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Formação

Professores: quem ensina deve aprender

Formação continuada de professores assume contornos de um desafio global. Esgotados e desvalorizados, a profissão que é sinônimo de esperança precisa de comprometimento dos gestores para a aprendizagem contínua se tornar realidade

Publicado em 04/10/2022

por Revista Educação

portrait-teacher-writing-on-chalkboard Entre lives, palestras, cursos rápidos, aperfeiçoamento, há uma grande diversidade de modelos formativos (Foto: Freepik)

Por Paulo de Camargo*/Revista Educação: São 80 milhões de pessoas em todo o mundo. Acordam todos os dias pensando o que e como ensinar para dezenas, centenas de alunos. A cada longa jornada, viverão os receios, dúvidas e esperanças de crianças e adolescentes. Buscarão novas formas de educar, criarão vínculos de afeto que podem durar uma vida inteira, vão se sentir responsáveis pelo futuro de cada um. Ao final do dia, frequentemente esgotados, voltarão para casa pensando nas lições vividas – e no quanto precisam, eles mesmos, estudar, descobrir, aprender, dominar novas ferramentas e metodologias, mas que falta tempo, dinheiro e apoio. Estes são os professores e professoras, profissionais sobre os ombros dos quais se depositam boa parte das esperanças da humanidade no desafiador século 21.

Em um tempo em que todos os riscos pelos quais o mundo passa assumem dimensões planetárias, as Nações Unidas também dedicaram uma seção especial do evento Transforming Educacion Summit 2022, em setembro, em Nova York, para a urgência de se investir na formação dos professores, em âmbito global.

Leia: Pesquisa aponta para déficit de 235 mil docentes em 2040

“A transformação da educação só acontecerá se os professores forem profissionalizados, treinados, motivados e apoiados para liderar o processo e guiar seus alunos para alcançar seus objetivos e o bem-estar”, diz o documento que embasou as discussões.

Mas, lembra a ONU, não se pode pensar que professores são super-heróis. Necessitam de apoio para um trabalho cuja importância extrapola os limites institucionais da escola. Isso significa que o planeta precisa mais do que docentes que assegurem às novas gerações o direito de aprender sobre ciências, matemática, linguagens.

Pela sala de aula passam os desafios da diversidade, da sustentabilidade, da igualdade de gênero, do antirracismo, da cultura da paz e dos direitos humanos.

Falta gente para tudo isso. Estima-se que, para atingir as metas estabelecidas nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), faltem até 44,4 milhões de novos professores na educação primária e secundária. E não há espaço para leigos. É necessário que sejam profissionais com condições dignas de trabalho, salário, equilíbrio do tempo dedicado ao ensino, infraestrutura para desenvolver sua função. Encerrar um tempo em que o trabalho do professor foi visto como uma missão de abnegados para tratar com decência um profissional do qual o mundo depende. No tempo do lifelong learning, da consciência de que aprender é algo para toda a vida, o professor tem que se desenvolver continuamente.

Realidade brasileira

No Brasil, as demandas têm o tamanho de um dos maiores países do mundo. Aqui, os docentes da educação básica representam uma categoria com 2,1 milhão de pessoas. Evidentemente, há muitos desafios no campo da formação inicial. Mas é preciso cuidar dos que já estão nas salas de aula. Dados extraídos dos questionários do Saeb 2019, 23% dos docentes de ensino fundamental e médio não realizaram sequer uma atividade formativa com menos de 20h, naquele ano, e 68% não fizeram nenhum curso de aperfeiçoamento com mais de 180h.

Há muitas razões para que isso aconteça. Conforme a última edição do estudo Talis, realizado pela OCDE, para quase 60% dos professores de ensino fundamental, anos finais e ensino médio no Brasil, uma das principais barreiras para o desenvolvimento profissional é como arcar com esses custos. Para 71,1% dos professores do ensino médio, falta apoio do empregador.

Segundo Kátia Smole, ex-secretária da Educação Básica do MEC e diretora executiva do Instituto Reúna, embora tenham acontecido avanços institucionais importantes, como a homologação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Continuada de Professores da Educação Básica, em outubro de 2020, ainda não se pode dizer que exista uma política de educação continuada dos professores. Mas, por iniciativa própria, os professores buscam cada vez mais oportunidades.

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“Os docentes continuam demandando informação, e agora com necessidades específicas. Desafios da recomposição da aprendizagem, a saúde emocional e até mesmo trazer os alunos de volta”, diz Kátia.

Ao mesmo tempo, os professores querem processos formativos que os auxiliem na implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), e mesmo na compreensão de novos conceitos, como o de competências. Há mais problemas do que a falta de oportunidades articuladas de formação. “Os professores estão sobrecarregados e é preciso também entender que eles precisam de apoio”, finaliza Kátia.

Como vem ocorrendo em diversos campos da educação, os vazios deixados pelo Estado acabam preenchidos pela ação de organizações sociais, inclusive institutos e fundações de origem empresarial, bem como assessorias pedagógicas e casas de formação.

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É o caso do próprio Instituto Reúna, que desenvolveu os Mapas de Foco, uma abordagem que permite priorizar conteúdos e competências da BNCC na recomposição de aprendizagem.

“Há muito conhecimento disponível sobre o que precisa ser feito, é preciso que as secretarias e escolas organizem as ações para que a formação possa acontecer”, diz.

