazem do design centrado no usuário uma responsabilidade coletiva, e não uma função isolada, alcançam excelência em performance e reputação. Estudos da McKinsey confirmam que a atuação multifuncional de designers em toda a organização não só eleva a experiência do cliente, mas também impulsiona inovação e eficiência. Este modelo transforma o design em um pilar estratégico, intrinsecamente ligado ao sucesso financeiro.

Se sua IES já possui um profissional com expertise de design na diretoria, dê-lhe autonomia para inovar. Se ainda não possui, contrate. Este profissional opera estratégias que melhoram produtos, serviços e experiência do cliente, elevando a competitividade e rentabilidade da organização.

Dica: não torne a ambidestria organizacional uma falácia tratando perfis criativos com hostilidade e falta de autonomia. Ao contrário, proteja-os do sistema imunológico organizacional velado que combate corpos estranhos. Esse tipo de jogo não se vence no discurso, mas sim no dia a dia.

 

Premissa 4. Design é mais do que uma fase – é uma iteração contínua

 

Ambientes que incentivam aprendizado e interação com usuários potencializam o design, aumentando a inovação e reduzindo custos. Lideranças que optam com frequência por soluções prontas de mercado sacrificam a diferenciação a longo prazo. Empresas focadas em design entendem que o lançamento de um produto é apenas o início de uma jornada contínua de aprimoramento da experiência do cliente, suportada por tecnologia e sem fim.

Dica: fomente um ambiente de aprendizado e interação contínua para inovação e diferenciação. Valorize a colaboração real, não a política, para que as melhores ideias prevaleçam.

 

Thuinie Daros: Investir no desenvolvimento do corpo docente é estratégia de inovação

 

Por fim, compartilho um Framework de Inovação pelo Design que me acompanha há quase duas décadas para que você possa aplicar em sua IES como um norteador estratégico.

Design para o Branding: considere o design como a personificação visual e emocional da marca da sua IES. Ele deve transmitir a missão, visão e valores da instituição de forma clara e impactante. Invista em identidade visual coesa e storytelling eficaz para criar uma conexão emocional com seu público-alvo.

Design Industrial: estamos falando de um núcleo pujante da inovação que deve permear todo o modelo de negócio acadêmico. Não se trata de uma mera experiência ‘phygital’ integrada, mas de uma revolução educacional. Conectar-se a ecossistemas de inovação e mapear a jornada do estudante com tecnologia generativa e aprendizado de máquina não são opções, mas imperativos para garantir a empregabilidade em um mercado cada vez mais competitivo.

 

SSIR Brasil | Design Thinking para a inovação social

 

Design de Serviços: aqui, o objetivo é assegurar que o serviço seja útil, usável e desejável do ponto de vista dos clientes e efetivo, eficiente e distinto do ponto de vista da IES. Uma área de CX deve visualizar, formular e coreografar soluções para problemas que nem mesmo se manifestaram, além de zelar pela resolução de gaps existentes. 

Design de Negócios: um ótimo exemplo aqui são os Horizontes de Inovação da McKinsey, um framework para equilibrar inovações de curto, médio e longo prazo. O Horizonte 1 foca em melhorias incrementais do core business, o Horizonte 2 em expansões adjacentes que utilizam competências existentes, e o Horizonte 3 em inovações disruptivas que podem transformar o mercado. A estratégia de investimento associada a essa abordagem, conhecida como 70-20-10, sugere alocar 70% dos recursos para inovações do Horizonte 1, 20% para o Horizonte 2 e 10% para experimentos de alto risco e alto retorno no Horizonte 3. Uma forma eficiente de materializar o conceito de ambidestria organizacional.

 

A gestão tradicional opera no paradigma do status quo, enquanto o design projeta futuros. A sobrevivência das IES não será determinada pelas suas capacidades de adaptação às mudanças, mas pela habilidade de antecipá-las e moldá-las. Portanto, é muito menos se sua IES pode se dar ao luxo de incorporar o design em sua estratégia, e muito mais se pode se dar ao luxo de não fazê-lo e tornar-se irrelevante.

Por: Daniel Sperb | 04/09/2023


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