NOTÍCIA

Edição 274

O Brasil é forte em pesquisa científica e pode ser melhor

IES captam recursos específicos, produzem conhecimento e ampliam relevância

Capa Edição 274 - Pesquisa científica Divulgação mais importante são os artigos publicados em revistas científicas especializadas

Quando Sabine Righetti era uma jovem estudante paulistana que chegara a Bauru para cursar jornalismo na Unesp, assim como a maioria dos estudantes, precisava de dinheiro. A oportunidade surgiu. Uma bolsa da Fapesp, por meio de um projeto de pesquisa de um dos professores. Naquela época, por volta de 2000, os bolsistas recebiam em casa a revista Fapesp: “Eu li e pensei: que coisa maravilhosa, incrível, quanta ciência as universidades fazem. Senti que aprendi com aquilo e decidi que queria fazer jornalismo científico, contar as histórias sobre a ciência”.

É com esse entusiasmo que a fundadora da Agência Bori e pesquisadora do Labjor-Unicamp aborda a pesquisa que se faz hoje no Brasil: “Estamos entre os 15 maiores produtores de ciência no mundo. O Brasil é líder em excelência em áreas de conhecimento como odontologia e doenças tropicais. É incrível isso”. No mestrado e doutorado, Sabine se aprofundou em política científica, “uma área que estuda como a ciência é feita, financiada, como são tomadas as decisões”. Foi jornalista da Folha de S.Paulo, atuou na editoria de Ciências e participou da implantação do RUF, o ranking universitário da Folha.

 

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Sabine Righetti

Sabine Righetti acompanha a produção científica há duas décadas (Foto: Wanezza Soares)

Das cerca de 2.500 instituições de ensino superior brasileiras, 200 são universidades. As demais são faculdades ou centros universitários. Dessas 200, metade é pública, a outra metade privada ou comunitária. “A pesquisa está sobretudo nas universidades. Um pouco em hospitais, fundações do tipo Fiocruz, institutos.” Atualmente, do total de pesquisas realizadas no país, 90% delas são conduzidas por universidades públicas. Entretanto, Sabine enfatiza que as IES particulares também fazem pesquisa em grande quantidade e de excelência. “Principalmente as confessionais, como as PUCs, Unisinos, Mackenzie. E também há pesquisas nas fundações, como FGV e Insper.”

A falta de pesquisa na maioria das IES privadas não é resultado de desinteresse. “A literatura que se debruça sobre isso mostra que para manter a pesquisa funcionando é preciso os programas de pós – mestrado e doutorado – e ampla infraestrutura de equipamentos e, muitas vezes, as IES privadas não conseguem ter o fôlego necessário.” Por outro lado, ela explica que, no mundo todo, já se sabe que um sistema de ensino superior heterogêneo funciona muito bem. “É importante ter universidades públicas de excelência fazendo pesquisa, mas é muito importante também ter instituições menores, com foco em formação, espalhadas pelo país.”

 

O financiamento

 

Órgãos públicos, empresas e recursos das próprias instituições financiam a pesquisa no Brasil. Artur Jacobus, vice-reitor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, a Unisinos, em São Leopoldo (RS), afirma que “o investimento em pesquisa científica é altamente vantajoso para os países, pois permite o desenvolvimento de novos materiais, novas tecnologias, novas formas de produção, o que faz a economia se desenvolver, gerando mais empregos e impostos”. 

Artur Jacobus

Artur Jacobus: “a pesquisa é altamente vantajosa ao país” (Foto: Divulgação/Unisinos)

“Em quase todo o mundo, o principal investidor em pesquisa são os governos. Nos Estados Unidos, cerca de 58% do financiamento da pesquisa vem do governo e apenas cerca de 6% vem das empresas. Lá, os recursos destinados à pesquisa aumentam ano após ano. Aqui no Brasil é exatamente o contrário”, fala o vice-reitor. Um exemplo: “Em 2022, os recursos do governo federal dedicados à pesquisa equivaleram a apenas 40% do que foi destinado oito anos antes”. No ano passado, a Unisinos bancou com recursos próprios a quantia nada modesta de R$ 21 milhões somente para o custeio de horas em que seus professores pesquisadores se dedicaram à pesquisa.