Para o historiador João Alegria, secretário-geral da Fundação Roberto Marinho (FRM), embora os professores manifestem grande interesse, o desenvolvimento da carreira docente esbarra em desafios, como a baixa atratividade, e condições como jornadas longas e muitos alunos. “É difícil o professor encontrar momentos para estudar, investindo tempo e energia para a aquisição de conhecimento”, analisa.

A FRM atua, segundo João Alegria, em duas estratégias paralelas: de um lado, a oferta de conteúdo online, com tópicos específicos que atendem a necessidades imediatas do professor, como ensino híbrido ou saúde mental. Ao mesmo tempo, a fundação também oferece projetos de maior duração para redes públicas, com momentos presenciais de práticas docentes e intercâmbio de experiências. Atualmente, estão em curso parcerias com estados como Pernambuco e Goiás, e cidades como Salvador e Rio de Janeiro. Mais de 3 mil professores já tiveram acesso a essa formação.

Para João Alegria, ainda há muito a avançar na oferta de modelos mais eficientes de formação continuada de educadores, inclusive pelo caráter híbrido que as estratégias ganharam, após a reabertura das escolas, ao fim de dois anos de pandemia. “A experiência da educação a distância ainda é muito passiva”, considera.

Entre lives, palestras, cursos rápidos, aperfeiçoamento, há uma grande diversidade de modelos formativos (Foto: Freepik)

Estratégias mais eficientes

Entre lives, palestras, cursos rápidos, aperfeiçoamento, há uma grande diversidade de modelos formativos. Do ponto de vista formal, ou seja, dentro do que é reconhecido pela legislação para progressão funcional, os tipos de formação continuada se dividem em um leque que vai dos cursos de atualização, com carga horária mínima de 40 horas, aos cursos de especialização lato sensu, com carga horária mínima de 360 horas. Claro, sem contar os programas stricto sensu, cuja procura também vem crescendo, como mestrado e doutorado.

Mas, evidentemente, não é a contabilidade das horas que define a qualidade dos cursos, e sim o quanto se traduz em práticas transformadoras de sala de aula. É por isso que diferentes estudos tentam definir quais são as características essenciais dos modelos mais eficazes. O mais citado desses trabalhos foi realizado pela Fundação Carlos Chagas e publicado em 2017.

Analisando a literatura existente sobre o assunto, o estudo apontou que as formações que produzem mais impacto têm, entre outras características, foco no conhecimento pedagógico do conteúdo, métodos ativos de aprendizagem, participação coletiva, duração prolongada e coerência. Para Kátia Smole, é importante também que tragam atividades mão na massa e metodologias ativas, de forma homóloga ao que acontecerá depois na sala de aula.

Na visão de Patrícia Almeida, pesquisadora da Fundação Carlos Chagas, é muito importante que a escola também seja um espaço de formação, com tempo de trabalho coletivo. “A escola precisa se tornar uma comunidade de aprendizagem, no dia a dia, compartilhando entre pares os problemas que são da mesma realidade, articulando a formação e a prática”, considera.

Para a pesquisadora, existe uma demanda crescente por formação, na medida em que os professores sentem ser necessário aperfeiçoar suas práticas em um mundo desafiador. A pandemia veio também ampliar as possibilidades, ao introduzir o online no cotidiano do educador, e isso deve ser articulado com as práticas. “A perspectiva híbrida é importante, as lives facilitam muito, mas as práticas precisam estar presentes”, diz.

Planejando a própria formação

Há consenso entre os especialistas de que, idealmente, as políticas públicas deveriam garantir acesso e apoio ao professor na formação em serviço, com um cardápio diverso para atender às necessidades dos educadores. Mas, o mundo real é feito do esforço de milhares de professores e professoras que optam por investir tempo, trabalho e até mesmo recursos próprios em processos formativos dos mais diversos.

É o caso de Márcia Januário da Silva, professora de educação infantil na rede pública municipal, que participa até mesmo de um clube de leitura, chamado Diálogos Embalados, da Casa Diálogos, em São Paulo. Todos os meses, 2 mil professores recebem kits que incluem o livro do mês, no maior clube de leitura voltado para a educação do país – foram embalados 115 mil livros em seis anos.

“As leituras são úteis, pois provocam, instigam o educador a pensar e repensar o seu cotidiano. Estudar nos conecta com o mundo”, diz Márcia, que até a pandemia não gostava de ler e raramente passava da metade do livro.

Com o fechamento das escolas, os livros que recebia passaram a fazer parte de sua cabeceira. Por isso, conta, a experiência com o clube de leitura foi a de quem reaprendeu a ler.

A pandemia foi, de fato, um estímulo importante para os educadores. A comunidade virtual de aprendizagem da Diálogos saltou para 60 mil educadores, que participam de lives, ouvem podcasts, realizam formações, cursos presenciais, oficinas e cursos de especialização.

Para a fundadora Telma Holanda, os professores que fazem parte da rede, em geral, sentem o desejo de transformar uma educação que consideram engessada, e se angustiam por ver que em suas escolas prevalecem visões empobrecidas e genéricas do que é ser criança. “Os tempos pedem novos olhares e ações, e os professores percebem que, na troca com outros educadores, conseguem expandir suas possibilidades”, diz Telma. “Os professores precisam de referências de carne e osso, com teoria, prática, acolhimento e sensibilidade”, finaliza.

*A Matéria escrita por Paulo de Camargo faz parte da edição 289 (outubro/2022) da Revista Educação. Assine.

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