Colunista

Transformação da natureza jurídica das entidades mantenedoras educacionais: planejamento empresarial e aspectos concorrenciais

Transformação das sociedades com fins econômicos em associações sem finalidade lucrativa não possuem mais impeditivos

Mantenedoras educacionais

Por José Roberto Covac e José Roberto Covac Junior*: A Constituição Federal foi extremamente importante ao definir e permitir o ensino livre à iniciativa privada. As entidades mantenedoras da educação básica sempre puderam adotar diversas formas de natureza jurídica permitidas na legislação: associações, fundações e sociedades empresárias. Por sua vez, as de ensino superior, até o advento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) em 1996 e, principalmente da Lei de Mensalidades (Lei 9870/99), só poderiam ser constituídas como associações e fundações.

Amparado pela LDB, a Lei de Mensalidades admitiu expressamente pela primeira vez que “as pessoas jurídicas de direito privado, mantenedoras de instituições de ensino superior, previstas no inciso II do art. 19 da Lei n o  9.394, de 20 de dezembro de 1996, poderão assumir qualquer das formas admitidas em direito, de natureza civil ou comercial” (art. 9).

Assim, passou-se a admitir entidades mantenedoras de ensino superior com finalidade lucrativa.

Porém, aquelas entidades criadas antes de 1996 não podiam fazer a transformação da sua natureza jurídica, pois o entendimento dos Cartórios de Registro Civil era que o regime jurídico das sociedades empresárias seria incompatível com o das associações sem finalidade lucrativa e apegavam-se à vedação expressa da IN nº 35/2017 do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração – DREI, que categoricamente dispunha ser “vedada a conversão de sociedade empresária em sociedade sem fim lucrativo e vice-versa” (art. 30).

No entanto, a Lei nº 11.096/05 (Programa Universidade para Todos – Prouni) passou a expressamente prever a possibilidade de conversão das associações educacionais de ensino superior em sociedades de fins econômicos. De lá para cá, esse instituto jurídico se consolidou e as entidades já não sofrem, como outrora, grandes problemas no Cartório de Registro Civil ou na Junta Comercial para realizarem essa conversão.

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Por sua vez, o inverso nunca foi permitido, ou seja, inexistia previsão legal para que uma mantenedora de ensino empresária pudesse se transformar em associação. Essa rota, todavia, alterou-se com o advento da Lei de Liberdade Econômica em 2020, que criou um ambiente empresarial mais liberal, reforçando a proteção da livre iniciativa, buscando diminuir a burocracia das empresas e principalmente, permitindo uma maior liberdade de atuação comercial. Dessa forma, não havia mais motivo para impedir a transformação da natureza jurídica das empresas em associações, pois, na prática, ambas possuem atividade econômica.

Por isso, o DREI mudou seu entendimento e publicou a IN nº 81/20, que diferentemente da anterior, suprimiu a vedação à conversão de sociedade sem fim lucrativo em sociedade empresária e regulamentou a conversão das sociedades empresárias em associações dispondo que “no caso de conversão de sociedade empresária em sociedade simples ou associação, na mesma ou em outra Unidade da Federação, deverá ser arquivado, na Junta Comercial da sede, o instrumento de conversão, oportunidade em que serão consolidadas as informações do ato constitutivo do respectivo tipo societário, para inscrição no Registro Civil e cumprimento das formalidades exigidas por aquele Registro.”

Possibilidade de transformação

Portanto, podemos afirmar não haver mais qualquer impeditivo na transformação de natureza jurídica de sociedades com fins econômicos em associações sem finalidade lucrativa, podendo ser essa uma importante alternativa de planejamento para algumas instituições de ensino em momentos de crise, justamente pelo fato de manter os atos regulatórios no seu próprio CNPJ e se aproveitar de algumas benesses fiscais.

Isso porque, como é sabido, as associações sem finalidade lucrativa gozam de imunidade e isenções de impostos, desde que cumpram a legislação específica como, por exemplo, ter contabilidade em dia, não repassar valores para fora do País e, principalmente, não distribuir parcela de lucro. Mas isso não significa dizer que os dirigentes não podem ser remunerados pelo trabalho realizado na mantida ou mesmo na mantenedora ou receber aluguel de suas propriedades.

Para esse planejamento, todavia, existem algumas dificuldades práticas de caráter principalmente societário, educacional, contábil e tributário, que devem ser levados em consideração, sendo de extrema importância uma preparação jurídica prévia. A transformação da natureza jurídica perpassa também pela reflexão dos aspectos de proteção patrimonial, não confusão de pessoas jurídica e física, sucessão, entre outros aspectos importantes e relevantes definidos na LDB e Lei do Sinaes, que é a sustentabilidade financeira e a capacidade de autofinanciamento.

Sendo assim, num contexto extremamente competitivo, as entidades devem ter no radar a possibilidade da transformação de entidades mantenedoras com finalidade lucrativa para sem fins lucrativos como forma de planejamento empresarial, tanto na educação superior como na básica.

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*José Roberto Covac e José Roberto Covac Junior são sócios da Covac Sociedade de Advogados

Por: | 24/10/2022


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