Na Universidade Presbiteriana Mackenzie, na capital paulista, os recursos próprios destinados à pesquisa, em 2022, foram R$ 5 milhões, mas a instituição bateu um recorde: conseguiu captar e fazer circular R$ 83 milhões em projetos de pesquisa aplicada, em todas as unidades da universidade, conta Felipe Chiarello, pró–reitor de Pesquisa e Pós-Graduação, além de professor da Faculdade de Direito e do Programa de Pós-Graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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Entre as fontes de financiamento público no Brasil estão programas de financiamento da Capes, Fapesp, CNPq. Entre os mecanismos da Capes estão as bolsas e programas como o Paep – Programa de apoio a eventos no país – para a realização de congressos e seminários científicos de curta duração e o Print – Programa Institucional de Internacionalização. O Mackenzie, por exemplo, teve aporte de cerca de R$ 11 milhões por meio do Print. “Poucas entre as universidades privadas e comunitárias receberam esse aporte”, menciona Chiarello. 

Também foi com parceria da Fapesp que o Mackenzie construiu o MackGraphe, prédio para o centro de estudos do grafeno, em 2014. Para este ano, o Mackenzie terá 3 milhões vindos do CNPq. São recursos do programa de Iniciação Científica e o MAI/DAI, programa de mestrado e doutorado para desenvolvimento científico, tecnológico e de inovação. 

Jacobus conta que as empresas procuram as universidades para alavancar a inovação de processos e produtos. “Nesse caso, trata-se de investimentos com expectativa de retorno mais direto e mais rápido, esperando-se que as investigações promovam aumento de produtividade e de competitividade das empresas.” Entre as empresas parceiras da Unisinos estão a Petrobras, Tramontina, Dell, Gerdau, Marcopolo, Nestlé. “Em alguns casos, essas empresas contratam serviços de nossos institutos tecnológicos. Em outras oportunidades, nossos pesquisadores se juntam às equipes das empresas na busca de soluções, em pesquisas de caráter aplicado.” 

No Mackenzie, entre as empresas parceiras, estão Apple Academy, a Meta – antiga Facebook –, Google, Bosch, Huawei – líder mundial na tecnologia 5G – e entidades como o Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial).

 

O professor pesquisador

 

A maioria dos pesquisadores é formada por docentes e a dedicação à universidade é integral. Atuam em programas de pós-graduação, orientando mestrandos e doutorandos, portanto os futuros pesquisadores, que costumam também participar de grupos de pesquisa. Nos institutos tecnológicos da Unisinos dedicados a pesquisas aplicadas junto a empresas e entidades públicas, também atuam pesquisadores que não são docentes e que colaboram com os pesquisadores docentes.

No Mackenzie, o professor pesquisador cumpre 40 horas semanais, 20 delas ministrando aulas, na pós e na graduação, e o restante dedicado à pesquisa. Além da remuneração mensal, há outras fontes de recebimentos. O MackPesquisa, com fundo privado, lança editais todos os anos para financiamento da pesquisa interna e outros custos como passagens e hospedagens, para apresentação dos trabalhos científicos, e publicações internacionais. Todos os professores podem se candidatar. “Sem contar as infraestruturas que os professores podem receber no âmbito de seus projetos. No ano passado, um professor nosso recebeu R$ 7 milhões para um projeto vinculado à ciência e tecnologia e à neurociência.”

Os pesquisadores coordenam seus grupos. “Nos últimos anos, tivemos cerca de 40% de aumento de grupos de pesquisa cadastrados na plataforma do CNPq”, afirma Chiarello.

Normalmente, os pesquisadores participam de um ou mais grupos. De acordo com Jacobus, esses grupos reúnem profissionais da própria universidade e de outras instituições, além de contar com a participação de mestrandos, doutorandos e alunos de graduação que participam de atividades de iniciação científica, além de ex–alunos. “Quando as pesquisas têm caráter interdisciplinar, esses grupos são bastante heterogêneos, podendo reunir pesquisadores, por exemplo, da área da saúde, de TI e engenharias.”

 

A divulgação científica

 

A divulgação científica mais importante são os artigos publicados em revistas científicas especializadas. As revistas internacionais são as mais cobiçadas, sobretudo aquelas com grande impacto na comunidade científica. “O que a maioria das pessoas desconhece é que a publicação nos periódicos científicos não é uma tarefa fácil. Muitos desses periódicos recebem milhares de submissões e somente publicam uma centena de artigos por ano, quando muito”, explica Jacobus.

