No mundo da educação continuada, necessidades de capacitação demandadas pelo mercado podem ser atendidas pelos recursos e competências que, grande parte das vezes, as instituições de ensino já possuem internamente
Uma vez identificadas as demandas do mercado e os potenciais fornecedores parceiros o desafio é escolher o que ofertar, pois a capacidade de divulgação e comercialização é sempre limitadaEm estratégia empresarial se costuma dizer que as parcerias ocorrem quando os gestores ou as organizações se dão conta que sozinhas não conseguirão aproveitar oportunidades existentes no mercado. Então, decidem combinar seus recursos, competências e atividades com um ou mais potenciais parceiros para que, juntos, consigam aproveitar a oportunidade existente antes que ela passe.
No mundo da educação continuada, necessidades de capacitação demandadas pelo mercado podem ser atendidas pelos recursos e competências que, grande parte das vezes, as instituições de ensino já possuem internamente. Para isso é importante que se faça uma boa analise dos conteúdos dos cursos de graduação e pós-graduação da IES, tentando identificar disciplinas, módulos, trilhas ou parte deles que possam ser estruturados no formato de cursos de curta duração com apelo de mercado. Os coordenadores de cursos e os professores (em especial os que atuam como profissionais de mercado) são peças fundamentais neste processo, pois normalmente têm uma boa visão das demandas dos profissionais e empresas da região.
Uma vez definido o portfólio de cursos de curta duração, o passo seguinte é a estruturação dos syllabus dos novos cursos com objetivos, conteúdos, estratégias metodológicas e comunicação adequadas tanto à capacitação como à requalificação profissional. Isso parece óbvio, mas não se trata de simplesmente recortar o conteúdo existente para ministrá-lo para outro público e, sim, de projetar novos produtos educacionais, o que na maioria das vezes é um grande desafio. O apoio de desenhistas instrucionais (ou outros profissionais com essa competência) apoiando os professores na construção desses novos conteúdos pode facilitar muito o desenvolvimento e o sucesso desses cursos.
A análise dos recursos internos é um passo importante para a estruturação de um portfólio de cursos de educação continuada, porém muitas vezes não temos dentro de casa os produtos que o mercado demanda e ai surge o dilema: “vamos construí-los internamente com nossa equipe ou vamos buscar um parceiro para ofertar conosco”?
A decisão de fazer em casa é sempre tentadora, pois normalmente as IES têm em seus quadros profissionais qualificados que, com certeza, podem desenvolver programas adequados a atender muitas das demandas de capacitação do mercado. Porém, para esse desenvolvimento, iremos competir com a restrição de agenda dos professores e com uma série de outras atribuições e projetos que a instituição já está envolvida. E normalmente isso pode significar um tempo demasiado longo, barrando o desenvolvimento e lançamento dos programas no tempo necessário, e consequentemente a perda da tal janela da oportunidade.
Por outro lado, muito do que é demandado já está disponível, e por meio de parcerias com profissionais de mercado, professores especialistas no tema, empresas de treinamento, edtechs e, até mesmo outras instituições de ensino é possível se incorporar ao portfólio da instituição, de forma rápida, com baixo custo e pouco risco, uma série de programas de educação continuada.
Mas, mesmo para acessar recursos já disponíveis no mercado, as instituições precisarão se estruturar, investir e aprimorar competências. Um primeiro desafio será o de identificar as necessidades de capacitação do mercado em que ela atua, e isso demanda pesquisa, conversas com profissionais de mercado e com RHs e, ainda, um acompanhamento constante das tendências do mercado de trabalho.
Outro ponto importante a ser desenvolvido pelas IES que querem atuar em educação continuada é estabelecer um relacionamento permanente com fornecedores de conteúdos. É preciso conhecer esses potenciais parceiros, produtos, e desempenho, quando ofertaram seus programas em outras instituições etc. Além disso, faz-se necessário identificar e avaliar quais programas e profissionais são adequados ao público que queremos atingir, considerando preço, qualidade, forma de oferta, flexibilidade, modelo de negócio a ser estabelecido com o parceiro, dentre outros aspectos.
Normalmente a formação de um elenco de professores/facilitadores e de um rol de fornecedores de conteúdos online de qualidade leva tempo, mas com certeza é uma fonte importante de vantagem competitiva nesse negócio.
Outro ponto a ser destacado em relação à seleção de parceiros é que precisa de tolerância para eventuais erros, pois nem sempre há um perfeito alinhamento do jeito de trabalhar dos fornecedores com o da instituição e também nem sempre o que funciona bem para um determinado público vai dar certo com outro.
Estabeleça modelos de negócios que sejam transparentes e de fácil prestação de contas para os parceiros e formalize-os por meio de contratos padrão que mitiguem os riscos de futuros passivos e discussões entre as partes.
Uma vez identificadas as demandas do mercado e os potenciais fornecedores parceiros o desafio é escolher o que ofertar, pois a capacidade de divulgação e comercialização é sempre limitada. Muito cuidado para não fazer uma programação de oferta superdimensionada que acaba nunca formando turmas. Isso gera descrédito junto aos clientes que acabam não conseguindo se capacitar nos cursos que escolheram no momento e frustração nos parceiros que investiram seu tempo no projeto.
Apesar de exigir investimentos em pessoas e alguma estrutura (principalmente digital), a organização de uma área específica de educação continuada não costuma ser dispendiosa para uma instituição de ensino, pois trabalha basicamente com relacionamento com clientes, curadoria de conteúdo e parcerias com fornecedores. As demais estruturas e atividades necessárias as IES normalmente já possuem.
Talvez a principal dificuldade das IES para atuar em lifelong learning seja entender que não se trata de um subproduto dos seus cursos graduação e pós-graduação (apesar de trabalhar com conteúdos semelhantes) e, sim, outro negócio. Portanto, deve ser estruturada com uma forma distinta dos cursos regulares e gerida por profissionais que tenham conhecimento desse mercado.
(*) Marcio Sanches é Doutor em Administração de Empresas pela EAESP/Fundação Getúlio Vargas. Professor na graduação e pós-graduação da EAESP/FGV e nos MBAs da FIA. Coordenador da Universidade Corporativa Semesp.
Por: Márcio Sanches | 06/09/2022