Coordenadora do CEPI e da área de metodologia de ensino da FGV Direito SP
A inovação na educação superior assume duas funções: novos produtos e serviços capazes de criar riqueza e alterar as relações em sociedade, e a elaboração de respostas para a preservação de capacidades humanas, a partir dos impactos que novas tecnologias geram sobre valores e princípios
Ensino superior deve ser construído como um espaço de formação de profissionais capazes de compreender as mudanças impostas pelas novas tecnologiasVocê provavelmente deve ouvir falar, de forma cada vez mais frequente, em inovação. Em diversos ambientes universitários, centros de pesquisa, entre docentes e discentes, o tema está em alta. Mas, por que as faculdades estão tão focadas na criação de um ambiente denominado inovador?
As transformações pelas quais o mundo está passando são muitas e de diversas ordens: econômicas, sociais, tecnológicas, culturais. E já estamos tendo que lidar com esses impactos no mundo, na vida pessoal e no mercado de trabalho.
Um cenário que ilustra bem esse contexto são as mudanças que diferentes tecnologias têm promovido em nossa economia. Se pensarmos no modo como nos locomovemos, por exemplo, fazemos de uma maneira bastante distinta do que há alguns anos, quando tínhamos como opção coletiva o transporte público ou os táxis. Hoje, os aplicativos de transporte nos aproximam de trabalhadores autônomos, que exercem essa atividade enquanto trabalho principal ou secundária em sua vida, usando seus meios privados para a oferta do serviço. Alterou-se o tipo de serviço que é oferecido e a forma como podemos usufruir dele.
Além de espaço para a elaboração e disseminação de conhecimento, o ensino superior deve ser construído como um espaço de formação de profissionais capazes de compreender as mudanças impostas pelas novas tecnologias e de avaliar quais são as perdas inerentes ao processo.
Hoje, há uma vasta gama de tecnologias que tornam o desenvolvimento dessa habilidade pouco útil para as nossas atividades diárias, com a facilidade de aplicativos como o Waze, o Google Maps, ou até mesmo aplicativos de transporte. A nossa única tarefa é saber para onde queremos ir. A responsabilidade para construção do trajeto passa a ser delegada, fazendo com que nossa habilidade de identificar caminhos para deslocamento entre pontos no espaço atrofie gradativamente até se exaurir.
A tecnologia que nos fortalece de um lado, ampliando as capacidades de deslocamentos no espaço de forma mais eficiente, reduzindo o número de vezes em que construímos trajetos de forma equivocada, também nos enfraquece ao tornar algumas de nossas habilidades pouco úteis, criando relações de dependência em diferentes níveis com tecnologias da informação.
Nesse contexto, o debate sobre inovação na educação superior assume duas funções. A primeira, como o estudo da introdução de novos produtos e serviços capazes de criar riqueza e alterar as relações em sociedade. Ao mesmo tempo, a inovação pode ser explorada como o estudo da elaboração de respostas que a sociedade é capaz de construir para a preservação de capacidades humanas, e sobre os impactos que novas tecnologias podem gerar sobre valores e princípios que nos regem e orientam.
A universidade tem, portanto, de assumir seu papel e enfrentar tais desafios. Em um período curto, nossos hábitos, a forma como vivemos e nos relacionamos com o outro, com o entorno e com o mundo se transformaram consideravelmente. E sabemos que, daqui a um tempo, haverá outras mudanças, alterando ainda mais drasticamente as relações em sociedade.
Considerando esse cenário, a universidade deve cumprir sua responsabilidade. Além de espaço para a elaboração e disseminação de conhecimento, o ensino superior também deve ser construído como um espaço de formação de profissionais capazes de compreender as mudanças impostas pela adoção de novas tecnologias, podendo avaliar quais são as perdas inerentes ao processo.
Essa última dimensão requer que os futuros profissionais estejam aptos a lidar com a realidade em constante transformação. É necessário oferecer uma formação que os prepare para compreender esses contextos e buscar soluções para a melhoria da sociedade.
A inovação almejada é consequência de escolhas pedagógicas e políticas que fazemos, tanto em sala de aula como institucionalmente. Trabalhar por meio do ensino participativo, tendo o aluno como protagonista do processo de aprendizagem, estimulando-o a se reinventar, significa desenvolver sua autonomia enquanto indivíduo e cidadão.
Esses espaços de formação devem ser inovadores, na medida em que se pretende formar profissionais aptos a atuarem num contexto em constante transformação. Transformação na forma como um setor opera, como no caso do transporte, ou nas habilidades valorizadas por determinadas sociedades, senso de localização no espaço e capacidade de construção de trajetos até um determinado destino.
Isso pode ser concretizado pelas IES não somente em sala de aula, mas também por meio de projetos de extensão, principalmente com parceiros externos da universidade. Promover laboratórios, imersões e experiências reais com agentes do mercado de trabalho, atores de outras áreas, abordando problemas locais, é uma das maneiras de promover um ambiente desafiador ao aprendizado e de permanente inovação.
E, por último, pensar e contribuir para a proposição de melhorias para o coletivo, considerando as mudanças macro e seus impactos no micro. Sem perder de vista que a regionalidade e as transformações no mundo devem ser incentivadas pelas universidades. Por essas razões, achamos que é necessário seguir falando, mais e mais, de inovação no ensino superior nas IES de todo o país.
Marina Feferbaum | Coordenadora do Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação (CEPI) e da área de metodologia de ensino da FGV Direito SP, onde também é professora dos programas de graduação e pós-graduação.
Alexandre Pacheco da Silva | Coordenador do Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação (CEPI) da FGV Direito SP e professor dos programas de graduação e pósgraduação da mesma instituição.
Por: Marina Feferbaum | 26/08/2022