No Brasil, vale a classificação feita pela Capes, o Qualis. Os periódicos de mais impacto no Brasil são os classificados entre A1 e A4. Para Jacobus, embora essa classificação esteja sujeita a erros e críticas, ela auxilia os próprios pesquisadores e as instituições a avaliar a produção científica, diferenciando revistas com altos graus de exigência daquelas que não têm o mesmo prestígio. “No meio acadêmico, faz muita diferença publicar numa revista com classificação A1 ou numa B2”, aponta.

As instituições que têm artigos em revistas de alto impacto demonstram efetivamente o respeito e a credibilidade perante a comunidade científica nacional e internacional. Chiarello afirma que, além de grande pontuação na Qualis, vale o registro em renomadas bases de dados internacionais como o Scopus, Argus Science e outras. Livros e congressos também contribuem para a divulgação científica.

 

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Felipe Chiarello

Felipe Chiarello: no ano passado, foram R$ 83,98 milhões em projetos de pesquisa aplicada (Foto: Wilson Camargo)

Mackenzie e Unisinos publicam em grandes revistas, indexadas, nacionais e internacionais. Esse reconhecimento é importante. A pesquisa, diz Chiarello, é essencial para que a universidade possa cumprir sua função social. A universidade, diz, deve ter um impacto local, regional, estadual, nacional e internacional. “Temos a missão de trabalhar efetivamente para proporcionar um impacto na vida das pessoas que nos cercam. Não podemos nos encastelar.”

A divulgação científica para o grande público ainda é um desafio. Na Unisinos, há a preocupação de aproximar o conhecimento e o método científico do público mais amplo, como o dos estudantes da educação básica. Nesse caso, a divulgação ganha novas formas, como podcasts, vídeos para o YouTube, blogs ou postagens em redes sociais, além de um programa junto às escolas da região, em parceria com uma empresa de comunicação. Outra iniciativa foi a criação de uma disciplina nos cursos de graduação, chamada Comunicação da Ciência. “Estamos procurando desenvolver uma nova geração de pesquisadores, que se comuniquem com seus pares por meio de revistas científicas especializadas, mas que também consigam apaixonar crianças e adultos por descobertas científicas.”

Para Jacobus, o jornalismo científico está ocupando novos espaços, especialmente nas redes sociais. “Mas, lamentavelmente, veículos tradicionais estão fechando ao longo dos últimos anos, como é o caso recente da Scientific American Brasil. A própria Ciência Hoje já não se encontra mais nas bancas, existindo apenas no formato digital.” Para o público infantil, diz, ainda se pode contar com a Ciência Hoje para Crianças, que não circula mais nas bancas, mas é usada em muitas escolas do país.

 

Ciência para todos

 

Na Unicamp, Sabine investigou a percepção pública da ciência. Para ela, “há tanta coisa maravilhosa que as pessoas não sabem porque não comunicamos”. Enquanto jornalista da Folha, dizia, brincando, que era mais fácil entrevistar um prêmio Nobel do que um pesquisador da USP. 

Essa distância ficou bastante evidente na pandemia e acendeu o alarme de muita gente. “Há a necessidade de as pessoas conhecerem a ciência, os cientistas, saberem como a ciência é feita. Porque, de repente, vem uma pandemia, aparece um cientista na tevê falando ‘olha, você tem que tomar vacina, ficar em casa’, mas o distanciamento era grande e causou estranhamento.” Ela acredita que na atualidade as instituições de pesquisa valorizam muito mais a comunicação social da ciência, sobretudo por causa da pandemia. 

 

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Duas semanas antes do primeiro caso confirmado de Covid no Brasil, em fevereiro de 2020, Sabine lançou, com a também jornalista Ana Paula Morales, o que ainda era um projeto-piloto da Agência Bori, um serviço que apoia a cobertura da imprensa, um hub para jornalistas que buscam pesquisas científicas inéditas. Essa confirmação do primeiro caso aconteceu num feriado e as IES estavam fechadas. “Foi uma loucura!”, conta Sabine, referindo-se ao acúmulo de demandas. “No mesmo dia, na área restrita para jornalistas cadastrados, lançamos uma relação de cientistas dispostos a falar com a imprensa sobre a Covid por meio do celular.” O banco de fontes existe até hoje. Covid, alimentação e Amazônia são os três principais temas abordados pelas fontes que a Agência Bori oferece.

Autor

Gustavo Lima e Sandra Seabra Moreira


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