Se faz necessária uma reestruturação cognitiva, para a dúvida, o questionamento, a investigação e uma formação crítica de cidadania digital
Trabalho colaborativo entre alunos, professores e tecnologia é necessário para alcançar resultados positivos (Foto: Freepik)Por Ana Valéria Reis e Marcio Martins da Costa*: Recentemente intensificou-se o debate sobre as novas competências do século 21. O Fórum Econômico Mundial [FEM] publicou no fim de 2020 “O relatório do futuro do trabalho e as competências mais demandadas para os próximos cinco anos”, considerando a nova fase do mercado, no mundo pós-pandemia, e a consolidação da tecnologia no espaço profissional. As competências elencadas são: 1. Pensamento analítico e inovação; 2. Aprendizagem ativa e estratégias de aprendizado; 3. Resolução de problemas; 4. Pensamento crítico; 5. Criatividade; 6. Liderança; 7. Uso, monitoramento e controle de tecnologias; 8. Programação; 9. Resiliência, tolerância ao estresse e flexibilidade; 10. Raciocínio lógico; 11. Inteligência emocional; 12. Experiência do usuário; 13. Ser orientado a servir o cliente (foco no cliente); 14. Análise e avaliação de sistemas; 15. Persuasão e negociação.
Esse debate foi importante para o cenário das instituições de ensino superior. Falou-se sobre as profissões do futuro e de como os novos modelos curriculares atenderiam ao desenvolvimento dessas profissões com novas propostas, novas estratégias, novos processos avaliativos e a inclusão das competências digitais e das socioemocionais. Debateu-se sobre o investimento na formação docente nas IES e sobre como melhorar o engajamento dos estudantes e promover sua autonomia em uma rotina de estudos diferenciada, adaptada e mais tecnológica.
A pandemia acelerou alguns processos e antecipou, em alguns casos até de forma desordenada, a inclusão dos recursos tecnológicos e digitais nos ambientes de ensino. Além disso, a pandemia também revelou de forma mais clara a necessidade das competências digitais tanto para docentes quanto para discentes. Com a adoção do ensino remoto e da utilização de ferramentas digitais, ficou evidente que a capacidade de lidar com a tecnologia e de usá-la de forma eficiente é uma competência fundamental para docentes, para discentes e, consequentemente, para o sucesso da aprendizagem.
No entanto, o período da pandemia não foi suficiente para que a comunidade docente se apropriasse de relevantes recursos tecnológicos e que estes sanassem suas necessidades, tampouco para os gestores. Apesar disso, a pandemia foi determinante para que as instituições e gestores repensassem o seu planejamento pedagógico e tecnológico de forma ágil e adaptativa. Com as mudanças rápidas no cenário educacional, foi necessário compreender as demandas e os desafios do momento, bem como adotar uma postura colaborativa e flexível para garantir resultados efetivos no processo de ensino-aprendizagem e mitigar os impactos ainda desconhecidos para esse momento.
E antes mesmo que tudo pudesse estar organizado, a inteligência artificial aparece para “sacudir” o meio acadêmico e trazer, para muitos, um certo pânico, para outros, certo conforto e, para outros tantos, alguma indiferença.
O ChatGPT, por exemplo, tem sido bastante discutido em lives, entrevistas, webinars, artigos e grupos de trabalho, dedicados exclusivamente para essa finalidade. Embora já se saiba o que ele é e o que é capaz de fazer, a inclusão dele, assim como de outras ferramentas de IA, nos modelos curriculares das IES, ainda é um desafio a ser enfrentado. Embora a IA tenha muitas possibilidades de aplicação na educação, é importante que se faça uma reflexão cuidadosa sobre o seu uso no processo de ensino-aprendizagem bem como de suas implicações.
O próprio chat responde sobre essa dúvida, mas, ainda assim, nem todos estão cientes de como fazê-lo, principalmente com a velocidade com que a IA vem-se aperfeiçoando.
Para abordar esse tema, trouxemos alguns pontos do webnair que a UNESCO promoveu no último dia 17/04, em que Francesc Pedró, Diretor do Instituto Internacional de Educação Superior da América Latina e Caribe, IESALC, UNESCO, e Axel Rivas, Diretor da Escola de Educação da Universidade de San Andrés, Argentina, debateram sobre alguns aspectos do ChatGPT e da IA em geral no ensino superior. Não há espaço neste artigo para discorrer sobre tão profundo tema, mas iremos apontar elementos relevantes para ele.
