NOTÍCIA
É preciso correr para aprimorar ao máximo o "capital humano" e transformar as próximas gerações em profissionais competentes
Publicado em 05/04/2023
Formar bem os jovens é uma questão vista como de sobrevivência para a Europa. O continente tem uma população envelhecida: de um lado da balança, as pessoas têm cada vez menos filhos e, de outro, a expectativa de vida tem aumentado. É preciso correr para aprimorar ao máximo o “capital humano” e transformar as próximas gerações em profissionais competentes. Ao mesmo tempo, há a sensação de que Estados Unidos e alguns países asiáticos passaram à frente nessa corrida. Oficialmente, a União Europeia diz que seu objetivo é se tornar a principal economia do conhecimento do mundo. Se a meta será alcançada é discutível. Contudo, só há um caminho até ela: a educação.
Se todos convergem para a importância do tema, a questão que se põe é que tipo de educação deve ser oferecida. Com o objetivo de formar profissionais críticos, capazes não apenas de cumprir tarefas, mas de inovar, a Holanda aposta em modelos de aprendizagem ativa. A tendência mais recente é o chamado Design Based Learning – DBL (Aprendizagem Baseada em Design), uma derivação do Problem Based Learning – PBL (Aprendizagem Baseada em Problema).
“O Design Based Learning é mais focado em deixar os estudantes fazerem suas perguntas. No PBL, eles têm que trabalhar com os professores para resolver problemas. Agora, têm que desenhar mudanças e inovações, elaborar as perguntas. Estudantes têm um papel ativo, não achando que o professor está dizendo a eles o que têm de saber. Eles mesmos têm de se desenvolver”, explicou Hans de Wit, da VU Universidade Amsterdã, em entrevista para a Ensino Superior.
Para que esse tipo de abordagem dê certo, é preciso preparar o corpo docente e os próprios alunos, sobretudo do ponto de vista cultural. “A interação entre professor e estudante se torna muito mais intensa, com menos hierarquia. É de fato uma abordagem dialógica. O professor vai facilitar, estimular, ajudar os estudantes a encontrar respostas, mas nunca vai dar diretamente as respostas”, diz De Wit.
Considerando o acesso a informações online, isso é ainda mais relevante – muito conteúdo está online e o professor tem que ajudar os alunos a encontrar a informação correta, para não caírem em fake news. Ainda é uma abordagem de mão dupla. Mas tem que preparar o aluno para o processo. Então, no primeiro ano, eles recebem bastante treino sobre PBL ou Design, acaba sendo mais tradicional.
Longe de ser um ponto fora da curva, o DPL ganha espaço graças a um ambiente acadêmico já bem desenvolvido de PBL. Essa metodologia de aprendizagem ativa faz parte da cultura do ensino superior do país há décadas.
O processo começou em 1976, com a fundação da Universidade de Maastricht, que foi a segunda do mundo a ter seus programas de ensino inteiramente em PBL. “Naquela época, era algo ímpar não só no contexto holandês, mas também europeu e mundial. O que vimos desde então é que mais universidades passaram a incorporar o PBL como parte do currículo”, conta De Wit.
Ainda que nem todas as instituições tenham adotado programas inteiros em PBL, como é o caso de Maastricht, seus elementos acabaram sendo incorporados de forma bastante ampla. “É algo como se viu na educação básica com a metodologia Montessori: o conceito é bem distintivo, poucos aplicam integralmente, mas as escolas foram incorporando elementos do Montessori nas suas práticas”, compara o professor.
Embora tenham em seu território universidades centenárias, a busca por inovação tem movido o ensino superior de Holanda e Bélgica há décadas. Há uma busca para dar conta de responder às demandas mais imediatas do mercado. Mas sem deixar de lado a possibilidade de os estudantes se aprofundarem. Os dois países oferecem um sistema dividido entre instituições focadas em pesquisa e outras mais voltadas à prática, chamadas de instituições de ciências aplicadas.
Na Bélgica, a divisão se deu já nos anos 1970. Assim, antes de escolherem uma universidade, os jovens decidem se querem um diploma superior acadêmico ou profissional, sem que um seja considerado melhor que o outro. Em geral, apenas quem conclui o acadêmico pode entrar diretamente em um mestrado. Quem vem do ramo profissional, precisa passar por um período preparatório antes do mestrado.
“No Brasil, a grande maioria das instituições privadas seriam como as nossas de ciências aplicadas, e as públicas seriam as de pesquisa”, compara De Wit, que conhece sistemas de ensino superior do mundo todo. “São muito importantes para formar bons profissionais, por isso os países precisam ter uma base delas. Não podemos pensar que as instituições dedicadas mais à pesquisa são melhores; são diferentes. Especialmente com a falta de mão de obra em alguns setores, as ciências aplicadas parecem muito mais relevantes para a economia.”
Para o professor, a principal vantagem dessas abordagens no ensino superior é a atitude que incutem nos jovens, que passam a buscar protagonismo ao longo da vida. “Tornam os estudantes conscientes de que, quando estiverem num emprego, não podem simplesmente contar com o que já aprenderam, com as instruções que seus chefes dão. Eles sabem que precisam se perguntar o tempo todo: posso fazer melhor? Isso cria um ambiente muito mais propenso a inovações nas empresas”, explica De Wit. A formação de indivíduos críticos repercute não apenas no mundo do trabalho, mas também na vida em sociedade. Mas a adoção desse tipo de abordagem implica custos maiores, porque requer grupos pequenos, com uma alta proporção de docente por aluno.
