Ao enxergar o futuro como uma possibilidade, podemos interferir em sua construção e, por isso, mudá-lo. Ser considerado fluente em futuros significa ter a capacidade de imaginar e ser capaz de criá-lo no presente
Ao enxergar o futuro como uma possibilidade, podemos interferir em sua construção e, por isso, mudá-lo (Foto: Pexels)Alfabetização de Futuros ou Futures Literacy.
Estudos de Futuros ou Futures Studies.
Aprendizagem prospectiva ou Foresight Learning.
Pensamento de Futuros ou Futures Thinking.
Certamente, você já deve ter ouvido alguma destas expressões e vale ressaltar que nada tem a ver com esoterismo ou adivinhações. Todos estes termos mencionados (e existem outros) fazem parte de uma abordagem na qual se estuda o movimento das mudanças com foco na preparação para o futuro.
Inclusive, há organizações como a World Futures Studies Federation, cuja abordagem considera o estudo de futuros como uma ciência interdisciplinar e o define como um campo de pesquisa, que auxilia na criação de cenários futuros a partir de uma análise baseada nos estudos da atualidade capazes de criar panoramas possíveis e/ou desejáveis.
Considerando que o futuro não é algo definitivo, então o que estudamos são as diversas possibilidades de futuro, portanto, – futuros –, no plural.
A alfabetização de futuros (Futures Literacy) é habilidade que possibilita que as pessoas compreendam e levem em consideração o papel do futuro no que realizam na atualidade. Essa ideia, pensada e divulgada pela UNESCO, compreende o futuro como uma possibilidade e não necessariamente uma previsão.
Ao enxergar o futuro como uma possibilidade, podemos interferir em sua construção e, por isso, mudá-lo. Ser considerado fluente em futuros significa ter a capacidade de imaginar e ser capaz de criá-lo no presente. Implica no processo de transformação da realidade direcionando esforços para criação do cenário possível e desejável.
Futuro imaginado é uma construção mental do que poderá acontecer no futuro, baseado em suposições e projeções de tendências atuais, sem considerar necessariamente o que se deseja para o futuro. De modo geral, quando imaginamos o futuro, geralmente surgem imagens mentais que já foram criadas pelos canais midiáticos. Quer ver um exemplo?
Coloquei no Google Imagens o comando “Como será o futuro? ” e olha o que aparece: várias imagens que sugerem um futuro amplamente tecnológico.
O futuro imaginado pode gerar uma ideia equivocada de que, como humanos, não há nada que pode ser feito e que estamos fadados a viver esta realidade, sobretudo em um mundo cada vez mais ambíguo, acelerado e exponencial, devido à força da imprevisibilidade. Por vezes, esquecemos do fato de que o criador disso tudo é o próprio ser humano devido a sua mentalidade criativa.
Já o futuro desejado é a visão idealizada de um futuro melhor, que deve ser construído por meio de ações e transformações. É uma visão motivadora e inspiradora que direciona as decisões e planos para alcançar esse futuro desejado.
Enquanto o futuro imaginado pode ser visto como uma previsão do que pode ocorrer, o futuro desejado é uma aspiração para o futuro que se gostaria de ver realizado.
Quando se afirma que o futuro é incerto, não significa que não somos mais capazes de prevê-lo, mas que não estamos sendo capazes de imaginá-lo juntos. E aí fica o desafio para os professores e gestores das IES: Se não formos capazes de imaginarmos os futuros que queremos de forma coletiva, como seremos capazes de criá-los? Futuros melhores não são apenas desejáveis, mas também possíveis, desde que estejamos comprometidos em fazê-los acontecer.
Corroborando com a reflexão, a própria UNESCO (2020) afirma que “Ser alfabetizado sobre o futuro fortalece a imaginação, aumenta nossa capacidade de preparar, recuperar e inventar à medida que as mudanças ocorrem”.
Existem diversas estratégias que podem auxiliar os professores a desenvolverem a fluência em futuros dos estudantes, respeitando as especificidades e objetivos de aprendizagem de cada área de formação.
Para tangibilizar esta possibilidade, selecionei uma proposta bem introdutória que considero simples, versátil e de fácil condução na sala de aula no contexto dos estudos de futuros.
Os “artefatos do futuro” é uma estratégia do campo do design fiction* promovida pelo Institute for the future que adaptei para ajudar os estudantes a terem uma experiência tangível do futuro por meio da visualização de novas tecnologias em um futuro alternativo.
É uma forma de fornecer detalhes de um cenário concreto, ajudando os estudantes a entender como a vida pode ser em um futuro específico.
O docente solicita que os estudantes mapeiem sinais do modelo de vida atual de uma população ou levantem informações sobre algum aspecto do problema relacionado ao objetivo de aprendizagem.
Os objetos futuros devem causar uma sensação de um leve estranhamento para que se possa coletar os interesses e vozes desses futuros alternativos.
Imagine que você é um militar e foi convocado para uma expedição com o objetivo de coletar objetos, textos e imagens que apresentam sinais que ajudam a mapear quais recursos serão criados para resolver os problemas relacionados à saúde da população daqui a 50 anos.
Exemplo de uma atividade que pode ser coletada pelos estudantes:
Depois de trazer toda fundamentação, o professor pode solicitar que construam o objeto digitalmente, produza o desenho em 3D, photoshop, colagem. Pode ainda solicitar que registrem um manual do usuário com as especificações de uso, funcionalidades e precauções para a utilização do objeto.
Para realização do fechamento e consolidação da aprendizagem, realize questões como: E se isso fosse uma realidade? O que isso implicaria na sua atuação profissional? Quais são os impactos inerentes a esse futuro? Se este é um futuro possível, o que precisamos modificar agora em nossas ações?
O importante é fazer com que os estudantes percebam que outras pessoas ou instituições estão buscando alternativas para resolução de problemas atuais, com base nos comportamentos atuais, ainda que haja bastante estranhamento. Nestas atividades, vale sempre considerar as questões éticas que envolvem cada solução ou ideia mapeada.
Acredito que os novos modos de viver da contemporaneidade sejam movidos pela gestão das possibilidades, das alternativas, da velocidade de geração de valor e dos diferenciais criados pela ação coletiva, portanto, desenvolver a fluência em futuros é essencial e urgente. IES sérias e comprometidas com o ser humano estabelecem momentos formativos para ajudar os professores e estudantes a criarem condições de desenvolver reflexões sobre futuros desejáveis no seu campo de atuação profissional e social.
Vamos pensar que, hoje, nossos estudantes “competem” globalmente e não mais regionalmente e, juntamente com a capacidade de lidar com incertezas, o estudo dos futuros permitirá desenvolverem uma visão ampla do mundo e pensar em soluções criativas para problemas complexos, podendo ser uma forma de inspirar a sonhar, criar e buscar um futuro melhor para si e para os outros.
Finalizo a provocação com uma afirmação muito mencionada do artista espanhol Joan Miró, “o amanhã ainda não existe”. Agora, imagine se passarmos a auxiliar nossos estudantes a pensarem juntos nele e criarem futuros desejáveis?
*Design fiction é uma estratégia de design que combina elementos da ficção científica e da prototipagem de produtos para explorar possíveis futuros e estimular o pensamento criativo. É uma abordagem que busca criar narrativas especulativas que possam ajudar a entender melhor como as tecnologias emergentes podem afetar o mundo e a sociedade no futuro.
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Por: Thuinie Daros | 11/04/2023