Rivas tratou do tempo da aceleração daquilo com que convivemos e, que de certa maneira absorve o nosso tempo. Estamos expostos a pensamentos, ideias e imagens, a uma avalanche de informações que são reforçadas pelos algoritmos que nos isolam em uma bolha de manipulação e simulação da realidade. Diante da inteligência artificial, corremos o risco de não identificar o real. A voz, a pessoa, o ambiente muitas vezes não nos permitem distinguir a verdade. Daí, uma necessária resposta educativa. Introduzir, desde a mais tenra idade, a alfabetização digital e o uso responsável das tecnologias. É necessária uma reestruturação cognitiva, para a dúvida, para o questionamento, para a investigação, para uma formação crítica de cidadania digital.
Esse posicionamento foi ao encontro das reflexões sobre o desenvolvimento do pensamento crítico nos nossos estudantes. Pedró lembrou os alunos aprovados com louvor em avaliações tradicionais, mas reprovados em produções textuais e pesquisas. Que mecanismos de avaliação são usados? Um pensamento crítico não se desenvolve somente com debates ideológicos, mas com o pensamento forjado na racionalidade científica.
Como garantir que os estudantes sejam capazes de raciocinar e desenvolvam um pensamento lógico, com conteúdo, com dados e construam evidências desse raciocínio? Ele também nos alerta sobre a função do autopensamento do sujeito: por que isso acontece, ou existe ou é dessa maneira? Por exemplo, por que desenvolver sustentabilidade, ou por que há polarização na política? A quem/que isso beneficia ou a quem/que isso prejudica? O pensamento crítico converte o sujeito para a melhora científica e cidadã. Torna-o agente de transformação social. Se o pensamento crítico não nos leva à ação, a discussão e os debates serão só “perfumaria”.
Diante disso, e muito mais, faz-se necessário reelaborar os modelos acadêmicos por competências os quais requerem uma abordagem cuidadosa, para que sejam efetivos. De maneira muito sintética e singular, estamos falando sobre:
Com o debate sobre a inclusão das chamadas competências do século 21 nos modelos acadêmicos e as multidências que incluíam o profissional do futuro, os modelos acadêmicos, hoje, não podem desprezar a urgência das competências para o desenvolvimento da cidadania digital e do pensamento computacional integradas na formação para o mundo do trabalho com mais veemência. Competências capazes de lidar com a inteligência artificial, como:
Além dessas, há outras competências mais complexas, como:
Com a inserção da inteligência artificial na educação, é fundamental que todos os atores do processo de aprendizagem tenham uma visão adaptativa e estejam abertos para um comportamento de investigação, experimentação e crescimento na área tecnológica. É preciso compreender que a tecnologia é uma ferramenta que pode ajudar a potencializar o ensino e a aprendizagem, mas que ainda é necessário um trabalho colaborativo entre alunos, professores e tecnologia para alcançar resultados positivos.
São novas linguagens que exigem novas posturas e comportamentos que dividem responsabilidades e atitudes entre gestores, professores, estudantes e famílias. Além disso, uma aprendizagem profunda requer algumas quebras emocionais, ou seja, quando há um sentimento significativo entre o que uma pessoa espera e o que realmente acontece em uma situação emocionalmente desafiadora, quando há dificuldade em distinguir entre o que é real e o que não é
Esses apontamentos levam-nos a tomar algumas decisões e a fazermos algumas escolhas, quando comparamos os modelos acadêmicos que temos hoje com aqueles de que necessitamos também para hoje. Dessa forma, nos preparamos para os currículos que estarão em constantes mudanças, conforme se aprimorem não só a inteligência artificial e os recursos tecnológicos, mas também as competências humanas que devem dominá-los e geri-los.
Ana Valéria Sampaio de Almeida Reis é consultora educacional em Formação e Desenvolvimento de Professores e Coordenadores em inovação e Aprendizagem Ativa. Marcio Martins da Costa é gestor Educacional, atualmente pró-reitor de Educação a Distância, do Centro Universitário de Valença (UNIFAA).
Por: Ana Valéria Reis | 03/05/2023