“Pode até haver algumas combinações, com aulas em auditórios para transferência de conhecimento. Mas depois há uma divisão em pequenos grupos, e trabalhos práticos sobre os temas”, explica o professor da UV. Além de ser um modelo mais caro, os professores têm reclamado de sobrecarga. “Tem sido um dos nossos maiores problemas e estamos com uma sobrecarga do docente. De um lado, há pressão por publicar e pesquisar, ao mesmo tempo que a atuação no processo de ensino é muito intensa.”
Outra preocupação constante é manter os cursos alinhados com o que se espera dos jovens profissionais no mundo do trabalho. Nas universidades de ciências aplicadas, cada escola tem um comitê consultivo nas quais as empresas do setor estão envolvidas. “Elas não podem decidir sobre os currículos, mas podem dar conselhos. É uma participação bem ativa, fazem recomendações, mostram suas necessidades. No setor de saúde, são os hospitais e a indústria farmacêutica que participam, por exemplo. Nas universidades de pesquisa o processo costuma ser um pouco diferente, dependendo das disciplinas”, diz De Wit.
Para os jovens na Holanda, o momento de entrar numa faculdade se dá com menos pressão do que no Brasil. Não existe uma prova como o Enem, ou um vestibular, que vai definir o ingresso. A seleção se dá pelo conjunto das notas nos dois últimos anos da educação básica. Mas ainda, durante o ensino médio, os estudantes já escolhem as áreas que desejam seguir e podem escolher as matérias mais relacionadas com seus interesses.
“Minha filha pensa em fazer física. Então, agora ela precisa cursar todas as disciplinas de ciências; e vai buscar pontuação avançada em matemática e física. Se fosse para a área de humanas, dispensaria algumas de ciências, mas faria outras matérias”, explica Camila Escaleira, brasileira que mora na Holanda com a família. “Mas não existe aquela pressão enorme como no Brasil. As médias vão de 1a8e, nos cursos mais concorridos, a nota de corte costuma ser 6. Se for mesmo para física, minha filha precisa ter no mínimo 5 em matemática e física, algo bem tranquilo”, conta.
Na Bélgica, em teoria, todos os que terminam o ensino médio podem entrar na graduação se assim desejarem. A única exceção se dá nos cursos de medicina e odontologia, para os quais há limites de vagas. Para esses, sim, há provas de seleção. Algumas outras áreas, como as engenharias, também fazem um exame para o ingresso. Mas não como um concurso no qual só entram os melhores: serve para assegurar que todos os futuros alunos têm o conhecimento mínimo para acompanhar as disciplinas. Em média, 75% são aprovados.
O ensino universitário belga é marcado pela forte presença de estudantes internacionais, algo que, de certa forma, está relacionado com as características e a própria formação múltipla do país. Sua capital, Bruxelas, é sede da Comissão Europeia, do Conselho da União Europeia, da Otan e, parcialmente, do Parlamento Europeu. A Bélgica divide-se em três regiões, com diversidade cultural e linguística. Tem, portanto, três idiomas oficiais: holandês, francês, alemão. Além disso, várias IES oferecem programas em inglês.
Um exemplo desse perfil diverso é a Vrije Universidade de Bruxelas que, de um total de 20 mil estudantes, tem 5 mil estrangeiros matriculados – são 25%. Há gente de 153 países diferentes estudando na mesma instituição. O último ano letivo (2021-2022) registrou o oitavo aumento consecutivo no número de alunos vindos do exterior.
Ter estudantes de fora, contudo, é um assunto de grande polêmica no momento, sobretudo quando se trata de cursos oferecidos em inglês. “As pessoas se preocupam com a diminuição da qualidade do ensino e da aprendizagem, porque nem todos os professores são fluentes no inglês e, para os estudantes, é mais difícil aprender em uma língua que não é a materna. E muitos dos internacionais também não têm essa como primeira língua”, pondera De Wit. A atração de um grande volume de estrangeiros também pressiona os serviços e a oferta de alojamentos para alugar, o que faz a população local se sentir competindo com os estrangeiros. Com alunos nacionais e imigrantes, as universidades belgas têm buscado inovação de forma atrelada à sustentabilidade. Os compromissos sociais e ambientais podem ser vistos em quase todas as instituições.
A Universidade Católica de Louvain é uma das instituições mais tradicionais, que tem suas origens no século 15. Existe um compromisso para fazer uma “transição” para o futuro, com metas. Triplicar o número de pessoas da comunidade universitária que se desloca de bicicleta, aumentar os cursos oferecidos sobre temas de sustentabilidade, ter uma produção de energia “verde”. O plano, com vigência de 2021 a 2026, já tem 75% dos objetivos cumpridos. “Nossa geração é responsável pelo futuro de nosso ecossistema. Também eu, diante de vocês, sou responsável pela transição iniciada na universidade. Ela só será possível com o apoio de todos”, afirmou o reitor, Vincent Blondel, na época do lançamento do plano.
Holanda e Bélgica foram os países escolhidos para a 13ª Missão Técnica do Semesp. Saiba mais.